Boletim Letras 360º #351
As notícias da semana publicadas em nossa página no Facebook, incluindo a que instaurou uma polêmica entre leitores, a escolha de Elizabeth Bishop como homenageada da 18ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty, estão reunidas neste Boletim que traz, ainda, dicas de leituras e outras dicas relativas ao universo dos livros.
José Cândido de Carvalho. Reedição da obra do escritor continua com a apresentação de quatro novos títulos. |
Segunda-feira,
25 de novembro
Reedição da
antologia que reúne oito peças de Anton Tchékhov
Além de
exímio contista, Tchékhov estabeleceu novos padrões para a dramaturgia
contemporânea. As oito peças reunidas nesta antologia, traduzidas diretamente
do russo, são pequenas pérolas de grande valor literário. Compostas por apenas
um ato, elas se caracterizam pela linguagem despojada e pelo humor cheio de
ironia — traços da prosa do autor. Nas versões para o português, o professor da
Universidade de São Paulo Homero Freitas de Andrade buscou recriar os efeitos estéticos, os
trocadilhos e o ritmo dos originais. A edição é da Ateliê Editorial.
Organização
da Festa Literária Internacional de Paraty se contradiz e elege Elizabeth
Bishop como homenageada na 18ª edição
A
contradição em torno do nome homenageado é diversa. A divulgação da escolha da
homenageada havia sido vazada no início do mês de outubro pelo jornalista
Ancelmo de Góis do jornal O Globo. Na ocasião, o Suplemento
Pernambuco chegou a fazer as vezes de porta-voz da organização do evento e
publicou nota desmentindo o furo. Sem nunca aparecer um esclarecimento
oficial, a não-surpresa da farsa se revelou neste dia 25 de novembro quando a
curadoria reafirmou o nome da poeta estadunidense para as celebrações da 18ª
edição do evento. O disfarce veio com a afirmação do diretor artístico Mauro
Munhoz; segundo ele, Elizabeth Bishop estava na lista de possíveis autores
homenageados há mais de dez anos. Esta é a primeira vez desde sua criação, em
2003, que a Flip escolhe um estrangeiro para a homenagem. A outra contradição
está justamente aqui: a exclusão de uma extensa lista de nomes da nossa
literatura, a começar por João Cabral de Melo, o poeta que no ano de 2020
alcança o primeiro centenário e nunca foi lembrado pelos curadores. Elizabeth
Bishop passou mais de quinze no Brasil, devido o envolvimento amoroso com a
arquiteta Lotta de Macedo Soares. Sempre presa numa bolha que incluía a recusa
de aprender português, se viu registrando positivamente os ventos negros da
ditadura no Brasil. O evento está agendado para entre os dias 29 julho e 2
agosto 2020.
Terça-feira,
26 de novembro
Companhia das Letras continua o projeto de reedição da obra de José Cândido de Carvalho e disponibiliza quatro novos títulos, incluindo o primeiro romance do escritor
1. Publicado
pela primeira vez em 1939, Olha para o céu, Frederico! marca a
estreia literária de José Cândido de Carvalho. O narrador da trama é Eduardo de
Sá Meneses, que, após discordar de um artigo elogioso sobre seu tio Frederico,
decide recontar a experiência de ter vivido com ele na adolescência. Ambientado
no interior do Rio de Janeiro, entre plantações e usinas açucareiras, o romance
carrega a linguagem autêntica que estaria presente em toda a produção do escritor
carioca e que faria dele um dos nomes mais originais da literatura brasileira
do século XX.
2. Paralelo à vida de escritor José Cândido de Carvalho trilhou uma prolífica carreira jornalística, entrevistando dezenas de figuras
marcantes da cultura brasileira. Essas conversas renderam alguns dos perfis
mais saborosos publicados na imprensa carioca; 35 dos quais aparecem reunidos
em Ninguém mata o arco-íris. Publicado originalmente em 1972, este
livro é um elogio ao jornalismo à moda antiga e um convite irrecusável para
conhecer mais sobre aqueles que marcaram a nossa história. Dos perfis aí
reunidos estão os de nomes como Bibi Ferreira, Cacilda Becker, Chico Anysio,
Chico Buarque, Di Cavalcanti, Fernando Sabino, Glauber Rocha, Maria Bethânia,
Paulo Autran, Pixinguinha, Rachel de Queiroz, Tom Jobim e Ziraldo.
3. José Cândido de Carvalho produziu uma obra única na
literatura brasileira, marcada pelo bom humor e pela linguagem peculiar, em
especial na fala de suas personagens. Exemplo disso são os contos e microcontos
reunidos em Se eu morrer telefone para o céu, livro publicado pela
primeira vez em 1979. Ao retratar os tipos brasileiros — moradores urbanos, da
periferia ou das áreas rurais —, o autor de O coronel e o lobisomem faz um retrato irreverente do Brasil do século XX ao mesmo tempo que expõe
todas as suas contradições.
4. O quarto lançamento inclui um volume que reúne dois livros ― que somam quase trezentos contos e microcontos: os “contados, astuciados,
sucedidos e acontecidos do povinho do Brasil” de Porque Lulu Bergantim
não atravessou o Rubicon e Um ninho de mafagafes cheio de
mafagafinhos formam um mosaico insólito das figuras que habitam nossos
confins. Com ironia e domínio pleno da linguagem, José Cândido de Carvalho
descreve situações hilárias, protagonizadas por burocratas pouco afeitos ao
trabalho, viúvas interesseiras e malandros que querem obter vantagem de tudo,
entre muitos outros tipos memoráveis. Ao final, esta edição reproduz o discurso
que proferiu ao tomar posse da
Cadeira 31 da Academia Brasileira de Letras, texto que também carrega seu estilo
inconfundível.
Quarta-feira,
27 de novembro
Um livro que reúne extensa seleção da poesia de
Bertolt Brecht
A antologia Poesia é uma coleção
muito representativa da poesia de Brecht, incorpora dados biográficos,
fragmentos de diários e anotações, vários dos quais documentos inéditos entre
nós, inter-relacionados com a poesia e mediados por fotos e imagens em
articulada montagem conceitual. A poesia-crítica de Brecht, sem propriamente
situar-se no âmago das poéticas pautadas pelo experimentalismo, tem, no
entanto, alto nível de escrita e singularidade. Não só merece como precisa ser
reconsiderada, porque volta a ser necessário ouvir as vozes contestatárias que
realimentem o anseio de liberdade e de lucidez do ser humano, e os poemas de
Brecht não afagam nem perdoam a injustiça, a hipocrisia e a indiferença. A
tradução é de André Vallias e sai pela Perspectiva.
Quinta-feira,
28 de novembro
A Editora
Elefante e a Edições Loplop lançam a primeira coletânea do surrealista francês
Robert Desnos no Brasil
A obra tem
tradução de Alexandre Barbosa de Souza, ilustrações de Carlos Issa, posfácio de
Marcus Rogério Salgado e projeto gráfico de Flávia Castanheira. O tradutor assim
afirma: “Conheci Robert Desnos, poeta dos sonos hipnóticos, profeta do
surrealismo, dormindo em uma fotografia no romance Nadja, de André Breton. Só
depois vi seus olhos abertos no filme mudo A estrela do mar, de Man Ray.
De seu primeiro livro, Rose Avida, traduzi literalmente trinta e três de seus
trocadilhos telepáticos, inspirados na personagem dadaísta de Marcel Duchamp.
Radialista experimental, é dele a letra do ‘Lamento de Fantomas’, musicado por
Kurt Weill, que imaginei na voz de Antonin Artaud. Poeta do amor — da estrela
Yvonne George à sereia Youki Foujita —, Desnos foi enfim poeta engajado durante
a ocupação nazista de Paris. Jornalista, membro do grupo Agir da resistência
francesa, foi preso pela Gestapo e enviado a diversos campos de concentração,
onde escreveu as trinta Fábulas cantadas, aqui reunidas pela primeira vez em
português.”
Divulgado os
vencedores do Prêmio Jabuti
O pai da
menina morta (Editora Todavia), é o primeiro livro de Tiago Ferro e foi o
romance ganhador do Jabuti em 2019. Este livro é uma ficção sobre os reflexos
da morte de uma menina de 8 anos na vida do pai, episódio gestado a partir de
uma tragédia experimentada pelo autor em dois anos antes. Trata-se de uma da
escrita que amplia as inflexões do luto a partir do manejo consciente e irônico
de temas como autoimagem, sexualidade, humor, confissão, memória e fabulação.
Na categoria contos, ganhou Um beijo por mês, de Vilma
Arêas (Luna Parque Edições). Em poesia, o prêmio selecionou Nuvens, de Hilda Machado (Editora 34) –
livro organizado pelo poeta Ricardo Domeneck. Na categoria biografia,
documentário e reportagem, destaca-se Jorge Amado. Uma biografia (Editora
Todavia), da jornalista Josélia Aguiar.
Sexta-feira,
29 de novembro
A José
Olympio reedita a tradução de Lúcio Cardoso para Orgulho e
preconceito, de Jane Austen
A história
de um amor improvável em uma época em que sentimentos poderiam não ser
suficientes. Quando Elizabeth Bennet conhece o cobiçado Fitzwilliam Darcy, não
hesita em julgá-lo arrogante e presunçoso, afinal ele parece desprezar sua
companhia, assim como a de todo mundo, demonstrando um temperamento rude e
orgulhoso, impossível de agradar. Após descobrir o envolvimento do detestável
cavalheiro nos eventos que separaram sua querida irmã, Jane, do jovem Bingley,
Elizabeth está determinada a odiá-lo ainda mais. Uma surpreendente reviravolta,
porém, poderá provar que as primeiras impressões nem sempre são incontestáveis.
A escrita irônica e inteligente de Jane Austen perpetua-se pelos séculos,
encantando geração após geração, e coroando-a uma das autoras mais lidas,
admiradas e amadas de todos os tempos.
DICAS DE
LEITURA
Há
literatura em pulsão nos países latino-americanos de língua espanhola. Nos últimos
anos as editoras brasileira têm reaprendido olhar para os países vizinhos e trazido
nomes que, mesmo reconhecidos nos seu país natal, não atravessavam a rígida fronteira
nossa sempre mais aberta ao Best-Seller estadunidense ou europeu e as
literaturas que não as do seu entorno. Nas dicas de leitura da semana
destacamos três obras que foram recentemente traduzidas e publicadas por aqui.
1. A uruguaia,
de Pedro Mairal. A Todavia disponibilizou, além desse título que foi o primeiro
do autor argentino publicado por aqui, seu romance de estreia, Uma noite com
Sabrina Love. A uruguaia se constitui por pelo menos três
principais linhas viandantes: uma viagem de ida e volta da Argentina ao
Uruguai; trânsitos de volição psicológica; e o retorno desse
narrador-personagem entre o porto e sua casa direto pela avenida Córdoba. A
primeira e a última constituem as duas partes do romance, respectivamente,
enquanto a segunda se infiltra continuamente entre elas. Nesse sentido, pode-se
dizer que Pedro Mairal se apropria do conceito de jornada do herói, uma vez
encontrarmos aqui todas suas partes funcionais: da ascensão repentina à queda,
incluindo-se nesse termo as alegrias e desesperos do homem, a fim de alcançar
outra posição, melhor, no mundo.
2. Querido
Diego, sua Quiela, de Elena Poniatowska. A editora Mundaréu, que reatou as publicações
da escritora mexicana no Brasil, possui uma coleção exclusiva para obras de
autores latino-americanos – a ¡Nosotros! No livro recomendado a escritora
Prêmio Cervantes refaz o imbróglio amoroso entre a artista plástica russa Angelina
Beloff e o pintor Diego Rivera. Ele havia retornado ao México no meio da
Primeira Guerra Mundial e a companheira lhe escreve, se obter respostas,
sucessivas cartas; através delas reconstrói o cotidiano de Paris na época da guerra
e suas vanguardas artísticas, demonstra sua devoção incondicional ao marido e
fala de sua busca artística. A escritora parte de um fato real, o
relacionamento entre o reverenciado pintor mexicano Diego Rivera e a pintora
russa Angelina Beloff, para elaborar um registro pungente e comovedor sobre
amor, entrega, dependência e a posição da mulher e da arte no começo do século
XX.
3. Jamais
o fogo nunca, de Diamela Eltit. Nada é gratuito nesse romance – editado no
Brasil pela Relicário Edições. E nada está ao primeiro alcance, porque a
romancista foge – de maneira magistral – de fazer um romance que só
objetivamente recuperaria, como milhares escritos depois dos regimes, o
panorama histórico, político e social de um passado que as marcas ainda estão
muito à vista de nós latino-americanos e que em alguns casos se repetem, agora
por outros meios, como pelo discurso da legalidade nos tribunais formados por
juízes de exceção. A escritora chilena buscou captar como o poder não é apenas
um exercício que se manifesta na ordem, mas deixa sequelas irreparáveis nos
corpos. Um corpo dócil é uma célula doente da sociedade, porque nada se faz sem
revolução e sem unidade coletiva.
VÍDEOS VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. Sabemos sobre o novo romance de Chico Buarque, Essa gente, publicado recentemente pela Companhia das Letras. Por esses dias, o escritor Prêmio Camões apareceu numa entrevista para o programa Os ritmos da prosa (SESC TV). Na ocasião, ele comenta sobre sua relação com a escrita e com a literatura. Vale muito a pena assistir.
BAÚ DE LETRAS
1. O interesse pelos autores latino-americanos de língua espanhola encontra raízes naquele movimento mercadológico que ganhou o título de Boom. Em 2018, passou-se o cinquentenário desse período. E editamos aqui esta lista com alguns dos livros essenciais de então.
2. Sabe-se que todo movimento deixará de fora nomes e obras igualmente merecedoras de figurar no seu interior. Não foi diferente com o Boom Latino-americano que terá privilegiado países de língua espanhola e escritores. Já neste ano, editamos aqui esta lista com obras para ampliar o cânone do Boom.
3. Dois dos romances indicados na seção anterior já foram resenhados no Letras in.verso e re.verso. Aqui, encontram o texto sobre o romance de Pedro Mairal, A uruguaia; e, sobre o segundo romance, Jamais o fogo nunca, de Diamela Eltit, basta visitar aqui.
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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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