Boletim Letras 360º #350



Aqui estão as notícias que publicamos durante a semana em nossa página no Facebook. Depois, as já recorrentes seções com dicas de leitura e outras informações relacionadas ao universo criativo de interesse do Letras in.verso e re.verso. Na próxima semana, no dia 27 de novembro de 2019, o blog chega aos 12 anos online. E estamos felizes por alcançar uma nova data. Chegaremos às duas décadas? É a pergunta que nos fazemos desde os primeiros dez anos. Por enquanto, seguimos. Boas leituras!

José Saramago em Nova York, 1996. Foto: Rita Barros.
A coleção que reúne estudos sobre a obra do escritor português ganha novo título.


Segunda-feira, 18 de novembro

Uma história ficcional em torno de uma forma de governo, eis o novo título da Editora Carambaia

Democracia – um romance americano pode parecer um título paradoxal ou irônico, mas é apenas uma boa descrição. Trata-se, de fato, de uma história ficcional em torno de uma forma de governo – aquela que, na famosa frase de Churchill, é a pior, exceto todas as demais. Com tradução e posfácio de Bruno Gambarotto, este livro chega num momento em que muitos se perguntam sobre os rumos inesperados que as democracias podem tomar. É o que faz também a protagonista do romance. Jovem viúva rica de Nova York, Madeleine Lee, após perder um filho, decide viajar para Washington com o objetivo de entender a democracia. “Ela queria ver com os próprios olhos as forças primárias em ação; tocar com as próprias mãos a imensa máquina da sociedade; medir com o próprio pensamento a capacidade da força motriz”, explica o autor, Henry Adams (1838-1918), historiador, jornalista e herdeiro de uma dinastia de políticos estadunidenses – alguém que conheceu os bastidores do centro do poder dos Estados Unidos como poucos. A jornada de Madeleine Lee, portanto, só poderia ser de descobertas, às vezes na forma de grandes decepções. O romance, única incursão de Adams no campo ficcional, foi publicado em 1880, sem atribuição de autor. Mesmo assim, foi um sucesso de vendas, gerando especulações sobre quem o havia escrito. Algumas chegaram bem perto de Adams e seu círculo intelectual. O mistério só foi revelado pelo editor do romance quando o autor morreu, 38 anos depois da publicação. Não se conhecem os motivos da omissão de seu nome, mas talvez tenha sido um modo de Adams despistar temporariamente os leitores das semelhanças com políticos de seu tempo. A edição da Carambaia tem projeto gráfico de Julio Mariutti e Maria Cau Levy, do Estúdio Lógos, e inspira-se no paralelo, feito no primeiro capítulo do romance, entre a política e o teatro. Daí a pontuação do volume com planos azuis que remetem ao movimento de abrir e fechar cortinas, às vezes sobrepostos a fotos do fim do século XIX.

Terça-feira, 19 de novembro

O livro do mar é a história real de dois amigos, Morten Strøksnes e um excêntrico artista-pescador, que com um pequeno bote e quatrocentos metros de linha de pesca partem para caçar este temido habitante dos fiordes. Dois homens num barquinho. Um monstro nas profundezas logo abaixo. É este o ponto de partida de O livro do mar. Da pequena ilha de Skrova, nas Ilhas Lofoten, o mar é examinado ao longo da história, nas narrativas, ciência, poesia e mitologia. Hav er opphav, “o mar é origem” e abriga as formas de vida mais fascinantes. Para o autor, o mar torna-se uma fonte constante de arrebatamento, novos insights e aventuras que deixam no leitor um gostinho de sal. Mas O livro do mar é também uma reflexão sobre a história natural do homem, que conseguiu mapear o mundo inteiro e navegar entre as estrelas, mas parece manter uma obsessão com o mito do monstro, devido talvez a um atávico instinto predatório ou ao medo do desconhecido que o mar ainda hoje nos desperta. A tradução de Leonardo Pinto Silva sai pela Editora Âyiné.

Os leitores brasileiros têm já uma entrada ao universo poético de Leopoldo María Panero

Panero faz parte de uma tradição literária que encontra poesia no feio, no grotesco, no escândalo e que pensa o poema numa escuridão que ilumina, num inferno paradisíaco no qual surgem eletrochoques anarquistas, pederastas santos, bêbados lúcidos, vagabundos essências e o louco e o louco e o louco outra vez e uma vez mais, mostrando que no cárcere está a semente da liberdade e na falta de juízo, a sabedoria final. Opondo-se a todos os valores sociais vigentes, ele encontra numa poética da crueldade a sua própria cura. Panero revela por meio de sua escrita sobre sua vida de prisões, dores familiares, ressentimentos, tristezas. No entanto, não deixa fincar os pés no chão da lucidez, pois a loucura não passa de um sintoma social. Ao atacar a tudo e a todos, ao buscar inclusive sua própria destruição, declara seu profundo desprezo pelo mundo. A missão do poeta segue sendo a de proporcionar consciência crítica ante o suposto bem-estar da sociedade. Last River Togerher tem tradução de Pedro Spigolon e sai pela Editora Urutau.

Quarta-feira, 20 de novembro

Publica-se o segundo volume da Coleção Estudos Saramaguianos

Peças para um ensaio reúnem textos sobre uma das obras, se não principal, entre as mais conhecidas e, portanto, fundamental para a literatura de José Saramago: Ensaio sobre a cegueira. Publicado em 1995, este romance se consolida como uma leitura simultaneamente ousada e inesgotável sobre a moral e a condição humana no interior de um tempo quando o ideal de civilização atravessa um longo e penoso crepúsculo. Os múltiplos olhares designados sob o termo peças, também os objetos que dão forma a um objeto maior, constituem na esteira do romance em questão um ensaio, este redigido a várias mãos e interessado em evidenciar (ou mesmo estabelecer novos) itinerários de leitura e interrogações continuamente atuais só propiciadas através de objetos culturais como a literatura. O livro que reúne textos de pesquisadores do Brasil, Argentina, Espanha e Inglaterra é organizado por Pedro Fernandes de Oliveira Neto e sai pela Editora Moinhos.

Quinta-feira, 21 de novembro

Nova edição de Como ler literatura, de Terry Eagleton

A maioria dos livros introdutórios sobre teoria ou análise literária comete o mesmo pecado capital: tentar normatizar e prender numa grade de critérios fixos algo que é de uma riqueza vastíssima, viva, subjetiva e variável, como são as grandes obras da literatura. Terry Eagleton, professor e crítico de larga experiência, autor de Teoria da literatura: uma introdução (até hoje uma das grandes referências na área), não incorre nesse erro. Em Como ler literatura, embora seja uma obra introdutória, vemos que o autor não apenas conhece muito bem sua matéria, como tem sensibilidade suficiente para não matar o objeto de estudo ao dissecá-lo. Sempre tratando a literatura como parte da cultura humana, Eagleton mostra a importância e a riqueza de se atentar, quando lemos, para aspectos como ritmo, sintaxe, alusões, ambiguidade, enredo, narrativa etc. – que tanto podem acrescentar à nossa fruição. Shakespeare, Conrad, Nabokov, Dante Alighieri, Dickens, Jane Austen, Milton, Sófocles e J.K. Rowling são alguns dos autores frequentados, dos quais faz análises brilhantes e instigantes, sempre com a clareza que lhe é característica. Diferentemente de muitos críticos e acadêmicos, o autor não coloca a literatura ca­nônica num pedestal inalcançável; antes, lança mão de elementos da cultura popular para melhor expor suas ideias. Neste texto ao mesmo tempo sofisticado e bem-humorado, temos a obra da maturidade de um grande crítico, de um grande pensador, que nos contagia com sua sabedoria humanista. A tradução de Denise Bottmann sai pela L&PM Editores.

Sexta-feira, 22 de novembro

Um romance de descoberta, de coming-out homossexual — ao mesmo tempo que retoma, em nova chave, a linhagem do romance de formação

Concebido no calor da hora, O templo merece lugar entre os grandes livros do período entre as duas guerras mundiais do século XX. Neste romance largamente autobiográfico, que começou a tomar forma em 1929 mas só foi publicado apenas em 1988, cruzam-se a inquietação — erótica, literária, política — do jovem Stephen Spender e a singularidade de um momento histórico — a República de Weimar — em que uma inédita liberdade de costumes florescia à sombra do nazismo já rampante. Crônica ficcional de um verão passado na Alemanha, em companhia dos amigos e escritores W. H. Auden e Christopher Isherwood, bem como do fotógrafo Herbert List, O templo começa como um romance de descoberta, de coming-out homossexual — ao mesmo tempo que retoma, em nova chave, a linhagem do romance de formação. Deixando a Inglaterra para trás, seu protagonista vive uma série de experiências que lhe abrem as portas, até então estritamente cerradas, do corpo e do prazer, longe da culpa e da censura. Mas, ao fio das páginas, a luz vai declinando, o ambiente ganha tons cada vez mais ameaçadores, e O templo converte-se num notável e precoce estudo da ascensão do nazismo, capturada aqui em sua mistura abjeta de delito e política, ressentimento íntimo e perseguição pública. A tradução de Raul de Sá Barbosa sai pela Editora 34.

Seja como for reúne entrevistas, perfis, artigos e documentos daquele que, segundo Perry Anderson, “é o melhor crítico dialético do mundo desde Adorno”.

O livro cobre cinquenta anos de uma trajetória na qual a coerência, mais que o apego a um método, está ligada aos problemas objetivos do capitalismo contemporâneo. Roberto Schwarz foi o que mais levou a fundo a análise de suas consequências para a vida cultural na periferia, notadamente em seus estudos sobre Machado de Assis, revelando nesse escritor um crítico até então insuspeitado da modernidade. Olhar agudo que se estende, no conjunto de sua obra, a vários outros autores e temas. Por sua atualidade, cabe destacar os textos que revisitam o ensaio “Cultura e política, 1964-1969”, nos quais o crítico se interroga acerca da produção artística num quadro que combina o avanço do capital e uma ordem política retrógrada — questão que retorna, com urgência extrema, no Brasil do século XXI. O livro sai pela Coleção Espírito Crítico editada pela Editora 34 e a Editora Duas Cidades.

Antologia reúne poesia de Edimilson de Almeida Pereira

Poesia + reúne quase duzentos poemas de Edimilson de Almeida Pereira, poeta e ensaísta, pesquisador das culturas populares e afrodescendentes e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora. Esta antologia, organizada pelo próprio autor em oito blocos temáticos (incluindo 34 poemas inéditos), atesta de maneira decisiva a singularidade de um percurso poético que dialoga com linhas centrais do modernismo brasileiro mas também, com uma força raras vezes vista entre nós, incorpora vozes historicamente silenciadas e formas extremamente originais de ver/pensar o mundo, nas quais a carga de ancestralidade e o poder de invenção contemporâneo convivem e se renovam mutuamente. O livro é publicado pela Editora 34.

DICAS DE LEITURA

1. Crocodilo, de Javier A. Contreras. O escritor ficou reconhecido pelo excelente Soy loco por ti, América. E este livro publicado recentemente pela Companhia das Letras foi finalista em 2018 do Prêmio LeYa. Julián Fuks, o autor do livro recomendado a seguir, descreve Contreras, na orelha do romance em questão como “um autor impiedoso”. A narrativa de Crocodilo começa pelo suicídio de Pedro e o impacto desse gesto na vida do pai, o narrador que se desdobra em contar a história dos sete dias que se seguem à morte do jovem. Uma narrativa que se mostra por tentativas compreender o que aparentemente não tem explicações. A partir daí podemos perscrutar não apenas a dor, a culpa, o luto, enfim todos os sentimentos possíveis depois de acontecimentos como o que desencadeia a narração, mas o complexo exercício de alteridade entre pai e filho, eu e o outro que cumpre um só desejo: reparar o irreparável – coisa possível de se oferecer apenas pelo trabalho da ficção.

2. Pedra de sol, de Octavio Paz. O Selo Demônio Negro, já dissemos noutra indicação de leitura neste Boletim, refez em edições mais acessíveis uma série de títulos há muito fora de catálogo. Entre eles, este que é considerado o principal livro de poesia do escritor mexicano. Foi escrito durante alguns meses de 1957 e revela, conforme sublinha Horácio Costa, o tradutor da obra no Brasil, um ambicioso projeto poético-estético fruto de sua maturidade como homem e como poeta. Fortemente marcado pelas influências do imaginário simbólico das civilizações mesoamericanas, como a asteca e a maia, este livro toca em várias referências ao clima vivido no México pós-revolucionário de entreguerras, bem como é influenciado por muitas correntes artísticas como a poesia barroca, o simbolismo e o surrealismo. Um sofisticado trabalho de um dos mais importantes nomes de sempre da literatura latino-americana.

3. A ocupação, de Julián Fuks. A notícia sobre a publicação deste livro está numa das edições do Boletim Letras 360º. No livro que teve curadoria de Mia Couto, o escritor Prêmio José Saramago visita ao cenário de uma ocupação num prédio no centro de São Paulo para contar a história dos seus moradores. É Sebastián de A resistência o escritor que se alterna em revelar as histórias que lhe contam e o temor da perda do pai hospitalizado e as expectativas em torno da gravidez de sua mulher e de uma possível paternidade. Com uma prosa impecável, o escritor paulistano nos enreda nessas diversas formas de ocupação, que revelam a fragilidade da vida, o risco da solidão e as muitas brutalidades em que o presente nos imerge. A edição é da Companhia das Letras.

VÍDEOS VERSOS E OUTRAS PROSAS

1. Julio Cortázar e uma câmera ligada. Vídeo realizado pelo escritor com Octavio Paz, Aurora Bernárdez e Marie-José Tramini nos jardins da Embaixada do México na Índia, início de 1968. O vídeo gravado com a câmera de Cortázar foi conservado por Aurora Bernárdez e aproveitado por Eduardo Montes-Bradley em seu filme Cortázar: apuntes para un documental (Argentina, 2002). 

2.  A obra poética de Octávio Paz é vastíssima e Pedra de sol é só uma mínima amostra desse universo. No blog da revista 7faces poderá encontrar outros três breves poemas do poeta. 

BAÚ DE LETRAS

1. No nosso Instagram voltamos a sublinhar o centenário de nascimento de Fernando Namora. O escritor português apareceu numa das edições do Boletim Letras 360º na seção Dicas de Leitura, quando recomendamos O trigo e o joio, um dos principais romances do neorrealismo em Portugal e destaque na vasta obra literária de Namora. Em 2013, o blog editou este pequeno texto com informações sobre um perfil biobibliográfico do autor. 

2. Uma história que se insinua; um narrador que se veste do interesse de contar a história de um irmão adotivo, figura em torno da qual se constrói toda uma sorte de resistências em tornar pública sua história a começar pelo zelo quase sagrado de tratá-lo por essa condição. A resistência, de Julián Fuks foi lida por Pedro Fernandes e comentada aqui no Letras


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