Boletim Letras 360º #349
Alcançamos
um novo sábado. Com a mesma rapidez com que se alcançam todos os dias quando
entramos na corrida pelo fim do ano. Mas, até o fim de 2019, ainda temos datas
importantes para destacar. E uma delas é o 27 de novembro. Foi nesse dia, em
2007, que se apresentou online a primeira post de um blog que seria apenas o
espaço particular de um professor para divulgar suas atividades e leituras acadêmicas
e acabou por ser um distrito virtual coletivo que hospeda 3.478 textos (sete
dezenas ainda em revisão) que alcançaram a base de quase 3 milhões de acessos.
Os números nos animam, porque este trabalho se desenvolve voluntariamente com a
colaboração de muitas mãos. São pessoas que dedicam frações importantes de sua vida
para pesquisar, ler, escrever, atrair novos leitores. Gesto nobre num país
marcado pela desvalorização da cultura, pelo não-reconhecimento dos que lidam
com as Ciências Humanas, e já agora fundado na ignorância e sua celebração. Não
é gratuito, nem simples alcançar algum destaque propiciando saber em contextos
como este. Nosso maior presente seria ainda ultrapassar as barreiras que ainda
estão por aí. Por isso, convide seus amigos para conhecer nosso trabalho,
visite e siga em nossas redes sociais. No mais, receba sempre nosso mais
sincero e caloroso Obrigado!
José Saramago. Foto: Vincenzo Cottinelli. No dia do aniversário do escritor dicas de leitura para uma visita ao seu vasto universo literário. |
Segunda-feira,
11 de novembro
O trabalho
da Editora
Karpfen com a obra dispersa de Otto Maria Carpeaux
Escrito em
1961 pelo crítico e historiador Otto Maria Carpeaux, o longo ensaio reunido sob
o título de A Literatura Russa através dos Contos é apresentado
agora em dois volumes através do projeto ora anunciado. Os textos que formam os
dois volumes de A Literatura Russa são da volumosa Antologia
do Conto Russo (co-organizada e prefaciada pelo autor), dividindo-se em
partes contínuas pelos nove volumes da obra. O estudo, que traz indícios de uma
História esboçada, apresenta a grandeza e profundidade daquela Literatura —
como o título o indica — através de seus melhores contos (aí inclusas novelas,
conforme os critérios do crítico), gênero da maior importância entre os russos,
talvez como em nenhuma literatura. Analisa o crítico contos e novelas curtas de
mais de 20 escritores, entre os quais Gógol, Dostoiévski e Górki, traçando-lhes
as influências nacionais e estrangeiras (como é o caso do afrancesado
Turguêniev), iluminando-lhes, igualmente, traços insuspeitados e apresentando,
sobretudo — tanto deles quanto daquela Literatura —, a totalidade de suas
Obras. O primeiro livro de A Literatura Russa conta com estudo
introdutório sobre as relações entre os textos de Walter Benjamin e Carpeaux
(situados a partir da polêmica acusação de plágio do segundo autor). Para
reflexão complementar do leitor, o projeto igualmente oferece a tradução de um
texto fundamental do teórico formalista russo Bóris Eikhenbaum sobre Leskov, e
a reprodução de “Rússia Sacra”, em duas das ‘categorias de apoio’ à iniciativa.
O estudo de Carpeaux ora publicado em livro passou por cuidadoso preparo,
emendando-se trechos em que o autor brevemente se refere àquela
Antologia ou às traduções que nela se ofereciam ao leitor — sem que
se tenham alterado significativamente as passagens. O projeto está em
financiamento coletivo no Catarse.
Terça-feira,
12 de novembro
Edição da
Penguin-Companhia traz as aventuras das quatro irmãs March com prefácios de
Patti Smith e Elaine Showalter.
Mulherzinhas é considerado um dos livros mais influentes de todos os tempos. Ultrapassando a
barreira das idades, esse romance é lido com a mesma paixão por adultos e
jovens. A história das irmãs March se tornou um clássico feminista que reflete
sobre a tensão entre obrigação social e liberdade pessoal e artística para as
mulheres. Cada leitor terá sua irmã favorita: a independente Jo, a delicada
Beth, a bela Meg ou a artista Amy. Essas quatro mulheres e sua mãe, Marmee,
enfrentam com diligência e honra as privações da Guerra Civil americana, e se
tornaram um sucesso instantâneo já em 1868. A tradução é de Julia Romeu.
Nova edição
de Operação Condor, de Carlos Heitor Cony
Operação
Condor deveria ser uma versão ampliada de O Beijo da Morte,
mas acabou se tornando um inédito. O livro é narrado por Verônica, amante do
Repórter, um homem que destruiu sua vida tentando desvendar o mistério das
mortes de Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda, ocorridas num
curto espaço de tempo, quando os militares estavam no poder e os três políticos
poderiam aglutinar as forças da oposição. A partir da exumação dos restos
mortais de Goulart, ex-presidente deposto com o golpe militar de 1964, e da
volta aos arquivos do Repórter, Verônica se confronta com seu passado e
descobre documentos reveladores de que o Brasil, muito antes da Operação Condor,
já monitorava atividades de brasileiros no exterior — notadamente de militantes
e políticos de oposição, considerados suspeitos de conspirar contra o Regime
Militar, com total apoio e colaboração do Itamaraty. Como no livro anterior, os
autores Carlos Heitor Cony e Anna Lee têm como estratégia narrativa a mistura
de reportagem, depoimento e ficção.
Primeiro
livro de ficção do premiado crítico, ensaísta e professor de teoria literária
Antonio Arnoni Prado
O
último trem da Cantareira reúne memória e invenção ao recriar os anos de
infância do autor na zona norte de São Paulo, em meio a um bando de meninos
que, longe dos livros, viviam soltos nas quebradas do bairro do Tremembé,
entregues a brigas e aventuras de todo tipo. Em suas páginas, os arrabaldes da
cidade, ao longo da linha do trem, ganham uma vida extraordinária, lembrando em
parte Os meninos da rua Paulo, de Ferenc Molnár, e a experiência subjetiva
adquire ressonância coletiva — pequeno milagre que só a grande literatura
costuma realizar. O livro é publicado pela Editora 34.
Quarta-feira,
13 de novembro
Nova edição
de Sobre homens e montanhas, livro que reúne doze artigos nos quais
Jon Krakauer tenta compreender por que homens e mulheres se aventuram por
paredes de rocha e gelo como se procurassem voluntariamente a morte.
Você sabia
que é possível escalar cachoeiras? Sabia que o monte McKinley, no Alasca, o
maior dos Estados Unidos, possui um dos ambientes mais inóspitos do planeta e
que mesmo assim cerca de trezentas pessoas o escalam a cada ano? Você sabe qual
é a segunda maior montanha do mundo? E sabe que ela é bem mais difícil de ser
escalada do que o Everest? Por que tantas pessoas arriscam a vida nas paredes
de gelo e rocha? Nesta coletânea de artigos e reportagens sobre aventuras
vividas ao redor do mundo, do Himalaia ao Alasca, Jon Krakauer, autor de
No ar rarefeito e Na natureza selvagem mostra homens e
mulheres que enfrentam paredes de gelo e rocha por todo o planeta, revela o que
eles fazem, como sobrevivem e o que os motiva. A tradução é de Carlos
Sussekind.
Quinta-feira,
14 de novembro
Chega ao
Brasil livro da dinamarquesa Josefine Klougart
Considerada
uma das mais importantes vozes da nova ficção europeia, a autora tem vários
romances amplamente elogiados pela crítica e premiados. Ascensão e queda (a
tradução de Stigninger og Fald publicada agora pela Editora
Moinhos), foi nomeado para o Nordic Council Literature Prize em 2010. Este
é um livro da lembrança de uma infância na ilha de Mols, na década de 1980; uma
jornada lírica pelas paisagens exteriores e interiores da natureza e da alma; o
retrato de uma família, de uma cidade natal e de um encontro com a linguagem. O
romance de Josefine Klougart foi traduzido por Luciano Dutra.
Sexta-feira,
15 de novembro
Os poemas de
Natal de Joseph Brodsky
“Desde
que comecei a escrever poesia a sério — ou mais ou menos a sério —, tentei
compor um poema a cada Natal, como uma espécie de mensagem de congratulação.
Muitas vezes perdi a oportunidade, deixei escapar. Uma ou outra circunstância
me impediu”. Assim, em uma entrevista dos anos noventa, Joseph Brodsky
relembra seus Poemas de Natal, dezoito no total. Trinta e três anos
dividem os primeiros versos dos últimos, escritos em 1995. Nos anos
sessenta e setenta, os poemas natalícios são variações fantásticas,
rabiosamente amargas, melancólicas, divertidas, inspiradas na festividade, mas
quase liberadas da recorrência concreta. Como 24 de Dezembro de 1971: “Somos todos, no Natal, meio Reis Magos./ Nas mercearias, lama e
aglomeração. Por umas latas de doce com gosto de café/ dá-se o assédio a um
balcão/ por um monte de gente toda empacotada: cada um é ao mesmo tempo rei e
camelo”. Nos anos oitenta a guinada, que é ao mesmo tempo temático e
estilístico: justamente o evento da Natividade, um milagre que se repete pontualmente
e ilumina o nosso destino, se faz espelho de uma reflexão sobre o tempo, a
solidão e o amor que tem a leveza irônica de uma sonata mozartiana: “Não importa
o que havia em volta, e não importa/ se a tempestade uivando se estendia no
profundo,/ se o espaço campestre era apertado/ e se não havia para eles outro
lugar no mundo./ Primeiro, eles estavam juntos. Segundo,/ e principal, eles
eram três e, doravante,/ tudo o que se fazia, regalava ou cozia,/ no mínimo,
por três se dividia”. Traduzidos por Aurora Fornoni Bernardini, Poemas de
Natal são publicados pela Ayine Editora.
DICAS DE
LEITURA
Coincidiu a
edição deste Boletim com dia do aniversário de um escritor que publicamente
temos admitido como patrono do Letras in.verso e re.verso. Foi a 16 de novembro
de 1922 que nasceu José Saramago. “Nasci numa família de camponeses sem terra,
em Azinhaga, uma pequena povoação situada na província do Ribatejo, na margem direita
do rio Almonda, a uns cem quilómetros a nordeste de Lisboa. Meus pais
chamavam-se José de Sousa e Maria da Piedade. José de Sousa teria sido também o
meu nome se o funcionário do Registo Civil, por sua própria iniciativa, não lhe
tivesse acrescentado a alcunha por que a família de meu pai era conhecida na
aldeia: Saramago.” – explica-se o próprio em texto autobiográfico
reproduzido no site da fundação que leva o nome do escritor Prêmio Nobel de
Literatura. É verdade que, do extenso e rico universo literário de José
Saramago, resulta difícil estabelecer qualquer lista que não o inclua em sua totalidade.
Mas, aqui está: é uma amostra da versatilidade do criador.
1. Memorial
do convento. Foi com este romance que José Saramago ganhou projeção
dentro e fora de Portugal. Situado no âmbito do que a crítica denomina ficção histórica,
nele, o escritor recria o episódio da construção do convento de Mafra. Embora,
o acontecimento seja força motriz para a narrativa e ele esteja visível para o
leitor, o que sobressai é a história de luta dos trabalhadores, a partilha dos
afetos entre o casal Baltasar e Blimunda e a construção de uma máquina voar. Todas
as questões suscitadas pela prosa romanesca do escritor estão apresentadas
neste romance: a denúncia acerca das nossas hipocrisias; a interrogação sobre
os discursos dominantes; a crítica ao papel alienante das ideologias; a atenção
ao lugar do homem na história e a história; a dimensão relevante do feminino; etc.
Além, é claro, do estilo peculiar de organização da narrativa, da ironia, da
reflexão e do riso. É, por isso, uma obra-prima indispensável a qualquer leitor.
2. O
conto da ilha desconhecida. Este conto atendeu uma encomenda feita a José
Saramago por ocasião da Expo ’98. Portugal, o país-sede do grande evento, recordava,
dentre outros feitos, o das Grandes Navegações. O produto final é uma narrativa
das mais ricas da sua ficção breve – além deste conto, o leitor pode encontrar outros
do escritor em Objecto quase – por ser a um só tempo: uma espécie de
parábola existencialista; uma celebração irônica aos grandes feitos portugueses
uma vez que, tanto tempo depois, calhou de não se encontrar novas descobertas,
entre estas o descobrimento do outro; uma ode ao amor, na sua dimensão mais
verdadeira, o encontro dos corpos; e uma leitura sobre o papel da ação para reinvenção
da história, i.e., o homem enquanto o único sujeito responsável pela sua condição
individual e coletiva. Este é, sem dúvidas, um dos textos mais bonitos da obra
do escritor português.
3. In nomine
dei. José Saramago sempre negou a denominação de teatrólogo. Todas as suas
peças, recorda, nasceram na mesma condição do livro recomendado acima. Mas,
pode-se contradizê-lo porque os quatro textos até agora conhecidos oferecem ao
espectador uma riqueza criativa, além, é claro, de se filiar a modelos de
teatro indispensáveis à história desse gênero na contemporaneidade, como o
teatro épico de Bertolt Brecht, dado seu interesse por despertar as
consciências da letargia sobre sua condição e a história. No caso da peça aqui
recomendada, Saramago recria os episódios sangrentos experimentados por cristãos
e anabaptistas no século XVI em Münster. Aqui, expõe-se pelo menos uma dupla dimensão
do que somos: criaturas vitimadas pelas nossas próprias ideologias, pela denúncia
que se apresenta sobre a violência; criaturas possíveis de, no meio do horror,
das mais belas atitudes de humanidade. Esta peça recupera o traço da origem do
teatro: a pungência do trágico na revelação do homem.
4. A
bagagem do viajante. José Saramago foi um exímio cronista: das situações
diárias transformadas em campos de reflexão crítico-filosófica; das contínuas
intervenções políticas, gesto que praticou desde sempre; da fabulação, como
quando apropria-se de figuras de sua convivência e transforma em personagens
das mais belas. Embora sua obra nessa forma ainda seja rara por aqui, o livro
recomendado é uma seleta mostra capaz de oferecer ao leitor um acesso a esse
mundo diversamente rico do escritor português. Os que têm interesse de
compreender alguns dos temas mais recorrentes na sua literatura farão bem
mergulhar nesse manancial porque figuram aqui todas as obsessões que darão
forma à sua prosa romanesca.
VÍDEOS,
VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. O tópico
é José Saramago nas seções desta edição do Boletim, mas abrimos uma janela para
outro português: o poeta e tradutor Daniel Jonas. Este ano, uma amostra da sua
obra foi apresentada aos leitores brasileiros através de uma antologia
preparada por Mariano Marovatto para a Editora Todavia. Os fantasmas
inquilinos já foi, inclusive recomendação nas nossas dicas de leitura e
dele, a edição 17 da revista 7faces publicou alguns poemas. Esta semana saiu um vídeo do Literatamy com entrevista a Daniel. Vale ver e passar adiante.
2. Um dos
vídeos disponíveis em nossa galeria no Facebook é a dramatização da crônica “Carta
para Josefa, minha avó”; este texto não está em A bagagem do viajante e
sim em Deste mundo e do outro. Foi escrito em 1968 e publicado no jornal
A Capital, de Lisboa. O vídeo está aqui. Mas, na página da Fundação José Saramago é possível ter acesso ao fac-símile do jornal e a transcrição do texto.
3. José Saramago também foi um exímio poeta. A já referida revista 7faces uma vez organizou um dossiê exclusivo com textos de importantes estudiosos sobre essa parte de sua obra. No blog deste periódico é possível ler alguns dos seus poemas.
BAÚ DE
LETRAS
1. Nós
chamamos a José Saramago de patrono do Letras in.verso e re.verso não de forma
gratuita. O escritor é o nome mais citado nas publicações aqui veiculadas; é o
único escritor sobre o qual já comentamos sobre toda sua obra. As comprovações
podem ser obtidas a partir daqui. Bom, foi a partir daqui que nasceu o projeto “Um caderno para Saramago”, há um tempo parado, mas um lugar-manancial para saber
um pouco mais sobre o escritor e sua obra.
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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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