Boletim Letras 360º #339
Não tardará chegar nossa próxima promoção; os leitores que acompanham o blog no Instagram já estão avisados que em breve sairá um sorteio nessa rede social. E será com um clássico de Virginia Woolf. Bom, quem passar por aqui e dedicar alguma atenção a este Boletim, também está avisado. No mais, vejam a seguir as notícias que passaram pela semana em nossa página no Facebook e, dessa vez, o BO Letras 360º está completo, com dicas de leitura, vídeos, versos e outras prosas e baú de letras. Boas leituras!
A Companhia das Letras reedita clássico que deu a conhecer a literatura de Toni Morrison. |
Segunda-feira,
2 de setembro
A Companhia
das Letras apresenta nova edição de O olho mais azul, de Toni Morrison.
Romance de
estreia da autora estadunidense, O olho mais azul narra a história de Pecola
Breedlove, menina negra que sonha ter olhos azuis numa época em que o modelo de
beleza é o da atriz branca Shirley Temple. A trajetória de Pecola culmina na
devastação: aos doze anos, ela engravida, é forçada a deixar a escola e
mergulha na loucura. A tradução de Manoel Paulo Ferreira volta às livrarias
brasileiras ainda este mês. Assim como “Deus ajude essa criança” e “Amada”, a
nova edição tem capa com arte de Kara Walker.
A editora Dublinense publica dois livros de Bahiyyih Nakhjavani
1. Nós
& Eles apresenta as fragmentações da diáspora
iraniana
Quando Lili
e Goli têm que lidar com sua mãe, Bibi, os problemas de sua família começam a
vir à tona. Segredos, verdades inoportunas e mentiras de ocasião se sobrepõem à
medida que a história avança, deixando a trama instigante e revelando nuances
das personagens, que nunca são aquilo que conhecemos primeiro. Neste romance, Bahiyyih Nakhjavani apresenta as fragmentações da diáspora
iraniana em três gerações de uma família e todas as suas conexões de afetos e
desafetos espalhadas pelo mundo. Os conflitos sobre quem deve cuidar da mãe
obrigam as irmãs Lili e Goli a lidar com as obscuras finanças da família no
presente, relações com o passado, uma meia-irmã deslocada e, sobretudo, com o
desaparecimento de seu irmão mais novo, o qual Bibi vive a esperar. Narrado na
primeira pessoa do plural, esse “nós” que tenta a todo o momento se distanciar
de um “eles”, por fim nos mostra que o verdadeiro exílio é ser indiferente ao
outro. A tradução de Natalia Borges Polesso sai pela Editora Dublinense.
2. E O
alforje
Ao contrário
do que se diz, o deserto é um território fértil. Ao menos para Bahiyyih
Nakhjavani, que, a partir de uma trama complexa, faz convergir nas areias
árabes um grupo de personagens que têm suas trajetórias costuradas por um
misterioso alforje. Uma noiva que viaja para encontrar o futuro marido, um
padre em peregrinação, um beduíno de alma livre e uma escrava falacha são
alguns dos retratos que a autora pinta com maestria e profundidade. Ainda que
tenham origens, crenças e desejos muito diferentes, todos os viajantes terão a
vida transformada pelas escrituras sagradas. A tradução é de Rubens Figueiredo.
Terça-feira,
3 de setembro
Livro
apresenta ao leitor brasileiro a literatura do escritor moçambicano João Paulo
Borges Coelho
Enquanto lá
fora o mundo colonial português agonizava com suas próprias contradições e as
cores da independência de Moçambique tingiam aos poucos os lugares, no
apartamento da Beira os universos de duas velhas senhoras, as patroas Sá
Caetana e Sá Amélia, e do jovem empregado doméstico, Vicente, se veem abalados
quando este último se mascara de Dr. Valdez. O inusitado regresso deste
fantasma do passado transforma os destinos das três personagens, anunciando
ainda algo mais amplo. A combinação entre tempos e a reflexão sobre a dimensão
universal da experiência local e individual são, aliás, alguns dos traços
característicos da pluma de João Paulo Borges Coelho, premiado escritor
moçambicano que, com As visitas do Dr. Valdez, publicado pela Kapulana,
se dá a conhecer ao leitor brasileiro.
As fábulas
de Luigi Pirandello
As páginas
de Luigi Pirandello são povoadas de numerosos animais, às vezes até mesmo como
protagonistas “falantes”. Nesta pequena coletânea, Vitória das formigas e
outros contos de animais, organizada por Francisco Degani, temos, entre
outros, dois galos briguentos, dois cavalos que discutem a vaidade humana, uma
raposa e um coelho bastante críticos, assim como formigas, que podem ou não
estar envolvidas na ruína do protagonista. Na obra de Pirandello, o animal
tem um papel importante como contraponto e companheiro do humano, revelando
suas forças e fraquezas, suas alegrias e sofrimentos, suas derrotas e vitórias.
Ver o animal sob a ótica do autor é, muitas vezes, descobrir uma nova dimensão
para a natureza humana. O que seria do homem sem os animais? Desde sempre eles
acompanharam a trajetória do ser humano. Precedendo seu surgimento, os animais
sempre participaram do cotidiano do homem, estimularam sua imaginação,
ajudaram-no no trabalho, fizeram-lhe companhia e garantiram sua sobrevivência.
A identidade humana está ligada, em grande parte, aos animais. Eles são
cúmplices de nossa existência, transmitindo-nos sua experiência e seu afeto. É
por intermédio deles, selvagens ou domésticos, que somos capazes de interagir
com a natureza que nos cerca e da qual muitas vezes esquecemos que fazemos parte.
Luigi Pirandello foi um dos primeiros autores a incluir animais como
personagens de seus contos e, em certa maneira, de seus romances. Para ele, o
animal é um personagem comparável ao personagem humano, na medida em que a
convivência faz com que tenhamos que dividir o mesmo espaço, as mesmas
necessidades e (por que não?) os mesmos sentimentos. Os contos aqui
apresentados buscam fazer um pequeno panorama dos animais na obra de
Pirandello, animais esses que se assemelham e espelham o humano. Degani também
é o tradutor dos textos agora reunidos e publicados pela Nova Alexandria
Editora.
Outras duas
novelas de Junichiro Tanizaki ganham edição pela Editora
Estação Liberdade
“A
ponte flutuante dos sonhos”, publicado em 1959, tem seu título emprestado
de um capítulo do Genji Monogatari, obra do século XI, escrita pela
dama Murasaki Shikibu e considerada o primeiro romance da história da
literatura. Tanizaki, que tinha grande afinidade com os textos clássicos,
revisita no conto alguns temas do Genji Monogatari, como o erotismo, a relação
ambígua de um jovem com a esposa do pai, e a simbologia clássica dos
elementos da natureza, inspirada pela tradição budista. O narrador Tadasu
compartilha com o leitor a história de sua infância e de suas duas mães, que se
misturam em sua memória. A confusão psicológica e a vergonha do narrador se
contrapõem à limpidez do estilo de Tanizaki. O autor explora as nuances daquilo
que não é dito e nos joga no centro do peculiar arranjo familiar estabelecido
pelo pai de Tadasu, que tenta recriar, na segunda esposa, a mãe que o filho
perdeu. O segundo conto, “Retrato de Shunkin”, de 1933, apresenta uma
das mais marcantes personagens de Tanizaki: Shunkin, prodígio artístico, cega,
cujo virtuosismo e beleza despertam todos os tipos de paixões. A relação entre
Shunkin e Sasuke, seu ajudante e amante, é a matéria da história. A convivência
de mestra e discípulo, o desenvolvimento dos dois, o temperamento cruel de
Shunkin, a fervorosa servidão voluntária de Sasuke, as tragédias que marcam
suas vidas, tudo é apresentado deixando entrever uma “história secreta”,
desconhecida até do próprio narrador. A obra gerou entusiasmo da crítica e de
autores como Yasunari Kawabata, que a chamou de “obra-prima”. A forma como
Tanizaki trata a memória, o erotismo e a devoção é o que conecta os dois
contos, demonstrando sua maestria narrativa e aproximando-o, tematicamente, de
Bataille e Sade em suas especulações sobre o potencial destrutivo do amor e da
sexualidade.
Quarta-feira,
4 de setembro
Nova edição
de Caetés, de Graciliano Ramos
Desde a
reedição de Vidas secas, a Editora
Record tem trabalhado numa nova coleção com as obras do escritor.
Agora é a vez de Caetés. A história desse romance se passa em
Palmeira dos Índios, cidade em que Graciliano viveu. Narrado em primeira
pessoa, conhecemos a trajetória de João Valério, um jovem guarda-livros
introvertido e sonhador que se envolve com a esposa de seu chefe e amigo Adrião
Teixeira. Existe ainda em João, o desejo de se casar com Luísa Teixeira e
poder assim, ascender socialmente. Porém, o livro vai muito além do que uma
história de amor e seus desdobramentos. O protagonista da obra aspira ser
reconhecido como autor, e luta contra o bloqueio criativo que enfrenta em sua tentativa
de escrever um romance histórico sobre os índios caetés. Após um acontecimento
inesperado e uma reviravolta no curso da história, o jovem ascende à posição de
sócio da empresa em que trabalha. Sentindo-se culpado, mas incapaz de resistir
ao poder, como em um ciclo, João Valério segue em seus devaneios românticos.
Escândalo,
o terceiro livro de Shusaku Endo que chega ao Brasil
O romance se passa em Tóquio durante a década de 1980. Nesse romance de Shusaku Endo, a
história de um velho escritor católico lutando contra a velhice e a sensação de
que ele ainda não conseguiu escrever sua obra-prima. Um dia, conhece uma jovem
mulher que aparece em uma festa. Ela menciona em voz alta que o escritor já não
visita com a mesma frequência a rua (de má reputação) onde ela trabalha como
artista. Por sua reputação como escritor cristão, com altos padrões morais, a
ida de alguém como ele a lugares assim é vista por seus editores (e por ele
próprio) como algo inapropriado e vergonhoso. Ainda que de forma relutante, o
escritor decide visitar o estúdio da mulher da festa, a fim de tirar a história
a limpo. Ele acaba descobrindo um mundo completamente diferente, incluindo
práticas de masoquismo e várias formas mais ou menos estranhas de prostituição.
No entanto, o estranho é que as pessoas nesse mundo parecem conhecê-lo. O
escritor, então, passa a desconfiar que um impostor está se passando por ele,
tentando destruir sua reputação. Começa, então, a caçar esse homem... e a
verdade. A edição é do selo Tusquets da Planeta Brasil.
Neste
pequeno manual, cartas e apontamentos do escritor russo Anton Tchékhov
tornam-se conselhos e sugestões para quem quer se aventurar a escrever pela
primeira vez ou já tem prática no ofício.
“A vida
marcha rumo ao cárcere”, diz ele; “a literatura deve ensinar como escapar, ou
prometer a liberdade...”. Para isso, é fundamental refletir sobre questões como
as abordadas neste guia: por que e para quem escrever, como, quando e quanto
escrever; como lidar com elementos como veracidade, descrições, personagens e
sentimentos. Mas, para além de suas orientações de escrita, há conselhos de
vida. O caráter de Tchékhov e sua visão de mundo saltam das linhas e
entrelinhas: “Verdade e honestidade constituem a base da boa escrita, porque
antes de mais nada constituem a base do comportamento individual e da ação
política”. A tradução de Homero Freitas de Andrade para Sem trama e sem
final. 99 conselhos de escrita, de Anton Tchékhov ganha reedição pela
editora Martins Fontes.
Quinta-feira,
5 de setembro
A
morte e o meteoro é o novo romance de Joca Reiners Terron e é publicado
em outubro pela editora Todavia
Restam
apenas cinquenta índios kaajapukugi no mundo. Com o fim da Amazônia, a tribo
perdeu sua terra e sua subsistência, e agora caminha cega rumo ao
desaparecimento. Cabe ao enigmático Boaventura, misto de indigenista e
aventureiro, conduzir os últimos kaajapukugi, na condição de refugiados
políticos, a um santuário no México. Mas Boaventura morre subitamente, e o
funcionário responsável por concluir o plano se verá em meio a uma conspiração
macabra e a um mistério cujos tentáculos se expandem para o passado e o futuro.
O
sorriso etrusco, um dos romances mais importantes da literatura de José
Luis Sampedro ganha reedição
Um velho
camponês da Calábria chega à casa de seus filhos em Milão para submeter-se a
uma nova revisão médica. Ali descobre seu último amor, uma criatura a quem
dedicar toda a sua ternura; o neto, que se chama Bruno, como ele mesmo era
chamado por seus camaradas partisanos. Ali ele vai viver também sua última
paixão: o amor de uma mulher, um amor que cobre com sua luz os últimos momentos
de uma vida que, em seu final, ainda pode sentir toda sua plenitude. Esta
história se torna, pelas mãos de José Luis Sampedro, um dos textos mais bonitos
que a literatura moderna nos tinha proporcionado sobre o eterno tema do amor.
Com a verdade que oferece um conhecimento profundo e verdadeiro da alma humana,
O sorriso etrusco é, como todos os romances de Sampedro, um livro
inesquecível. As quarenta edições que a obra teve na Espanha em pouco mais de
dez anos atestaram o entusiasmo dos leitores por um autor que sabe, com ternura
e sutileza, tocar os sentimentos mais nobres e humanos. A tradução de Monica
Stahel volta às livrarias pela Martins Fontes.
A coleção A arte da novela, da editora Grua, apresenta três novos títulos, três duelos
1. O
duelo, de Heinrich von Kleist
Em fins do
século XIV, o duque Wilhelm von Breysach é assassinado em uma emboscada. Antes
de morrer, reconhece o filho como herdeiro do título, em detrimento do irmão, o
conde Jacob Barba-Ruiva. Acusado do assassinato, o conde se defende dizendo
que, na noite do crime, ele estava com Wittib Littegarde von Auerstein que,
mesmo negando o encontro é expulsa do castelo da família. Ela pede abrigo ao
nobre Friedrich von Trotta, a quem estima. Pela honra de sua amada Littegarde,
Friedrich desafia o conde Jacob para um duelo de morte. O resultado exprimirá a
verdade e a vontade de Deus. Honra, busca pela justiça, trapaça e cobiça,
cavaleiros em armaduras pesadas empunhando espadas são alguns dos elementos que
se entrelaçam nesta fábula. Uma das poucas novelas escritas pelo mestre da
dramaturgia, O duelo foi considerada por Thomas Mann como uma das
grandes obras da literatura alemã. Uma mulher virtuosa difamada por um nobre
foi um tema que fascinou Heinrich von Kleist: as pessoas, por vezes, parecem
ser punidas por sua inocência. Esta edição contém, ao final, um texto de Otto
Maria Carpeaux sobre Heinrich Von Kleist. A tradução é de Samuel Titan Jr.
2. O
duelo, de Giacomo Casanova
Fugindo da
justiça, o veneziano deixa sua cidade natal e aventura-se pela Europa,
amealhando e perdendo fortunas, e sendo bem recebido por reis e rainhas. Em
Varsóvia, por um motivo tolo, sente-se ofendido pelo nobre Xaverio Braniscki,
um homem próximo ao rei e que “tinha aprendido a derramar o sangue dos inimigos
sem os odiar, a vingar-se sem ira, a matar sem descortesia, a preferir a honra,
que é um bem imaginário, à vida, que é o único bem real do homem”. Desafia-o
para um duelo. Com extrema cordialidade, combinam os detalhes e se batem. Nesta
novela ambientada no século XVIII, com fortes elementos autobiográficos, os
costumes e frivolidades das realezas, e das pessoas que as cercam, são
descritos por Casanova com ironia refinada. Tem-se aqui um retrato das cortes
europeias, com seus códigos de honra, suas pequenas veleidades e a arte de
agradar aos monarcas como habilidade essencial. Um dos poucos trabalhos
escritos em italiano por Casanova, que escreveu em francês suas memórias,
O duelo é um exemplo vívido do talento literário do maior sedutor
de todos os tempos. A tradução é de Dênnys Vinícius Menezes.
3. E O
duelo, de Joseph Conrad
O tenente
D’Hubert recebe do seu superior a incumbência de dar voz de prisão ao tenente
Feraud, que havia ferido um civil de uma família influente naquela manhã de
1801. Sentindo-se ofendido, Feraud desafia D’Hubert para um duelo. E o duelo
daquele dia em 1801 é o primeiro de uma série duelos entre os dois oficiais,
que ocorrem nos dezesseis anos seguintes, tendo como fundo as Guerras
Napoleônicas, nas quais, por vezes, combatem lado a lado. Sem que ninguém saiba
a razão da questão de honra, o duelo prolongado assume uma aura mítica no
Exército francês. São homens bastante dessemelhantes cujas vidas se tornam
interdependentes. D´Hubert é alto, magro, elegante nas maneiras, de origem
social elevada. Feraud é baixo, forte, um homem de origem humilde e rude no
tratar. E se acontece de D’Hubert se esquecer do seu antagonista, em momentos
de cansaço ou de leveza pós-guerra, a imagem de D’ Hubert assombra Feraud a
todo momento deixando-o em fúria. Nesta pequena obra-prima, inspirada em uma
notícia de jornal, Joseph Conrad constrói uma narrativa que vasculha os
sentimentos mais genuínos de dois soldados – que podem levar à desesperança e à
esperança –, e encontra um poderoso senso de humanidade. A tradução é de
Eduardo Marks de Marques.
Sexta-feira,
6 de setembro
Crocodilo,
o novo romance de Javier A. Contreras chega às livrarias brasileiras em outubro
Ao contar a
história dos sete dias que se seguem à morte de Pedro, o autor embarca em uma
narrativa única, que aborda temas como a relação pai-filho, o caos do mundo
moderno e as expectativas que nutrimos e frustramos no decorrer da vida. Com
uma linguagem moderna e de ritmo fluido, os sentimentos de Ruy, pai de Pedro,
são trazidos à superfície em um misto de raiva e desolação. Ao perder o único
filho, Ruy reavalia não só sua relação com a paternidade, mas com todo o mundo
a sua volta. Uma narrativa singela e emotiva sobre a construção da família, da
relação pai-filho e das mudanças que o amadurecimento traz para a vida de todos
nós.
Nova edição
recupera conferência e desenhos de Cecília Meireles com tema da cultura
afro-brasileira
Em 1933,
Cecília Meireles organizou uma exposição com seus desenhos, e, no ano seguinte,
uma conferência chamada “Batuque, samba e macumba”. O resultado desta
conferência/exposição constitui este livro, em que ela procura decifrar a magia
e os mistérios da cultura afro-brasileira, num esforço, ainda que ingênuo, de
integrar o negro à nossa sociedade. A edição é da Global Editora.
DICAS DE
LEITURA
Nossas
recomendações de leitura desta semana, entregam três títulos publicados
recentemente no Brasil, três romances que ainda podem muito bem figurar entre suas
principais leituras de 2019.
1. Hoje
estarás comigo no paraíso, de Bruno Vieira Amaral. Quatro anos da
publicação desse romance, o escritor português havia recebido o Prêmio José
Saramago. Curiosamente não é o livro com o qual foi galardoado que faz sua
estreia entre os leitores brasileiros. Neste romance o escritor desenha uma
investigação do assassinato do primo João Jorge – morto no bairro em que ambos
viviam no início dos anos 1980 – e usa essa investigação como estratégia de
recuperação e construção da sua própria memória: a infância, a família, o
bairro e as suas personagens, Angola antes da Independência e nos anos que se
lhe seguiram, e a figura (ausente) do pai. Na reconstituição da personalidade e
do percurso da vítima, da noite em que tudo aconteceu, na apropriação que o
narrador faz de uma ligação com João Jorge (mais ou menos forjada pelos mecanismo
da memória) – e de que faz parte essa busca mais ampla das dobras do tempo e do
esquecimento – são utilizados os mais diversos materiais: arquivos da imprensa
da época, arquivos judiciais, testemunhos de amigos e familiares, e a
literatura, propriamente dita – como uma possibilidade de verdade, sempre. Um
verdadeiro elogio ao poder da linguagem, este livro ultrapassa a investigação
factual ao trazer à tona um narrador observador e inquieto, sempre desconfiado
das artimanhas da memória. O livro foi o segundo colocado no Prêmio Oceanos
2018.
2. Chapadão do Bugre, e Marco Palmério. Há
algo que é preciso reconhecer no catálogo de literatura brasileira da Autêntica
Editora: o excepcional trabalho de reapresentação de importantes escritores e
obras que passavam desconhecidos pelas últimas gerações. A obra de Marco
Palmério é uma delas. O livro aqui recomendado é lido como uma obra-prima do
regionalismo; inspirado na chacina política, ocorrida no início do século XIX,
numa pequena cidade do interior de Minas Gerais, descreve uma paisagem marcada
pela violência de disputas, vinganças e paixões. Trata-se de um clássico
testemunho da vasta experiência que o autor acumulou em suas andanças pelo
Brasil afora, quando conviveu com coronéis e jagunços, tão vivamente retratados
em suas narrativas. Publicado em 1965, o romance, sempre aclamado pela crítica
– “uma força estranha e impiedosa” – é reconhecido como um dos grandes momentos
da literatura brasileira de todos os tempos. Nos anos 1980, a obra serviu de
base para uma minissérie de mesmo título escrita por Antônio Carlos Fontoura e
dirigida por Walter Avancini e Jardel Mello.
3. Serotonina,
de Michel Houellebecq. Em breve o leitor do Letras encontrará aqui no blog
texto sobre o romance mais recente do escritor francês. Mas, este é um romance
que não merece ficar para ontem. A conturbada e já perdida existência de
Florent-Claude Labrouste é uma metonímia ousada sobre o fim intermitente da
nossa civilização. Viciado em Captorix, um remédio que lhe propicia uma
sensação de bem-estar e ao mesmo tempo inibe o desejo sexual, essa personagem abandona
a vida comum para iniciar um périplo no qual constata, passo a passo, não
apenas seu próprio declínio como o da raça humana. Observador atento de si e do
seu entorno, não resta no olhar desse sujeito qualquer indício de salvação próxima
para a humanidade. Houellebecq continua assim a revelar a verdade sobre a qual
não queremos enxergar e que continuamente temos adiada convocando sempre novos
subterfúgios táteis.
VÍDEOS VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. De alguns prodígios que a web pode oferecer é o contato com os escritores. Buscando coisas sobre Michel Houellebecq no Youtube, encontramos essa entrevista com o escritor francês realizada pelo jornalista brasileiro Juremir Machado, há uma década.
BAÚ DE LETRAS
1. Aproveitando que a Companhia das Letras reedita O olho mais azul, deixamos a recomendação do romance de Toni Morrison que se situa entre os últimos títulos da escritora estadunidense, Voltar para casa. Quando da publicação no Brasil, escrevemos algumas notas sobre o livro. Leia aqui.
2. E, a chegada de novos textos curtos de Junichiro Tanizaki, leva-nos a lembrar que escrevemos sobre duas novelas suas, também editadas não tão longe pela editora Estação Liberdade: “A gata, um homem e duas mulheres” seguido de “O cortador de juncos”. O texto pode ser encontrado aqui.
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