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Mostrando postagens de setembro, 2019

Witold Gombrowicz e a arte de morder a realidade

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Por Mary Carmen Sánchez Ambriz Em seu Diário , Witold Gombrowicz apresentou uma síntese de seu plano de trabalho para Cosmos , seu último romance, publicado em 1967. Aí, ele deixa claro que é um “romance sobre a formação da realidade”, e enfatiza: “Será um tipo de romance policial”. É importante destacar essa comparação porque o romance tem sido definido como uma história policial  –   possivelmente por fins comerciais  – quando, na realidade, é um pouco mais complexo. Ele continua: “Ritmos furiosos, abruptamente acelerados, de uma Realidade desencadeada. E isso explode. Catástrofe. Vergonha. A realidade que de repente transborda devido a um acontecimento excessivo. Criação de tentáculos laterais… de cavidades escuras… de rupturas cada vez mais dolorosas”. Mas dizer que o último romance que Gombrowicz escreveu é um romance policial é limitar-nos a uma visão fragmentada da trama e não procurar mais considerar outras possibilidades. Como é esse Cosmos que ele descreve e por

Boletim Letras 360º #342

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Nesta semana, depois de superar uma instabilidade nas redes sociais, conseguimos realizar o sorteio de O quarto de Jacob  (Virginia Woolf / Editora Autêntica) e os leitores que acompanham o blog aí têm agora a tripla chance de ganhar um exemplar de Melancolia , livro do poeta Carlos Cardoso publicado pela Editora Record em 2019. Sim, temos novo sorteio. Um exemplar vai para um leitor do Letras no Facebook, outro no Instagram e um no Twitter. Por isso, ao terminar de ler este boletim, não deixe de se inscrever. O livro está incrível – poesia de alto nível: garantimos. O sorteio acontece na próxima sexta-feira, 4 de outubro. Portanto, corra! Clássico de Nelson Rodrigues ganha reedição. Segunda-feira, 23 de setembro Reedição de Vestido de noiva , de Nelson Rodrigues Enquanto se recupera no hospital após ter sido atropelada, Alaíde é assombrada por lembranças de seu passado conturbado com Lúcia, a irmã de quem roubou o namorado, e pelas memórias lidas no diário de um

Escritoras na contracorrente

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Por Maria Ángeles Cabré Se o mundo é formado quase igualmente por homens e mulheres, parece conveniente perguntar por que nas livrarias elas não aparecem na mesma proporção, muito menos na história da literatura, onde as escritoras quase sempre aparecem em notas de rodapé, simples apêndices de algumas leituras compostas em chave exclusivamente masculina. Não há uma resposta única para essa questão. O que teria acontecido com todas aquelas mulheres do passado que não se tornaram escritoras e que, por outro lado, contavam histórias quentes de amor ou enovelavam noites após noites com contos? É verdade que, os famosos contos de Perrault não são o resultado exclusivo de sua imaginação, mas histórias populares coletadas pelos autores nas estradas do interior da França. E se, como disse Virginia Woolf, o anônimo fosse uma mulher? É provável que muitos dos seus criadores fossem mulheres. Mas nunca saberemos; do mesmo modo que nunca saberemos quem pintou as pinturas não assinadas

Melancolia, de Carlos Cardoso

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Por Pedro Fernandes Quem tiver lido a poesia de Carlos Cardoso – Na pureza do sacrilégio , é um bom exemplo – não deixará de encontrar na delicadeza do seu verso uma voz tranquila capaz de deixar expressar textualmente certo olhar taciturno sobre as coisas e o mundo. Alguém poderá se apressar em dizer que essa é uma condição natural de todo poeta. Mas, não se pode transformar uma recorrência numa universal. Isto é, há múltiplas possibilidades de ver e cada eu-poético recorrerá àquela mais natural capaz de intuir uma totalidade do seu mundo poético; reflexivo, irônico, revoltado, radical, político, saudosista, entusiasta, erótico, trivial, enfim, as variantes são inumeráveis. Um desses modos de ver decorre de “um descompasso entre o tempo em que deveria realizar-se uma certa experiência e seu efetivo cumprimento”, o que, Luiz Costa Lima, o autor dos termos antes apresentados em destaque num estudo com mesmo título do livro de Carlos Cardoso distingue de maneira

Sergio Leone – entre a fábula e a história

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Por Davi Lopes Villaça frame de O Bom, o Mau e o Feio  (1966) Ao analisar o filme Shane , num texto para este mesmo blog, observei um fato bem conhecido a respeito dos clássicos faroestes americanos: neles, Bem e Mal constituem muitas vezes categorias históricas. Vilões são aqueles que atrapalham a chegada do progresso; heróis, os que lhe permitem seguir seu curso “natural”. É grande a diferença com relação ao universo retratado pelo italiano Sergio Leone em seu faroeste spaghetti. Herdeiros do cinema americano, do qual foram tanto a homenagem quanto a sátira, seus filmes diferem-se dele, entre outras coisas, por uma abordagem bastante diferente da história. A ação de O Bom, o Mau e o Feio (1966) se passa no contexto da Guerra Civil Americana (1861-1865). Não é necessária uma percepção maniqueísta do conflito para simpatizar com o lado vitorioso, com o Norte progressista, em oposição ao Sul escravocrata. Mas Leone não só não fez desta uma história de mocinho

Feridas que são espinhos

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Por Rebeca García Nieto Se Milena Jesenská foi a navalha sobre a qual Kafka, em alma, se lançou, para o poeta Georg Trakl, esse papel foi desempenhado por sua irmã. Como Kafka e Milena, Georg e Grete se amaram por correspondência; mas ao contrário deles, as palavras não foram suficientes. Segundo se diz, seus primeiros contatos físicos foram tão intensos que nenhum relacionamento subsequente com outras pessoas conseguiu estar à altura. Boa parte de Blesse, ronce noire – um magnífico romance de Claude Louis-Combet que recria a relação incestuosa dos dois irmãos – está centrado precisamente nas cartas que trocaram por anos e que desapareceram misteriosamente depois da morte do poeta. O livro não possui nenhuma pretensão biográfica e o autor se permitiu algumas licenças. Por outro lado, não se sabe ao certo qual foi a verdadeira extensão do relacionamento entre Georg e Grete. Os depoimentos daqueles mais próximos a eles são contraditórios¹ e, embora alguns especialista

As heroínas de Jane Austen

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Por Virginia Higa Vamos propor um desafio de leitura: encontrar uma cena em algum romance de Jane Austen em que dois ou mais homens conversem sem uma mulher assistindo aos eventos. Será difícil, até impossível, porque nos romances desta escritora inglês, sobre a qual tudo já foi dito, só parece existir uma história se uma personagem feminina estiver como testemunha do que acontece. Essas personagens assumem formas diferentes, são as famosas heroínas austenianas e também suas amigas, irmãs, parentas, conhecidas e rivais. O papel dessas mulheres é duplo no mundo da ficção; não são apenas personagens, mas emprestam olhos e ouvidos a uma autora que escreveu apenas sobre o que conhecia verdadeiramente. Jane Austen nasceu em 1775 e viveu um período de transição entre duas formas do romance. Os seus parecem mais com sátiras sociais e comédias de costumes do século XVIII diferente dos romances do romantismo e do século seguinte. Tudo foi dito sobre ela, é verdade, mas não é