Sete escritoras italianas além de Elena Ferrante que você precisa conhecer

Natalia Ginzburg e Elsa Morante. As duas escritoras estão, depois de Elena Ferrante, entre as da literatura italiana que melhor circulam no Brasil. 


Desde a publicação do longo romance dividido em quatro tomos que conta a história de duas amigas, da infância à maturidade, passando por momentos singulares em comum e à distância, revisitando instantes conturbados da história italiana e das transformações de Nápoles, a obra de Elena Ferrante nunca mais foi a mesma: deixou o sucesso no seu país natal para se tornar Best-Seller que agrega leitores de todos os tipos e camadas. A chamada febre Ferrante serviu para que no Brasil se traduzisse e se publicasse em tempo recorde toda sua obra, incluindo as incursões da escritora pelo universo infantil. Como se isso não fosse suficiente, abriu os sentidos para um campo entre nós vasto, mas pouco percorrido, o da ficção publicada contemporaneamente na Itália e, na onda dos novos feminismos, o reencontro com obras de escritora desse país um pouco esquecidas, algumas, aliás, referidas pela própria autora da tetralogia napolitana. 

O rápido interesse pela reedição da obra de Natalia Ginzburg tão logo a editora que publicava grande parte de sua obra por aqui veio à falência, uma nova tradução para o grande romance de Grazia Deledda (Juncos ao vento, pela Carambaia) mais o título A cidade do vento (pela Moinhos), outra tradução de um dos romances preteridos da própria Elena Ferrante, A ilha de Arturo, de Elsa Morante (Carambaia), são alguns dos exemplos mais imediatos que podemos indicar como produto do fenômeno literário da chamada tetralogia napolitana. E enquanto acompanhamos esse momento singular para as escritoras italianas, viemos deixar alguns dos seus nomes mais interessantes e, logo, possíveis de incorporá-los à nossa lista de interesses de leitura. A ideia é abrir nossos horizontes para novos e ricos universos forjados pela criatividade da literatura que tanto legado nos deixou para as criações literárias ocidentais. Sobre cada uma destacamos alguns títulos que estão de alguma maneira disponíveis aos leitores no Brasil. 

Grazia Deledda (1871-1936). A escritora nascida na Sardenha, lugar que universalizou através de sua literatura atenta às crises existenciais e às fragilidades humanas, foi a segunda mulher a receber o Prêmio Nobel de Literatura. Desde sua estreia nas letras em 1890, publicou uma obra gigantesca, entre a poesia e a prosa, de enorme expressão. Desse rico universo criativo, sempre se destacou pelo romance Juncos ao vento, em que a autora conta a história das irmãs Pintor, mergulhadas numa ruína personificada na figura de seu leal serviçal, remanescente de um período mais abastado, Efix. Foi com este livro, aliás, primeiramente traduzido como Caniços ao vento, que sua obra chegou ao Brasil. Outro título publicado por aqui é Cosima. Descrito como um romance autobiográfico, este apareceu postumamente e nele Grazia Deledda descreve a infância e a juventude de uma aspirante a escritora; marcada pelo neorrealismo recorrente na sua estética, a narrativa evoca, numa escrita segura e seca, como os campos de sua Sardenha natal, cenas domésticas de uma sociedade arcaica. São fragmentos de um modo ao qual já não pertence, mas que moldou seu caráter, sua personalidade. Por isso, o tom muitas vezes elegíaco, o olhar cúmplice que deita sobre as personagens: na verdade, gente de carne e osso, pois até seus nomes são verdadeiros, assim como as situações que descreve. O pai, a mãe, os irmãos Enza, Andréa, Santus, Beppa, e ela mesma, Cosima, cada um à sua maneira capturado pela tragédia de existir. 

Gianna Manzini (1896-1974). A obra da escritora italiana é, por aqui, quase totalmente desconhecida. Se considerarmos seu trabalho prolífico não será exagero dizer que é uma total desconhecida, ainda que figure, com sua obra Ritratto in piedi como uma das mais importantes ficcionistas em seu país. Nesse romance, ela oferece um retrato semiautobiográfico de seu pai, o anarquista Giuseppe Manzini, que banido por suas atividades políticas precisou ser exilado na pequena cidade de Cutigliano, a 25 Km de Pistoia, onde morreria quatro anos depois de um ataque cardíaco pela perseguição sofrida por um grupo de fascistas. Por aqui, o único título da escritora que ganhou alguma circulação não foi publicado no Brasil; trata-se de O gavião, uma tradução portuguesa dos anos 1950. O livro integrou uma sequência de clássicos “Os livros das três abelhas”; coordenada por José Cardoso Pires, a coleção portuguesa reunia livros no formato de bolso, pioneira para os anos de publicação.

Alba Céspedes (1911-1997). O nome da escritora carrega uma questão de identidade; ela nasceu em Roma e viveu entre essa cidade e Paris onde morreu, mas era filha de um embaixador cubano, o que lhe deu dupla cidadania. Alba, entretanto, nunca voltou à terra do pai, exceto para uma visita pelo centenário da independência cubana, outubro de 1968; e escreveu, como se sabe, toda sua obra em italiano: primeiro como jornalista para jornais como o Piccolo Epoca e La Stampa e depois como romancista. O sucesso retumbante de sua obra garantiu cedo sua presença entre os leitores brasileiros; no final da década de 1940, por exemplo, circulou por aqui Ninguém volta atrás, um livro de 1938 que chegou a ser reeditado nos anos sessenta. A partir desse momento a obra de Céspedes parece abrir um interesse entre os leitores brasileiros de então, uma vez que se publica O remorso e Caderno proibido. Com forte interesse pelas questões históricas e sobre a condição feminina, a obra de Alba Céspedes revisita situações diversas do universo da mulher e da Itália de seu tempo com o intuito de oferecer renovações para as duas partes. 

Elsa Morante (1912-1985). Diferentemente de Grazia Deledda, que pouco de sua obra tem circulação no Brasil, a obra da escritora nascida em Roma não é tão escassa. Se considerarmos uma bibliografia constituída por, entre poesia e prosa, por pouco mais de uma dezena de títulos (para se ter uma ideia a obra de Deledda deve chegar quatro vezes isso), é possível até conhecer mais de perto o seu universo criativo. Elsa esteve casada com o escritor Alberto Moravia por mais de vinte anos; os dois se separaram mas nunca se divorciaram. No Brasil, publicou-se Pró ou contra a bomba atômica, um conjunto de ensaios em que se pode visualizar com melhor clareza o trabalho criativo de alguém para quem o par ficção-crítica foi sempre levado ao extremo da fabulação. Por aqui também circulam dois de seus títulos fundamentais: A ilha de Arturo e A história. No primeiro, na ilha mediterrânica da Prócida, assistimos à formação de Arturo, que sente uma apaixonada admiração por um pai sempre ocupado em misteriosas viagens. Já adolescente, é atraído pela sua jovem madrasta, Nunziatella. A passagem de um tempo de sonhos e ilusões para a realidade será um caminho lento e difícil para o jovem. O segundo é um romance que, nos dizeres de Luciana Cabral “não pretende ignorar a história, mas enfrentá-la diretamente e, mais ainda, recontar os fatos a partir da vivência de indivíduos que representam as classes pobres e marginalizadas, como Ida”*, isto é, tem presença aqui um dos temais mais explorados pela escritora, o elemento bárbaro e primitivo da humanidade contra a bondade natural dos mais simples.

Anna Maria Ortese (1914-1998). Se Elena Ferrante se notabilizou pela leitura atenta, encantada e contundente de Nápoles, ela não está sozinha nesse feito. Antes, a autora que viveu durante muito tempo na cidade em comum com a autora da tetralogia napolitana, já havia se dedicado à exploração desse lugar pela ficção. É autora de uma vasta obra em prosa que inclui romances e contos – sua bibliografia, aliás, se compõe de produções situadas nessa última forma. No Brasil se iniciou uma edição de seus livros, mas parou em O pássaro da dor. Ambientado no final do século XVIII, em Nápoles, trata sobre a paixão de três homens pela mesma mulher, narrativa que serve para que a autora mergulhe num mundo de decadência e horror, de pequenas deformações e tormentos, de seres que não são o que parecem ser, de visões mágicas, de estranhos filhos da natureza.

Natalia Ginzburg (1916-1991). Antes de Elena Ferrante este é o nome mais conhecido entre os leitores brasileiros. Apesar de ser recorrente a fala sobre a escassez de traduções de sua obra por aqui, diante alguns dos nomes citados logo se percebe que não é uma afirmação que se sustente. Léxico familiar e A família Manzoni estão entre os títulos editados no mesmo momento da febre Ferrante e tão logo a editora que havia continuado a publicação da sua obra decretou fechamento. Além desses livros se encontra facilmente obras como As pequenas virtudes, Todas as nossas lembranças, A vida não se importa, Foi assim, O caminho que leva à cidade, Caro Michele e Família. Toda sua produção literária é sempre marcada pela memória e como esta se apresenta enredada pelas tramas da história social e política de uma coletividade.

Alda Merini (1931-2009). Até o ano quando se passa dez anos de sua morte a única possibilidade para o leitor brasileiro manter contato em língua portuguesa com a obra dessa autora que esteve por longa data na lista de preteridas ao Prêmio Nobel de Literatura é pelas traduções publicadas em Portugal. Mais conhecida pela sua poesia, gênero que escreveu desde sempre, ela também é autora de ricas obras em prosa, gênero que inicia a praticar a partir dos anos noventa, assinalando o que ficou conhecida por outra tomada de iniciativa de sue universo criativo sempre descrito como intenso, apaixonado e místico; uma de suas obsessões é a exploração da alteridade da loucura como parte da expressão criativa. Da poesia, podemos encontrar a tradução da antologia A terra santa, descrito como condensação máxima das várias metáforas sobrepostas à palavra manicômio, que é também o teatro de um mundo menor.

Ligações a esta post:

* Em “As histórias de Elsa Morante”, na revista Caju, de 20 de novembro de 2016.

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