Don DeLillo, o pós-modernista estadunidense


Por Andrés Olascoaga



A literatura chegou como um hábito tardio para o jovem estadunidense Don DeLillo. Proveniente de um bairro ítalo-americano do Bronx novaiorquino, DeLillo havia passado a maior parte de sua vida na rua, fugindo dos problemas que inundavam o lugar onde morava e buscando um trabalho com o qual pudesse pagar suas contas no futuro. Durante um desses empregos temporários, encontrou nos livros uma forma de escape de sua realidade. Começava a se tornar ali um dos escritores mais importantes para o pós-modernismo.

Apesar do ambiente onde se vivia nas regiões de classe média de Nova York depois da Grande Depressão, a infância de DeLillo, nascido como Donald Richard DeLillo a 20 de novembro de 1936, transcorreu sem maiores preocupações. Sua família, altamente católica, o acostumou a se manter na linha, cumprir todos os requisitos da escola, ir à igreja aos domingos, construir boas amizades e evitar cair em qualquer vício que pudesse toldar seu futuro.

Quase ao fim da adolescência, enquanto buscava uma fonte de renda que pudesse ajudar com os gastos escolares, DeLillo começou a trabalhar como ajudante num estacionamento da zona central de Nova York. As longas jornadas e a pouca atividade em seu trabalho o levaram a buscar formas de entretenimento. Uma foi o jazz de John Coltrane e Miles Davis emprestado aos seus ouvidos; a outra foi a literatura de figuras como James Joyce, William Faulkner e, especialmente, Ernest Hemingway, obra a qual dedicaria maior atenção. Embora suas atividades no estacionamento não fossem mais que uma ocupação de verão, o amor pela leitura ficou entre suas paixões adquiridas, incluindo-se aí o interesse pela escrita de seus próprios textos.

“Existiu para mim uma época de ouro na leitura que situo entre meus vinte e princípio dos trinta anos, mas depois o processo de escrita começou a me tomar mais tempo”, disse ao jornal The Australian em 2010. Depois de concluir seus estudos preparatórios no Cardinal Hayes, uma escola pertencente à Arquidiocese de Nova York, DeLillo ingressou na Universidade de Fordham para cursar Ciências da Comunicação. No final da graduação, começo a trabalhar como redator na agência de publicidade Ogilvy & Mather, onde esteve à frente de algumas campanhas para Sears Roebuck.

Outra vez a literatura entrou como um resgate para DeLillo durante suas ocupações. Enquanto trabalhava em seu escritório na Quinta Avenida, o comunicólogo começou a escrever os primeiros contos, e muito deles seriam publicados décadas mais tarde. Em 1960, a revista Epoch, da Universidade de Cornell, por exemplo, publicou “The River Jordan”, um conto cuja narrativa tem como protagonista um líder septuagenário que busca salvar todos os pecadores que chegam à Igreja de Cristo Crucificado na Nona Avenida.

O relativo sucesso de sua primeira publicação intrigou o jovem escritor que mais tarde terá se convencido de que era melhor escrevendo. Tanto que, em 1964, renunciou definitivamente ao seu trabalho na agência e começou a se dedicar exclusivamente à literatura e a escrever seu primeiro romance. “Não renunciei ao meu trabalho só por renunciar. Não renunciei para escrever uma ficção. Simplesmente não queria trabalhar nunca mais”, disse numa entrevista a The New York Times em 1991.

Nos próximos quatro anos, DeLillo escreveu uma série de contos e seu primeiro romance, Americana, que fazia uma espécie de autobiografia e retrato do homem corporativo na década de sessenta através da história de David Bell, um executivo de televisão transformado em cineasta. A publicação do livro, editado pela Houghton Mifflin em 1971, iniciou um período interessante na carreira do escritor que apresentaria sete textos longos na próxima década: Fim de linha (tradução livre para End Zone), de 1972; Rua Great Jones (Great Jones Street), de 1973; Estrela de Ratner (Ratner’s Star), de 1976; Jogadores (Players), de 1977; Fascinação (Running Dog), de 1978; Os nomes (The Names), de 1982; e Amazons, de 1980, publicado com o pseudônimo Cleo Birdwell.

Seu sucesso e o reconhecimento chegariam em 1985 com a publicação de Ruído branco (White Noise), uma das peças centrais do pós-modernismo estadunidense de finais do século XX. No texto, reconhecido com o Book Award for Fiction, DeLillo acompanha o dia-a-dia do professor universitário Jack Gladney e sua família, que têm uma vida tranquila até que um acidente industrial coloca em risco a pequena cidade onde vivem. Graças à sua consciente crítica ao consumismo marcada pelo american way of life, DeLillo se converteu num dos autores mais reconhecidos da cena estadunidense contemporânea.

Seu texto seguinte, Libra, uma interpretação sobre os pensamentos e ações de Lee Harvey Oswald antes de se converter no único suspeito do assassinato de John Kennedy, se tornou em Best-Seller entre os leitores de língua inglesa e impulsionou ainda mais a figura de DeLillo a sair do anonimato para ocupar o posto de uma voz imprescindível para entender a sociedade dos Estados Unidos. Mao II, o livro que sucedeu o sucesso de 1988 levou o Prêmio PEN / Faulkner em 1992 e figurou entre os finalistas do Pulitzer de Ficção no mesmo ano.

Antes do início do novo milênio, DeLillo conseguiu capturar cinquenta anos da história estadunidense em Submundo (Underworld, 1997), uma visão única sobre os medos, as obsessões, esperanças, desejos, conquistas e frustrações da sociedade estadunidense. O romance foi considerado pelo New York Times como um dos cinco melhores livros de ficção publicados no último quarto do século XX, além de se converter – a cada tempo – no trabalho mais emblemático do escritor.

A queda das Torres Gêmeas em 11 de setembro e a guerra contra o terrorismo empreendida pelo governo de George W. Bush afetou o trabalho e intenções de Don DeLillo que agora têm se voltado para questões nascidas em seu país, mas de maior ambiência e impacto para a humanidade; quer dizer sua obsessão crítica ao modelo de vida sugerido pelo capital se tornou mais ácida, como é possível observar nos romances Cosmópolis (2003), Homem em queda (Falling Man, 2007), Ponto Ômega (Point Omega, 2010) e Zero K (2016); são obras que mostram uma sociedade em ebulição afetada por todas as transformações sociais e tecnológicas que a constitui.

Reconhecido ao lado de autores como Thomas Pynchon, o autor de Vício inerente, Cormac McCarthy, de A estrada e Philip Roth, Don DeLillo conseguiu capturar com sua literatura o cidadão estadunidense comum, representando em suas palavras daquele menino que descobriu a literatura num estacionamento durante sua juventude, ao adulto que deixou seu emprego fixo para se entregar à sua paixão e ao autor que em apenas dezessete romances conseguiu levar o pós-modernismo aos leitores.

* Este texto é uma tradução de “El posmodernista americano”, disponível aqui, em Gatopardo.

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