Boletim Letras 360º #331
Abaixo, o leitor e a leitora do Letras (re)encontra as notícias copiadas durante a semana em nossa página no Facebook: dos novos livros que chegam às nossas livrarias, dos novos interesses editoriais, uma e outra curiosidade ― coisas, enfim, que estão alinhadas com nosso universo. Não sequência têm dicas de leitura, que segue o itinerário nascido do texto de abertura nesta semana no blog, sobre a escritora mexicana Elena Garro. E depois outras dicas ― de vídeos raros e de textos nossos.
Silvina Ocampo. Livrarias brasileiras recebem pela primeira vez obra da escritora argentina. |
Segunda-feira,
8 de julho
Encontrados
dois ensaios inéditos de Juan Rulfo.
Muito além
do mito sobre as três décadas de silêncio depois da publicação de Pedro
Páramo é certo que Juan Rulfo nunca deixou de escrever. Um material inédito
acaba de vir a público e serve nas negociações entre a fundação que zela pela
memória do escritor e a agência Carmen Balcells para publicação. O primeiro
arquivo está constituído por cinco páginas e meia e o outro por 38 folhas:
aquele é um ensaio que revisa a literatura brasileira do século XX e este
sobre a literatura mexicana. Nenhum dos dois textos está datado, mas os
pesquisadores da Fundação Juan Rulfo acreditam que se situem em torno de 1982,
quatro anos antes da morte do escritor. As pesquisas apontam ainda que o
primeiro texto se tornaria um prólogo para a edição de um romance de Machado de
Assis de 1982 e o segundo uma conferência em Harvard em 1981. Uma nova edição
quer reunir esses textos com mais outros quatro ensaios de Rulfo, escritos
durante os anos 1950. Será a primeira edição com inéditos desde a publicação de
Cartas a Clara, editado em 2000 e que resgata a correspondência amorosa que
manteve nos anos 1940 com sua companheira. Depois da publicação de sua
obra-prima em 1955, o escritor mexicano não voltou a publicar ficção, exceto o
conto “O galo de ouro”.
Edição
especial para um dos livros que fomentaram o debate sobre o papel da crítica
literária.
No início da
década de 1960, quase tudo estava sendo questionado, e não foi diferente com a
chamada “crítica literária”. Como acadêmico ilustre e leitor ávido, C.S. Lewis
não se furtou à discussão e, contrapondo-se à ortodoxia de seus pares, propôs
uma maneira diferente de analisar livros: a partir da experiência de quem lê, e
não de quem escreveu. O resultado dessa “crítica à crítica” está nas páginas de
Um experimento em crítica literária. Com a fluidez argumentativa que fez do
autor de As crônicas de Nárnia um comentador reverenciado até pelos
colegas de Academia, Lewis sugere que a “boa leitura” envolve uma experiência
profunda de envolvimento com a obra e as propostas de quem a escreveu. “Ao ler
bons livros, tornei-me mil homens sem deixar de ser eu mesmo”, afirma. Sua
noção de avaliação de um trabalho literário tem como pilar o compromisso do
crítico de se despir de expectativas e valores pessoais e entrar no texto com a
mente aberta. A tradução de Carlos Caldas chega às livrarias em agosto pela
Thomas Nelson Brasil.
Terça-feira,
9 de julho
Publicação
reúne todos os contos de Machado de Assis.
Além disso,
o leitor receberá algumas das mais famosas novelas do Bruxo do Cosme Velho.
Escritas ao correr da pena, boa parte dessas histórias saíram primeiro nas
folhas volantes do jornalismo e mais tarde foram selecionadas pelo próprio
Machado de Assis para compor os livros reunidos aqui em ordem cronológica de
publicação. A caixa editada pela Nova Fronteira reúne três volumes: no
primeiro, Contos fluminenses, Histórias da meia-noite e Papéis avulsos; Histórias sem data, Várias
histórias, Páginas recolhidas e Relíquias da casa
velha, são os títulos reunidos no segundo; e todas as outras narrativas
curtas, mesmo as publicadas sob pseudônimo, foram agrupadas no terceiro volume,
intitulado Contos esparsos. Ana Lucia Oliveira encarregou-se de
apresentar esse conjunto, verdadeiro “saco de espantos” que surpreende e
deleita os que esperam “da literatura algo mais do que o retrato do que já se
conhece”.
Antologia
marca estreia da obra de Silvina Ocampo no Brasil.
Os contos de
Silvina Ocampo ― monstruosos, insólitos, perturbadores, sinistros, irreais ―
são o tesouro mais bem guardado da literatura latino-americana do século XX. E
finalmente vemos chegar ao Brasil um livro que está entre os mais
surpreendentes e intensos do continente. Publicado em 1959, A fúria é considerado “o mais ocampiano” dos livros de Silvina, obra em que a autora
encontra sua voz única e inaugura seu universo alucinado. “Nos seus contos
há algo que não consigo compreender: um estranho amor por certa crueldade
inocente e oblíqua”, escreveu o amigo Jorge Luis Borges. Saídas do que Roberto
Bolaño chamou de “uma limpa cozinha literária”, suas histórias misturam
elegância e excesso, distanciamento e intensidade, calma e horror. Há a
influência macabra que a antiga dona de uma casa exerce na nova inquilina (“A
casa de açúcar”, o conto favorito de Julio Cortázar); adivinhos e premonições
(“A sibila” e “Magush”); amores loucos (“A paciente e o médico”); a festa de
aniversário de uma jovem paralítica (“As fotografias”); e uma profusão de
crianças malignas, como a que incendeia cruelmente uma amiga no conto que dá
título ao livro. Revalorizada com entusiasmo nos últimos anos, a literatura de
Silvina Ocampo é singular, complexa, envolvente e nos convida, como poucas, à
fantasia e à imaginação. A tradução de Livia Deorsola sai pela Companhia
das Letras.
Quarta-feira,
10 de julho
A grandiosa
cobertura da maior luta de boxe do século ganha nova edição no Brasil.
Esta não foi
simplesmente uma luta pela disputa do título mundial dos pesos-pesados. Esta
foi “A” luta. A grande luta, a maior luta de boxe do século. Não foi
simplesmente o enfrentamento entre duas lendas do esporte: George Foreman, o
campeão, e Muhammad Ali, o desafiante, que havia perdido o título de campeão
nos tribunais por ter se recusado a lutar na guerra do Vietnã. Era o ano de
1974. O mundo vivia uma grande polarização com a Guerra Fria e o auge da
escalada militar no Vietnã. Muhammad Ali representava a América negra, Foreman
representava a América branca, arrogante e belicosa. Seu calção trazia as cores
da bandeira norte-americana. O que se viu entrou para a história. Um verdadeiro
épico, narrado com maestria por Norman Mailer, um dos grandes escritores do
século XX e expoente do new journalism. Uma luta cujo impacto foi muito maior
do que o som abafado que deixou o mundo perplexo quando o gigante George
Foreman despencou nocauteado na lona do grande estádio lotado. A tradução de
Rodrigo Breunig sai pela L&PM Editores.
Os
bastidores de dois dos momentos-chave da Segunda Guerra Mundial: o apoio dado
pelos maiores industriais da Alemanha a Hitler e a anexação da Áustria ao Reich.
A
ordem do dia,vencedor do prêmio Goncourt 2017, é uma narrativa
histórica, gênero-aposta nos maiores mercados editoriais do mundo. É um
fenômeno de vendas na Europa, em especial na Espanha, onde foi publicado pela
Planeta/Tusquets España. Nele, narra-se de forma crua, direta e irônica, sem
rodeios ou meias-palavras, os bastidores de dois dos momentos-chave da
Segunda Guerra Mundial: o apoio dado pelos maiores industriais da Alemanha a
Hitler e a anexação da Áustria ao Reich. 20 de fevereiro de 1933. Em um dia
como outro qualquer em Berlim, os grandes líderes da indústria alemã se reúnem
com os maiores dirigentes do Partido Nazista. Na pauta, a decisão de investir
ou não na campanha de Hitler e seus companheiros pelo poder do país. 12 de
março de 1938. A anexação da Áustria ao Reich é iminente. Um dia repleto de
situações e personagens por vezes grotescos e ridículos, prestes a entrar para
a história. Nos jornais, pipocam as imagens inéditas de um grande exército
motorizado, símbolo de um poder inaudito e da modernidade de uma nova guerra.
Por trás da glória apregoada pela propaganda de Goebbels, a verdade que se
esconde nos bastidores mostra um desenrolar dos fatos muito menos gloriosos: no
lugar da força de vontade e da determinação de um povo pretensamente destinado
à grandeza, surge uma combinação de intimidação e puro blefe. Traduzido por
Sandra Stroparo, o romance de Éric Vuillard sai pelo selo Tusquets / Editorial
Planeta.
Quinta-feira,
11 de julho
Nesta
reunião de contos inéditos, Heloisa Seixas demonstra pleno domínio do gênero ao
explorar diferentes narradores, estilos e cenários, criando histórias e
desfechos que surpreendem o leitor a cada página.
Ao longo de
sua carreira, Heloisa Seixas transitou com habilidade pelos mais diversos
gêneros literários. Após publicar dois romances em sequência ― O oitavo selo e
Agora e na hora ―, a escritora carioca volta às formas breves, que marcaram sua
estreia na literatura, com este volume de contos inéditos. Em A noite dos
olhos, Heloisa explora diferentes narradores, estilos e cenários para
retratar situações ora cotidianas, ora inesperadas. Embora independentes, essas
histórias têm em comum uma prosa apurada, e se aproximam por fios invisíveis.
Entremeadas aos dezesseis textos mais longos, o livro inclui duas seções de
microcontos que transmitem toda a potência do gênero em sua forma mínima. Fruto
de pleno domínio dos artifícios da ficção, esta é uma coleção de narrativas
inquietantes, capaz de capturar o leitor do início ao fim.
Uma lenda
urbana que é também uma engrenagem da cidade, Vernon Subutex é um
espelho de todos nós, e sua narrativa é uma crítica pungente à sociedade
moderna. Retratando uma geração que se entregou à contracultura, Virginie Despentes
consegue trabalhar como poucos a linguagem das ruas e da modernidade.
Vernon
Subutex faz parte de uma espécie em vias de extinção: dono de uma loja de
vinis, aproveitou tudo o que os anos anteriores tinham a oferecer ― sexo,
drogas e rock ‘n’ roll estão no seu sangue. Mas agora, nos inóspitos anos
2000, ele precisa enfrentar um novo mundo: sua loja já não vende mais o
suficiente para que ele consiga sobreviver, a maioria dos seus amigos já morreu
e Alex Bleach ― músico de sucesso que sempre o ajudou em suas crises ― acaba de
ser vitimado por uma overdose. Sem emprego, sem casa e sem amigos, Vernon passa
a viver nas ruas de Paris. Ele já não consegue mais pagar um plano de internet,
e por isso não sabe que, graças a um comentário deixado no Facebook, todos estão
à sua procura. Com a sorte prestes a mudar, Vernon se vê enredado numa trama de
estrelas pornô, fãs enlouquecidos e magnatas da indústria fonográfica. Todos
tentam sobreviver na selva da cidade grande, enquanto mantêm um pouco de seu
coração intacto ― nem que seja através de um pouco de loucura. A tradução de
Marcela Vieira sai pela Companhia
das Letras.
Numa mescla
de passado e presente, em meio a um Rio de Janeiro mítico e uma Nova Zelândia
misteriosa, Adriana Lisboa constrói um romance brilhante sobre arrependimento e
perda.
Vanessa e
André estão eternamente ligados por uma perda irreparável na infância. Num
feriado à beira da piscina, o irmão mais novo de Vanessa, e melhor amigo de
André, sofre um choque dentro d’água e morre antes que alguém possa ajudá-lo.
Unidos pelo acidente, Vanessa e André iniciam uma relação que logo ultrapassa a
amizade. As famílias se esfacelam e transformam, mas eles permanecem juntos.
Agora, vivendo na Nova Zelândia como bióloga, Vanessa procura entender o que
aconteceu com o irmão e sua família. Procura também refazer sua história de
amor com André, cercada de culpa e de segredos. Com uma linguagem poética e
precisa, Adriana Lisboa tece uma narrativa que viaja entre passado e presente,
entre as águas da baía de Guanabara e do rio Manawatū, para falar da perda, mas
também do perdão. Todos os santos sai pela Companhia
das Letras.
Uma das
palestras mais assistidas do TED Talk chega em formato de livro. Para os
leitores de Chimamanda, e para todos os que querem entender a fonte do
preconceito.
O que
sabemos sobre outras pessoas? Como criamos a imagem que temos de cada povo?
Nosso conhecimento é construído pelas histórias que escutamos, e quanto maior
for o número de narrativas diversas, mais completa será nossa compreensão sobre
determinado assunto. É propondo essa ideia, de diversificarmos as fontes do
conhecimento e sermos cautelosos ao ouvir somente uma versão da história, que
Chimamanda Ngozi Adichie constrói a palestra que foi adaptada para livro. O
perigo de uma história única é uma versão da primeira fala feita por Chimamanda
no programa TED Talk, em 2009. Dez anos depois, o vídeo é um dos mais acessados
da plataforma, com cerca de 18 milhões de visualizações. Responsável por
encantar o mundo com suas narrativas ficcionais, Chimamanda também se mostra
uma excelente pensadora do mundo contemporâneo, construindo pontes para um
entendimento mais profundo entre culturas.
Nova edição
para Esse ofício do verso, a transcrição de seis palestras
proferidas por Jorge Luis Borges na Universidade de Harvard, entre 1967 e 1968.
Comentário profundamente pessoal sobre diversos aspectos da produção literária,
o livro é um testemunho inédito da genialidade de um dos maiores escritores do
século XX.
Transcrito
de fitas descobertas somente anos mais tarde, Esse ofício do verso reúne seis
palestras proferidas em inglês em 1967 e 1968 na Universidade de Harvard e
constituem o próprio retrato falado do autor. Em cada aula, podemos ouvir a
cadência de sua voz, a sutileza e o engenho que ditam suas frases, a notável
erudição que guia o discurso. Comentário profundamente pessoal dos enigmas e
recursos da escrita, o livro é também uma introdução aos prazeres da palavra,
ao artesanato da literatura. Talvez o mais impressionante seja o modo como
Borges consegue, por meio de um delicado equilíbrio entre clareza e humildade,
comunicar seu vasto cabedal literário a uma plateia de leigos. Mas a sua
aparente simplicidade serve tanto para fazer-se mais acessível como para
abrandar o impacto de alguns de seus argumentos mais contundentes, como a morte
anunciada do romance e os equívocos da história literária. Quer discuta a
metáfora, a poesia épica, as origens do verso, o sentido na poesia ou seu próprio
“credo poético”, Borges oferece um espetáculo tão cativante quanto
intelectualmente profundo.
Um romance
impactante sobre dois irmãos marcados pela discriminação racial no Brasil é o
novo título de Paulo Scott.
Os irmãos
Federico e Lourenço são muito diferentes. Federico, um ano mais velho, é
grande, calado e carrega uma raiva latente. Lourenço é bonito, joga basquete e
é “muito gente boa”. Federico é claro, “de cabelo lambido”. Lourenço é preto.
Filhos de pai preto, célebre diretor-geral do instituto de perícia do Rio
Grande do Sul, eles crescem sob a pressão da discriminação racial. Lourenço
tenta enfrentá-la com naturalidade, e Federico se torna um incansável ativista
das questões raciais. Federico, o narrador desta história, foi moldado na
violência dos subúrbios de Porto Alegre. Carrega uma dor que vem da
incompletude nas relações amorosas e, sobretudo, dos enfrentamentos raciais em
que não conseguiu se posicionar como achava que deveria. Agora, com 49 anos, é
chamado para uma comissão em Brasília, instituída pelo novo governo, para
discutir o preenchimento das cotas raciais nas universidades. Em meio a debates
tensos e burocracias absurdas, ele se recorda de eventos traumáticos da
infância e da juventude. E as lembranças, agora, voltam para acossá-lo. Marrom e amarelo é um livro que retrata diferentes aspectos de um
Brasil distópico, conflagrado, da inércia do comando político à crônica tensão
racial de toda a sociedade. É um romance preciso, que nos faz mergulhar nos
abismos expostos do país.
Sexta-feira,
12 de julho
Uma nova
aventura no Sítio do Picapau Amarelo, este é um clássico sobre o folclore
brasileiro, agora em nova edição de luxo, com ilustrações da premiada artista
Lole e organização de Marisa Lajolo, a maior especialista da obra de Monteiro
Lobato no Brasil.
O saci é um
dos mais icônicos livros do universo do Sítio do Picapau Amarelo. É nessa
história que a temida Cuca aparece pela primeira vez, além de tantos outros
personagens do folclore brasileiro. Ao lado de um saci arteiro, mas com bom
coração, Pedrinho embarca em uma aventura pela floresta nos arredores do sítio
para salvar sua prima Narizinho das terríveis garras da bruxa Cuca. Esta é uma
das primeiras narrativas de Monteiro Lobato, um dos nomes mais consagrados da
história da literatura infantojuvenil brasileira. Esta nova edição de luxo, organizada por Marisa Lajolo, vem acompanhada por um
texto introdutório que explica o contexto cultural da época de publicação do
livro e debate as questões polêmicas relacionadas à obra de Monteiro Lobato.
Traz também notas de rodapé em formato de diálogo entre as personagens, que
explicam o vocabulário e os costumes do Brasil da década de 1920, além de
ilustrações que reinterpretam a turma do Sítio e os personagens do folclore
brasileiro.
Nova edição
para um clássico de H. G. Wells.
Uma mistura
fascinante de humor e ficção científica, gênero que Wells ajudou a estabelecer
e no qual se consagrou, assim podemos definir O homem invisível que
ganha reedição pela Zahar na Coleção Clássicos. Um misterioso forasteiro chega
à pacata cidade de Iping. Ninguém sabe seu nome, nem de onde vem ou a razão de
estar sempre coberto da cabeça aos pés – com chamativos óculos escuros e
bandagens envolvendo toda a cabeça sob um chapéu de abas caídas. Além disso,
ele trouxe um verdadeiro laboratório portátil. O suspense cresce quando crimes
começam a acontecer e quando se descobre que o homem é invisível! Um dos
maiores clássicos da ficção científica, sucesso desde a publicação em 1897,
este romance é uma engenhosa e divertida combinação de humor e imaginação
fantástica, e também uma bela reflexão sobre solidão, incompreensão e os laços
entre o indivíduo e a humanidade.
DICAS DE LEITURA
Na semana que
termina o blog começou uma série de textos sobre a obra e a biografia de Elena
Garro. A publicação do primeiro romance dessa escritora no Brasil, As
lembranças do porvir, veio com a oportunidade de reescrita de algumas
linhas ocultas da história da literatura latino-americana. O livro é magistral
e por isso já esteve numa das recomendações de leitura deste Boletim e antes
figurou entre as nossas escolhas dos Melhores de 2018 na categoria Prosa. Mas que
outras autoras da envergadura de Elena Garro estão fora do nosso horizonte de
leituras? As dicas de leitura apresentam três títulos de outras três escritoras
latino-americanas que precisamos ler.
1. Ifigênia,
de Teresa de la Parra. Essa escritora é um dos nomes mais importantes da
literatura venezuelana; há nada no Brasil até o presente além desse romance
traduzido Tamara Sender e publicado pela Carambaia. Apresentado com o subtítulo
“Diário de uma jovem que escreveu porque estava entediada”, o livro recompõe a
vida da jovem María Eugenia Alonso que tem 18 anos quando perde o pai e precisa
deixar a Europa onde viveu por uma dúzia de anos para retornar a sua Venezuela
natal. O impacto dessa mudança é reparado por essa jovem que não deixará de
oferecer um retrato muito contundente sobre a condição feminina na monótona e
conservadora Caracas, onde passa a morar com uma tia e a avó. O romance de Teresa
foi publicado primeiramente em Paris em 1924 e quando chegou à Venezuela foi
motivo de escândalo para os moralistas ― um livro “pérfido e perigosíssimo na
mão das moças contemporâneas”, como relembra a própria escritora.
2. A
noiva escura, de Laura Restrepo. A obra da escritora colombiana está entre
recomendações das mais sofisticadas, incluindo a de leitores como Gabriel
García Márquez. Neste romance, escrito numa prosa vertiginosa, carregada de
humor e sensualidade, a narrativa é conduzida como uma investigação
jornalística, apoiada em entrevistas com diversos personagens. O assunto é uma
extinta zona de prostituição de Tora, lugarejo na selva colombiana, e o centro
da narrativa é a figura mítica de uma prostituta. Sayonara chegou a Tora
ainda pequena e foi acolhida por Todos los Santos, cafetina que a transformou
na mulher mais desejada pelos trabalhadores do campo petrolífero próximo à
cidade. Seu destino, porém, será de sofrimentos: ela se apaixona e se envolve
com dois homens. Numa das pontas do triângulo está Sacramento, companheiro
de infância de Sayonara, e que nutre um amor platônico pela moça. No outro
vértice está Payanés, melhor amigo de Sacramento e aquele por quem ela se
apaixona. Abandonada por Payanés, Sayonara casa-se com Sacramento, que pretende
que ela deixe de se prostituir. O casamento não pode dar certo: Sayonara sofre
com o ciúme doentio do marido e as recordações de seu grande amor. A beleza
dessa obra de Restrepo é que suas personagens, em meio ao drama e à pobreza de
suas vidas, têm dignidade e excepcional profundidade psicológica. Por trás das
tragédias e comédias pessoais, revela-se uma parábola do desamparo do povo
colombiano. O livro integra os títulos dessa escritora já editados pela
Companhia das Letras.
3. Cachorro
velho, de Teresa Cárdenas. Com este livro, a escritora cubana recebeu o Prêmio
Casa de las Américas. O título se refere ao tratamento de escravo no engenho de
açúcar do patrão. Seu corpo está velho e cansado, sua mente se perde
frequentemente em recordações. Às vezes ele até imagina a própria morte, ou
pelo menos o que significa estar longe, muito longe. Então, a velha escrava
Beira lhe propõe ajudar Aísa, uma menina de dez anos, a fugir. Escrito por uma
descendente de escravos, Cachorro Velho é um retrato duro e comovente
da desumanidade da escravidão. “O velho não temia o Inferno: tinha vivido
nele desde sempre.” A escravidão foi abolida em Cuba em 1886, mas, como em
tantos outros lugares, sua nódoa se manifesta no preconceito racial e na
discriminação. O romance foi publicado no Brasil pela editora Pallas.
VÍDEOS
VERSOS E OUTRAS PROSAS
Muitos
têm algum descanso nesta época do ano para chamar de férias, outros nem tanto,
que a vida é duro martírio. Mas uns e outros podem olhar este vídeo com imagens
raras de Thomas Mann em descanso na Califórnia. Uma boa atividade pode ser a de caçar borboletas
com Vladimir Nabokov, tal como está registrado neste outro raro vídeo.
BAÚ DE
LETRAS
Não vamos
tão fundo no baú; é que acima falamos sobre as matérias sobre Elena Garro
iniciadas nesta semana. A primeira delas, um percurso por sua obra a título de
investigar os domínios da palavra e do silêncio, pode ser lida aqui.
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