A cosmologia do caminho
Por Tiago D. Oliveira
Uma orquestra de minorias, do nigeriano
Chigozie Obioma, traduzido por Claudio Carina e publicado pela Globo Livros, é um
romance fincado sob o conjunto de tradições e crenças de um povo, a cosmologia igbo. Ele traz uma
história que apresenta a relação de um criador apaixonado por aves, Chinonso, com
Ndali, uma mulher da alta classe da Nigéria. A paixão dos dois evoca uma cena
clássica na literatura, um conflito que se vale da diferença das classes
sociais, mas que se reinventa a partir da estrutura narrativa e da voz de um
narrador que se apresenta como Chi, o espírito guardião de seu hospedeiro,
Chinonso. Depois que Chinonso vê Ndali
se encorajando para pular de uma ponte ele a convence de que seria um ato
impensado e salva a moça plantando a semente de um interesse mútuo que se transformaria
em um relacionamento amoroso.
A forte oposição da família de Ndali à relação
dos dois faz com que Chinonso queira ter um diploma para ser aceito por eles e
assim casar-se com a moça. Ele vende seu pequeno criatório de aves para entrar
na faculdade no norte de Chipre, mas é enganado pelo amigo que rouba todo o seu
dinheiro que seria usado para o acesso à faculdade. A busca de Chinonso é agora
uma tentativa de voltar para uma vida que lhe escorre por entre os dedos. O
livro é o segundo romance do autor africano, uma oportunidade crítica e
alegórica para que sejam pensados temas reincidentes ainda no mundo, como o
preconceito, mas para que também traga reflexões sobre a força do destino dos
homens.
O que mais toca o leitor inicialmente é o
universo da cosmologia igbo. Logo nas primeiras páginas do livro o autor traz
duas figuras representativas que desenham o mapa da cosmologia igbo, onde o
universo espiritual já causa um impacto e direciona para uma narrativa que vai
apresentar um olhar e uma cultura diferente do que os livros atuais carregam, e
a composição do homem na cosmologia igbo, as três camadas, domínio do corpo, do
chi e do espírito encarnado dividindo o espaço com a mente. Desde o primeiro
momento a trama carrega uma força de prenúncios capaz de deixar a leitura já
interessante.
Chigozie Obioma constrói um romance que
se alimenta de uma Nigéria natal carregada de beleza cultural, mas, acima de
tudo, aponta as suas experiências quando imigrou para a República do Norte de
Chipre para estudar em uma universidade e viver com o peso da violência dos
preconceitos, tendo que vencer as dificuldades diariamente e superar
transformando essa atmosfera em aprendizado e literatura. Essa aproximação, que
serve de pilar para a ficção, é uma das preocupações do autor, a existência – alguém
que está muito preocupado com a metafísica da existência e do ser – como afirma Obioma em uma entrevista dada no
portal Agatetepe.
A ideia de destino circunda todo o romance e é nesse ponto
que cresce, quando Chigozie utiliza o imaterial em um misto com o palpável para
criar na literatura uma epopeia moderna em que a intenção não é escrever
didaticamente e sim chamar a atenção para a riqueza da cosmologia igbo, quando tenta mapear a evolução da nação igbo
até o presente momento, para a reincidência de temas ainda duros que marcam a
ferro e fogo o imigrante africano e para tratar com a destreza sensível da
literatura o homem em sua natura, com toda a violência comum à existência
figurada e herdada pelos tempos.
Obioma também ilustra a riqueza que
compõe o cenário linguístico da Nigéria. A língua inglesa que é aprendida nas
escolas, uma linguagem formal, bem colocada no romance na voz de Ndali e na
representação de uma classe elitizada. Quando o chi conversa com um espírito
guardião, é usado o antigo igbo. Percebe-se também em Chinonso o uso do igbo,
como nos personagens sem escolarização que o utilizam ou o pidgin. Logo, o
autor desenha as variações da língua, como também a diversidade linguística
existente no território que é associada à etnia (homem branco) e também à condição social (menos escolarizados). Desta
maneira ele constrói um panorama que autentica com maior propriedade os
personagens dentro da trama.
Uma orquestra de minorias é uma obra que trabalha
temas da natureza humana de uma forma criativa e rica quando apresenta um
narrador que transcende a realidade e personagens dispostos sob uma égide
fincada na verossimilhança, as pesquisas e as experiências trajadas por
Chigozie Obioma são instrumentos fortes para o amparo desta imensa história que
acolhe o leitor apresentando-o a um universo mágico e cheio de inesperadas nuances
que creditam à narrativa o peso de um clássico. Obioma carrega a representação
da literatura africana contemporânea que reescreve com maestria passos sem
perder a beleza da reinvenção, da criatividade, da capacidade da crítica em seu
papel político, reafirmando o lugar do autor no mundo e consequentemente, o
mundo neste autor. A leitura do romance é também uma leitura do mundo ou de uma
das suas constantes reconfigurações.
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