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Mostrando postagens de julho, 2019

O anjo, de Luis Ortega

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Por Pedro Fernandes É verdade que as cinebiografias se inscrevem no rol das criações mais difíceis. Mas, o erro mais grotesco cometido por cineastas de toda parte é querer se aproximar ao máximo da verdade histórica e construir uma narrativa que seja estreitamente a vida do biografado e, como se isso não fosse a pura aberração, ainda insistem em obrigar todo o elenco principal a se integrar nas feições originais das figuras originais. Esquecem-se que nenhuma obra é capaz de reportar integralmente o passado; este é uma lembrança que não volta mais. O ponto de partida e situações diversas vividas no interior da ficção são originais, mas o resto será sempre produto da imaginação criadora. Tentar alcançar o inalcançável resulta uma obra de falso brilho, caricata, e coloca em falso a própria verdade que se quer apresentar, sobretudo, se essa for o perfil biográfico de alguém. Nossa natureza é continuamente contraditória, por isso marcada por matizes discrepantes, e os autore

Primo Levi, entre o horror, a palavra ou o silêncio

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Por Sergio Nudelstejer Em abril de 1987 recebemos a triste notícia sobre o suicídio do escritor Primo Levi. Quando um escritor se suicida é difícil não reinterpretar seus livros à luz de seu último ato. E a tentação é particularmente forte no caso de Primo Levi, já que grande parte de sua obra nasceu de suas próprias experiências em Auschwitz. O calor e sentido humano de seus escritos o converteram num símbolo para seus leitores; no símbolo do triunfo da razão sobre a barbárie do genocídio. Mas, para alguns, sua morte violenta questionava esse símbolo. Em certos casos, o suicídio de um escritor é visto como a conclusão lógica de tudo o que escreveu ou como uma contradição irônica, mais que o resultado de uma tormenta puramente pessoal. Primo Levi apareceu como um dos intelectuais mais incisivos e mais francos entre aqueles que experimentaram a dor do Holocausto e sobreviveram para narrar tudo o que viveram. Seria difícil encontrar alguém além dele capaz de exp

Seis livros de Primo Levi que são antídotos contra o esquecimento

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Primo Levi. Foto: Basso Cannarsa. O escritor italiano Primo Levi retratou como poucos o horror dos campos de concentração nazista, depois de ter sido refém num deles durante quase um ano, uma experiência dramática que marcou sua vida definitivamente até sua morte em 1987. Nascido há cem anos em Turim, no dia 31 de julho de 1919, Levi, de origem judia, foi deportado para Auschwitz em 1944 depois de ser preso por militar junto à resistência antifascista. Naquela prisão cercada por arame farpado se tornou testemunha excepcional sobre os horrores e os crimes do nazismo, e, depois da sua liberdade pelo Exército Vermelho, seus escritos fizeram uma volta ao mundo; alguns deles ainda hoje são recorrentes nas escolas italianas como um exemplo de memória histórica. Os livros aqui apresentados são aqueles que permitem aproximar-se da figura e da visão de mundo de um dos escritores mais importantes do século XX. 1. É isto um homem? É a obra-prima de Primo Levi. Foi escrita depois

Aldous Huxley, o psiconauta que revolucionou o futuro

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Por Samantta Hernández Escobar Sua curiosidade e rigor intelectual converteram o escritor britânico Aldous Huxley na mente perfeita para que Humphry Osmond, psiquiatra britânico conhecido por utilizar drogas psicodélicas, pudesse realizar seus primeiros ensaios terapêuticos com mescalina. O polêmico psiquiatra via naquela substância ancestral do peiote uma via para tratar a esquizofrenia. Ele estava convencido que seria mais sensível penetrar na mente de seus pacientes se estavam expostos aos efeitos dos alucinógenos. Essa premissa encantou o escritor britânico que em seus escritos sustentava que a mente do ser humano estava composta por estratos e, portanto, necessitava do auxílio de substâncias externas para que alcançasse seu verdadeiro potencial. Em 1952, apegado a essas conjeturas, o escritor, quem nesse momento tinha 58 anos, se ofereceu para ser tratado pelos métodos de Humphry Osmond. No processo, Huxley encontrou a chave que o permitiu abrir a porta a realida

Boletim Letras 360º #333

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Antes de passar às notícias apresentadas durante a semana em nossa página no Facebook, queremos relembrar duas coisas: 1. A venda de livros no nosso bazar que servirá para arrecadar recursos para manutenção do registro do Letras in.verso e re.verso. Para saber quais títulos estão à venda e como adquiri-los basta visitar  este link temporário em nossa página no Facebook ; 2. A promoção que sorteia um leitor que levará  Contos de cães e maus lobos e nosso reino  (Biblioteca Azul/ Globo Livros) – as inscrições estão abertas aqui . Victor Serge. Publica-se no Brasil obra de um dos primeiros a denunciar os desrumos tomados pelo estado soviético.  Segunda-feira, 22 de julho Nova tradução para os Três contos , de Flaubert Publicado pela primeira vez em 1877, este livro reúne alguns dos textos mais celebrados do escritor francês. “Um coração simples” passa-se na Normandia, terra natal do escritor, e conta a comovente trajetória da solitária criada Félicité. Em “A lenda de

Orfandade poética

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Por Beatriz Martins Ilustração: Sakuya Higuchi este é um poema que eu queria ter lido para minha avó. há exato um mês, eu perdi a minha avó. e de certa forma perdi o poema. porque ele foi feito para ser lido a vovó. não li o poema. às vezes eu tentava conversar com vovó e ela dizia minha filha por favor minha filha volte amanhã eu não quero esse negócio chato nos meus ouvidos hoje – o aparelho auditivo – eu não quero conversar eu quero estar aqui com a minha filhinha; minha filhinha que não caga, não come, não chora. a boneca de vovó era uma perfeição de filho, principalmente a alguém com mais de 90 anos e que gosta de companhia para assistir Malhação . vovó desenvolveu uma habilidade incrível ao longo da vida. podia dar vida a meros objetos, podia se teletransportar no tempo, podia criar outros tipos de tempo. um dia, nos surpreendemos quando um velho amigo da família disse que vovó teria sido registrada errado – se em seus documentos constam 93 anos, esta não

As sementes da infância e a colheita amarga da velhice: a “Sinfonia em branco”, de Adriana Lisboa

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Por Flaviana Silva O vazio é o irmão do silêncio. Ambos escondem as palavras não pronunciadas e abrigam em si, por mais estranho que pareça ser, um universo de lacunas. A ausência da cor registra a sua marca na existência, é semelhante aos traumas que não receberam a atenção da sociedade hipócrita ao longo dos anos. É preciso considerar que Sinfonia em branco da autora brasileira Adriana Lisboa é um romance de sentidos cortantes e poéticos.  A obra foi publicada em 2001 e foi reconhecida com o Prêmio José Saramago no mesmo ano; para os amantes da prosa poética, o romance é uma viagem singular e satisfatória. O enredo é construído por um narrador onisciente que em sua autoridade, expressa uma descrição minimalista, destacando alguns detalhes e ocultando outros.   A história das irmãs (Clarice e Maria Inês) é guiada por uma sequência de transgressões que marcam a vida das personagens, em um tempo narrativo psicológico que é composto por uma dança constante entre o

Dor e glória, de Pedro Almodóvar

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Por Pedro Fernandes A consciência de que o passado está preso nas linhas do irrepetível parece ser uma das certezas universais com a qual mais lutamos. Não é exagero dizer que a partir da formação dessa compreensão toda nossa vida seja feita de tentativas de nos reencontrarmos com nossos instantes de júbilo; por essas ocasiões que somadas todas na vida de um indivíduo comum não chegaria a um terço de sua existência total qualquer um pagaria qualquer preço incluindo uma nova vida com o mesmo novelo de mesmices e dores. Pedro Almodóvar alcançou essa consciência sobre o passado e transformou suas inquietações, como quem passasse a limpo sua própria biografia, numa obra de arte capaz de atingir a todos. Em Dor e glória encontramos o tema do vazio criativo e o seu preenchimento com aquilo que de melhor pode fazer um artista: multiplicar-se para ser a si e um outro, sendo este aqueles que em toda parte padecem da impossibilidade dessa condição. Volta à estrutura da meta

“Finnegans wake” para multijogador

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Por Justo Navarro Se pesquisarmos na internet film noir ou cinema policial talvez acabemos por encontrar com o último romance de James Joyce, Finnegans wake , que apareceu nas livrarias, fez agora oito décadas, em maio de 1939, quase na mesma ocasião quando se publicava O sono eterno , de Raymond Chandler. Não seria devido essa coincidência, nem pelas supostas aventuras detetivescas do taberneiro Earwicker, protagonista do romance, que fez algo num parque de Dublin e acabou ante um tribunal: se pesquisando Finnegan chegou ao cinema policial é porque o inventor em 1946 do conceito film noir , Nino Frank, colaborou com James Joyce na tradução para o italiano de “Anna Livia Plurabelle”, episódio final da primeira parte do romance irlandês. Nunca terminei de ler Finnegans wake , romance escrito num idioma inventado a partir do inglês. O problema é que sempre começo a ler de novo a vida do taberneiro Earwicker e sua companheira, Anna Livia; seus gêmeos Shem e Shau