Uma foto, Salinger!
Por
Juan Tallón
J. D. Salinger no clássico e icônico registro de Paul Adao. |
Passavam-se
os anos e J. D. Salinger, assediado pelo sucesso de O apanhador no campo de centeio (1951), não dava sinais de vida;
nem publicava, nem se deixava ser visto. Mas, sabia-se que escrevia e o
resultado era guardado a sete chaves. Admitiu em algumas das poucas entrevistas
que concedeu aos jornalistas que aprenderam ao longo dos anos como falar com o
escritor em New Hampshire. “O que importa é apenas a literatura”, disse a
Betty Eppes em 1980, quando aceitou falar com ela depois que a jornalista lhe
deixou uma nota explicando que estaria num Pinto azul celeste parado próximo da ponte coberta que havia ao lado da casa
dele.
Em 1977,
ante o silêncio literário que começava a durar demasiadamente, o editor de ficção
da revista Esquire, Gordon Lish, ouviu
dizer de seu chefe que não seria mal publicar uma bomba. Lish era um tipo ágil e
tão logo pode – e pode nessa mesma noite – embriagou-se e escreveu “A Rupert,
sem remorsos”; era um conto cujo título se inspirava em “Para Esmé, com amor e
sordidez”, uma das peças que compõem Nove
contos, de Salinger. Na revista não pensaram duas vezes e o publicaram como
“Anônimo” e muitos leitores acreditaram que por trás do texto se encontrava o verdadeiro
Salinger.
O estilo imitava
grosseiramente o do autor de O apanhador
no campo de centeio e a revista esgotou rapidamente das bancas. Aquele
foi o número dos mais vendidos em toda a história da Esquire. Levantou uma grande polêmica. Jornais, televisões e rádios
se referiam a toda hora sobre o regresso de Salinger. A revista havia
conseguido sua bomba. Mas, um dia, Lish
cometeu o erro de revelar a Dorothy Olding, a agente literária de Salinger, que
o verdadeiro autor do conto era ele e de imediato essa confissão se tornou um
furo jornalístico. Foi outra bomba, mas de efeito contrário. “Salinger me disse
que o que eu fizera era absurdo e desprezível. E doeu, porque para mim não parecia
uma coisa dessas. O que eu pensei foi que, se Salinger não fosse escrever mais,
alguém teria que escrever para ele”, declarou a Shane Salermo e David Shields,
autores de Salinger, uma das
biografias mais sugestivas sobre o escritor nova-iorquino.
A anedota
revela até que ponto se ansiava ler novas histórias de Salinger, mesmo que não fossem
dele. Mas, e ver Salinger? Essa foi outra das obsessões da mídia
estadunidense, que quanto mais o escritor se empenhava em não fotografado e se isolar aquela mais desejava uma fotografia dele. Sabe-se que para a terceira reimpressão
de O apanhador no campo de centeio,
como se temesse a fama que vinha de
cima, o autor ordenou à casa editorial que lhe publicava a retirar sua foto da
sobrecapa. De certa maneira, começou aqui sua fuga.
Um dia,
farto de tudo, o escritor deixou seu apartamento na East Side de Nova York e
foi morar em Cornish, New Hampshire, onde adquiriu uma fazenda de trinta e seis
hectares. A casa precisava de tubulações e aquecimento e ele próprio tocou as
obras de reforma. Na verdade, Salinger não queria separar-se do mundo, mas
proteger-se dele próprio para continuar escrevendo tranquilamente. Quando soube
que a fazenda vizinha à sua fora colocada à venda e que iam construir um camping, “ficou horrorizado e se
apressou em hipotecar sua propriedade para comprar as terras e preservá-las”,
conta Kenneth Slawenski em J. D. Salinger.
Uma vida. Seus vizinhos nunca
esqueceram esse gesto. Assim como quando levantou uma cerca para proteger-se
deles; desde então os próprios vizinhos estiveram unidos para preservar de
intrusos a intimidade do escritor.
As
tentativas de fotografar Salinger tiveram sempre estrutura de novela. A Newsweek foi uma das primeiras revistas
que se propôs ao trabalho. Em 1960 encarregou um fotógrafo local dessa tarefa,
que no último instante lhe faltou ambição. Depois de chegar às imediações da
fazenda, parar o carro e se instalar, viu aparecer o escritor com sua filha. Ao
invés de fotografá-los, sem razão, se aproximou deles para cumprimentá-los;
Salinger se mostrou tão cordial que o fotógrafo não se viu capaz de contar que
estava ali porque a Newsweek o havia contratado
para fotografá-lo. À revista restou revelar que Salinger havia construído um bunker para escrever.
Um ano
depois foi a vez da Life. A
redatora-chefe fez contato com Ted Russell, que estava numa missão nas Nações
Unidas. Explicou-lhe que havia quase dez anos que ninguém fotografava Salinger
e que lhe dava três dias e nenhum a mais para conseguir a proeza. Iriam pagá-lo
com cem dólares por diária. Se cumprisse esse prazo e não conseguisse a foto não
teria problemas com o dinheiro.
Russell passou
dois dias e meio esperando entre os arbustos. Entre sol, chuva e frio. Estava já
para perder as esperanças, quando o escritor apareceu. Trajava o macacão que usava
para escrever e trabalhar no jardim. “Estava tão próximo que meu medo que
ouvisse o clique da máquina”. Teve tempo para conseguir meia dezena de
fotografias. “Uma de minhas favoritas é uma foto de seu cão com o focinho metido
por baixo da cerca. Achei engraçado que a Life
colocou como noda descritiva ‘O cão de Salinger dá uma olhada nada
salingeriana por baixo da cerca’”. A reportagem ocupou nove páginas da revista.
Definitivamente,
não existia um lugar tranquilo. O próprio Holden Caulfield vaticina sobre
quando não há forma de encontrar um lugar assim porque não existe. “Esse é que
é o problema todo. Não se pode achar nunca um lugar quieto e gostoso, porque
não existe nenhum. A gente pode pensar que existe, mas, quando se chega lá e
está completamente distraído, alguém entra escondido e escreve ‘foda-se’ bem na
cara da gente.”
Passaram-se
os anos e a Newsweek quis voltar à
façanha. Desta vez contratou Michael McDermott. Era 1979. Salinger havia deixado
de publicar há muito. Seu último texto, “Hapworth 16, 1925”, apareceu em The New Yorker em 1965. Quando o
fotógrafo pediu o telefone ou o endereço do escritor, todos na redação riram. “Não
é tão fácil – disse-lhe o diretor. Não dispomos de informações pessoais. Apenas
sabemos que se apanha suas correspondências em Windsor, Vermont.” McDermott
pegou seu Volskwagen Rabbit, dirigiu até o endereço e parou ao lado dos
correios. Empregou sua paciência em comer Cheetos e beber Pepsi sem parar e
conseguiu, enfim, apanhar o escritor. Suas fotos tiveram um grande impacto; o
mesmo ocorreu em 2008, quando regressou a Windsor e fez as últimas fotografias
conhecidas de Salinger antes de sua morte.
Com a Life e Newsweek, a Time foi
outra revista que publicou um extenso trabalho de investigação sobre o autor. Foi
em setembro de 1961, coincidindo com a publicação de seu novo livro, Franny & Zooey, dois contos que
haviam sido publicados na New Yorker.
Para ilustrar a reportagem a revista optou por um desenho imaginário de
Salinger.
Mas, o
grande momento fotográfico na vida de Salinger se produz em 1988 quando dois paparazzi freelance – Paul Adao e Steve
Connelly – cumpriram a missão oferecida pelos editores do New York Post. Em seu perfil sobre Don DeLillo para a New Yorker, David Remnick destaca que “a
razão de o Post perseguir sua presa não
constitui nenhum mistério. Pelos motivos que fossem, Salinger deixou de
publicar há muito tempo e viveu desde então como um fugitivo. Seu exílio se
converteu para os jornalistas numa
história que exigia resolução, intervenção e exposição”. Fizeram seu trabalho e
o jornal publicou toda uma página com uma fotografia de Salinger com o punho
levantado como se quisesse golpear a câmera; e o registro veio com o título exclamativo:
“O apanhador pego!”
Mas como
essa foto foi realizada? Paul Alexander, outro dos biógrafos do escritor, conta
que Adao e Connelly o abordaram na saída do supermercado Purity Supreme de West
Lebanon, em New Hampshire. Pararam o carro ao lado do seu desproporcional jeep e quando saía do estabelecimento
com o carrinho de compras, Coonelly se abaixou e começou a disparar a câmera.
Salinger estourou de raiva e jogou o carrinho contra ele enquanto o fotógrafo fugia
em busca do amigo que se encontrava no volante. Foi nessa ocasião que Salinger
armou um murro e Adao conseguiu obter a foto do jornal. Salinger protegeu o
rosto e refugiou-se no jeep. Quando os
paparazzi deixaram de incomodá-lo,
cercados pelos clientes do supermercado, os protagonistas dessa história fugiram.
Salinger já não sabia fazer outra coisa. Sua via era uma contínua e obstinada
fuga. E tudo porque um dia escreveu O
apanhador no campo de centeio. Os milhões de exemplares vendidos
trouxeram-lhe uma insuportável fama. Passou dez anos escrevendo e o resto de
sua vida arrependendo-se.
Ligações a esta post:
* Este texto
é uma tradução de “¡Hacedle una foto a Salinger!”, publicado aqui em Jot Down.
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