O naturalista da ficção
Por Andrés
Olascoaga
Em 1986, o médico
russo tornado dramaturgo Anton Tchekhov apresentou nos palcos de São
Petersburgo sua primeira grande obra de teatro – A gaivota, uma peça em quatro atos na qual colocava em questão as
relações românticas e artísticas entre quatro personagens: um dramaturgo experimental
com problemas familiares, um famoso escritor, uma atriz em decadência e uma ingênua
garota. A obra, apesar de parecer centrar-se apenas num círculo alto da
sociedade russa de finais do século XIX, conseguia capturar o sentir do povo, uma
vez rodeada por conflitos de classe e o início da queda do grande império
russo.
Apesar da
evidência de seu talento, a peça foi um grande fracasso. Tchekhov, um homem que
sempre havia encontrado nas letras um veículo para a liberdade e a
sobrevivência, pensou então renunciar à literatura. Mas, e como qualquer amante
do teatro pode constatar, a situação foi só um dos desafios que o autor russo
precisou enfrentar para se converter num dos nomes mais importantes da
literatura mundial.
Anton Tchekhov
nasceu em Taganrog, um dos interiores do Império russo, em 29 de janeiro de
1860 (17 de janeiro, se considerarmos o antigo calendário), e desde então se
encontrou com dois dos temas que abordou em sua obra: a pobreza e as dinâmicas de
uma família pobre. Apesar de seu pai – um trabalhador do mar de Azov que
comprou a liberdade de Tchekhov e de seus três irmãos – tentar dar aos filhos
uma educação regida pelos princípios cristão-ortodoxos, seus problemas com o álcool
e seu comportamento violento dificultaram sua relação com restante da família.
Em 1875, depois da queda de seu negócio, o pai de Tchekhov fugiu de Moscou para
evitar ser levado para a prisão.
O filho
ficou proibido de se mudar para capital russa até 1879, quando foi estudar medicina
na Universidade de Moscou. Ante as adversidades econômicas enfrentadas pela
família, o jovem encontrou trabalho como escritor de contos e crônicas da
Rússia cotidiana. Os trabalhos escritos sob o pseudônimo Antosha Tchekhonte capturavam
a vida das pessoas comuns, algo que aprendeu a observar com sua mãe, a
contadora de histórias Ievguênia Iákovlevna Morozov que entretinha seus filhos
relatando-lhes as múltiplas viagens empreendias com seu pai por todo o país.
Tchekhov
sabia quais eram suas paixões, mas suas necessidades eram mais importantes. “A
Medicina é minha esposa oficial; a Literatura, minha amante”, confessou o autor
ao seu amigo, o também escritor Alexi Suvorin, numa carta. Em 1884, quando terminou
o curso superior, começou a trabalhar em povoados vizinhos; enquanto isso continuava
suas tentativas como escritor em jornais e revistas do país. Dois anos depois,
publicou seu primeiro livro; era uma antologia com contos e com ela empreendeu
uma longa viagem pela Europa. Já então, o autor havia apresentado algum impacto
entre os leitores com textos como o drama Platonov,
O caminho de Damasco, Os males do tabaco e O canto do cisne, razão porque a estreia
de A gaivota no Teatro Aleksandrisnki
de São Petersburgo não foi uma grande notícia para o público russo de 1886.
Depois do estrepitoso
fracasso dessa obra, Tchekhov decidiu ir para a Ucrânia, onde trataria – sem êxito
– uma tuberculose que adquiriu alguns meses antes. No seu retorno à Russa
encontrou uma surpresa: o aclamado diretor Konstantin Stanislavski havia visto A gaivota e decidiu montar o espetáculo
no Teatro de Arte de Moscou com atores que seguiam ao pé da letra seu conhecido
método de atuação, baseado na observação e interpretação de experiências humanas
aplicáveis às personagens.
Graças a este trabalho, a obra obteve a profundidade
naturalista que o autor havia construído para cada uma das páginas de seu
roteiro. O êxito da nova montagem foi tanto que o próprio escritor começou a
trabalhar de perto com a companhia de Stanislavski que adaptou ainda o que se
consideraria as três obras-primas de Tchekhov: O tio Vânia, estreada em 1897; As
três irmãs, em 1901; e O jardim das
cerejeiras, em 1904.
A partir
daí, o sucesso de Tchekhov nos palcos russos só fincou com sua morte em 15 de
julho de 1904. Apesar de ter buscado se curar, inclusive abandonando sua grande
propriedade rural de Meliocovo, a uns 60Km de Moscou, para ir morar no clima
temperado de Ialta, na Criméia, sua saúde havia se debilitado muito por causa
da tuberculose. Durante seus últimos dias, esteve acompanhado por sua mãe,
quem também havia contraído a enfermidade pulmonar, e sua companheira Olga
Knipper, referência para as protagonistas de muitas de suas obras mais conhecidas.
Além disso, havia estabelecido uma grande relação com figuras como Liev Tolstói
e o jovem escritor Máksim Górki, considerado o fundador do realismo socialista.
Como um
final ainda mais trágico que muitos dos apontados por seus textos, Anton
Tchekhov morreu em julho de 1904 em Bedenweiler. Os restos mortais, trazidos
para Moscou num vagão refrigerado para transporte de ostras, foram enterrados
com os deu seu pai, figura que o inspirou algumas de suas personagens mais desagradáveis.
Mas, um talento
como o de Anton Tchekhov resista à morte. Depois do fim da Primeira Guerra
Mundial, o autor foi retomado por produções inglesas que buscavam reiniciar a
vida comum do Reino Unido. As traduções de Constance Garnett, ao lado de James
Joyce, Virginia Woolf e Katherine Mansfield, se tornaram famosas e inspiraram autores
como George Bernard Shaw, Tennessee Williams, Raymond Carver, William Boyd,
Ernest Hemingway, Vladimir Nabokov e Ai Nagai; suas peças têm sido remontadas
em toda parte do mundo com frequência. Apesar de muitas de suas paixões não conseguirem
salvá-lo da morte, as letras resgataram-no e o levaram à imortalidade.
* Este texto é uma tradução de "El naturalista de la ficción", publicado aqui, na revista Gatopardo.
* Este texto é uma tradução de "El naturalista de la ficción", publicado aqui, na revista Gatopardo.
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