C. S. Lewis e a apologética cristã



Por Marina Rufo Spada 



Ao lado de seu amigo J. R. R. Tolkien, o irlandês C. S. Lewis se tornou um dos autores de fantasia mais celebrado a que temos referência com milhares de cópias vendidas, desde suas publicações iniciais em meados dos anos 1900. Como resultado dessa popularidade, sua obra tem gerado muitas pesquisas, como as do Marion E. Wade Center em Wheaton, uma instituição que mantém uma coletânea de pesquisas em torno dos escritos e novas teses desenvolvidas sobre C. S. Lewis e Tolkien. A maior parte dos trabalhos aí coletados foca na fé cristã dos autores que Lewis influenciou e dos que foi influenciado, e a maneira como ela refletiu em seus escritos.

Lewis é comumente lembrado pelo trabalho de fantasia intitulado As crônicas de Nárnia, mas a fé foi um elemento comum a toda sua obra e por isso o interesse recorrente sobre o tema; pode-se mesmo dizer que Lewis é talvez o mais popular e influente apologético do Cristianismo ortodoxo conservador do século XX, sendo suas obras marcadas por temas filosóficos e argumentos cristãos. E sua obra abarca uma produção textual de variados gêneros literários, como escritos teológicos, ensaios de crítica literária e ficção científica.

É válido analisar o trabalho apologético cristão desenvolvido por C. S. Lewis a partir de suas concepções apresentadas em Mere Christianity (traduzido no Brasil como Cristianismo puro e simples) e seus reflexos nas ficções The Screwtape Letters (Cartas de um diabo aprendiz) e “The Space Trilogy”, formada pelos livros Out of the Silent Planet, Perelandra e That Hideous Strength, (Trilogia cósmica; os três tomos publicados aqui saíram como Além do planeta silencioso, Perelandra e Aquela força estranha).

C. S. Lewis foi professor de Literatura Medieval e Renascentista nas universidades de Cambridge e Oxford, onde teve início a amizade com Tolkien. Sua relação com determinadas palavras-chaves como “apologética”, “cristianismo” e “fantasia” e sua experiência com a mística cristã raramente ou nunca passam desvinculadas a Lewis em qualquer documento que trate dos seus textos. Mas, há uma faceta que ainda é pouco explorada em análises sobre esse tema: sua dimensão mística. Esta dimensão surge tanto em seus escritos autobiográficos como nos seus textos de ficção.

Na verdade, podemos afirmar que toda a vida de Lewis e praticamente toda sua produção literária (incluindo-se os textos de fantasia) trazem esse traço de uma experiência mística como elemento estruturador de seu pensamento. O trabalho do autor irlandês foi marcado pelo processo de conversão que viveu, ainda na juventude, chamado por ele de “batismo da imaginação”.
E mesmo em suas obras mais teóricas é possível notar essa marca pungente da imaginação. Tal maneira de encarar a fé o ligou, de maneira indelével, às figuras extraordinárias de seus mentores, tais como George MacDonald e G. K. Chesterton; inclusive Lewis diz que, ainda nos tempos de ateísmo, teve sua imaginação batizada pela leitura do primeiro.

Em algumas das diversas cartas que trocou com escritores e nomes do pensamento religioso, o escritor usa a expressão smuggling theology (contrabando teológico, em tradução livre), para explicar o seu trabalho de esmiuçar questões da teologia na mente de seus leitores. Ao contrário do que se possa deduzir, a expressão não foi empregada de modo a confessar uma prática com lapso de ética, mas, antes, revela uma estratégia de “incorporar conteúdos relevantes, que de outra forma seriam ignorado”.

O que levou C. S. Lewis a desejar convidar seus leitores a seguir a sua “lógica pessoal” teve início, exatamente, na literatura. Dentre as obras de maior impacto na vida do escritor, destaca-se Phantastes, um conto de fadas escrito pelo escocês George MacDonald. Lewis teve contato com a obra aos dezessete anos, idade em que posteriormente apontou como o início de sua passagem do ateísmo ao cristianismo. Ele reconheceu que o conto deu início ao processo de conversão, em suas palavras, “uma espécie de consciência da ‘iluminação’, algo de inteiramente novo”.

Embora diversos pesquisadores de Lewis se debatam a respeito do caráter ético do trabalho apologético presente nas obras, consideraremos como válido a justificativa do próprio autor, de que ele não estava tentando enganar seus leitores, mas sim tentando alcançá-los a nível popular, “onde ele estava escrevendo, embora repleta de significado de nível mais profundo”.

The Screwtape Letters e The Space Trilogy

A experiência com a chamada mística cristã vivenciada por Lewis acabou por gerar uma obra repleta de elementos provenientes dessa conversão, como é o caso de The Screwtape Letters. Neste livro, um personagem relacionado ao diabo, envia cartas a um aprendiz, ensinando-o a respeito da “arte de conquistar almas humanas”. Lewis trata aqui do “sentir-se abandonado por Deus” e do objetivo didático por trás da não percepção divina.

Em The Space Trilogy a experiência espacial vivida pelo personagem Ransom assemelha-se claramente à mística de unidade com o cosmos, a “unidade da criação no amor divino”. Além disso, também são tratados questionamentos a respeito do fim das coisas, ou da destruição de seu mundo, a Terra, a partir do diálogo com Oyarsa, que defende a representação não do fim, mas de um novo começo.

Acreditamos que a obra de Lewis pode ser melhor vivenciada e compreendida a partir de um estudo hermenêutico, que permita o acesso a seu pensamento enquanto escritor habilidoso das teorias de gênero textual, ao pensamento que ele mesmo convida o leitor a seguir – ou não.

A mística cristã de Lewis – presente em seu texto na forma de personagens, diálogos, criaturas da mitologia cristã, questões filosóficas – é o elemento que confere direcionamento e profundidade às suas obras – e é nesta característica que cabe nos debruçar para averiguar sua técnica em aplicar à ficção suas concepções pessoais a respeito de grandes questões fundamentais, como a Verdade, o Universalismo, e o Amor Divino, e em que medida a questão religiosa enriquece seu texto.

A contribuição de C.S Lewis na literatura não se fez apenas no campo do texto literário, mas constitui um escopo de questões multidisciplinares. Esbarrando em argumentos do campo da Filosofia, da Teologia e da Teoria Literária textos como Mere Christianity acrescenta à mais de uma ou duas correntes de pensamento e esclarece pontos relevantes da influência de áreas ramificadas no texto narrativo.


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