A verdade sobre a bala perdida de Burroughs
Por Juan Tallón
Jorge
García-Robles é a pessoa que melhor sabe o que aconteceu no dia 6 de setembro de
1951 no apartamento da rua Monterrey, 122, México DF, onde William Burroughs
matou com um tiro sua companheira, Joan Vollmer. Investigou o escritor durante
quatro anos; primeiro, com o seu agente literário, James Grauerholz; e, depois,
sozinho. O resultado é A bala perdida
(tradução livre), obra de culto sobre os dias no México do autor beat publicada há 24 anos. O retorno à
obra traz consigo a notícia de que os seus direitos foram adquiridos por uma
das produtoras de Narcos para uma
série sobre Burroughs, o escritor que levou mais longe a relação entre
literatura e drogas.
No capítulo
mais intenso do livro, García-Robles relata que aquele dia fatídico, quando o
escritor e sua companheira chegaram ao apartamento da rua Monterrey, se passava
uma animada reunião de amigos. O lugar estava cheio de garrafas de gim e de
refrigerantes vazias. Depois de duas horas e meia, e muita bebida, Burroughs
falou sobre o desejo de viver num rancho e caçar animais selvagens. “Você é muito
sem atitude para atirar contra alguém”, disse Joan Vollmer. “Vou provar para
você o contrário”, respondeu ele. “É hora de fazer nossa cena de Guillermo Tell,
vamos provar aos rapazes o bom atirador que eu sou”. Joan se levantou do sofá,
pegou seu copo de gim Oso Negro e o colocou sobre a cabeça. Enquanto isso
fechou os olhos, riu nervosamente e disse: “Não posso olhar, não suporto ver
sangue”. Então, a uns três metros de distância, seu companheiro apontou e
disparou. Joan caiu no chão. “Bill, acho que você deu fim a ela”, disse Lewis
Marker, convidado que estava na festa e amante do escritor.
O primeiro depoimento de Burroughs na Agência 8 do Ministério Público depois de ser preso fora da Cruz Vermelha se
ajustou aos fatos, mas depois de se reunir com seu advogado, Bernabé Jurado,
passou a sustentar que “enquanto examinava a pistola depois de entornar alguns copos,
esta havia caído acidentalmente e havia disparado sozinha”, relata García-Robles.
Foi também a versão mantida pelas testemunhas instruídas por Jurado e depois de
13 dias na delegacia de Lecumberri o escritor foi posto em liberdade. Em dezembro
de 1952, sem esperar a decisão judicial, fugiu para os Estados Unidos.
O interesse
de García-Robles por Burroughs, assim como pelo restante da Geração Beat (Jack
Kerouac, Lucien Carr ou Allen Ginsberg), o levou a convidá-lo para uma conferência
na Universidade Nacional do México em 1990. Sem sucesso, optou por ir visitá-lo
em Lawrence, Kansas. Apresentou-se com uma garrafa de tequila Herradura. Com o
agente do escritor, James Grauerholz, e alguns amigos beberam e fumaram marijuana
e quando Burroughs ficou à vontade todos o acompanharam “em fila até o jardim
para praticar tiro ao alvo”.
Era um apaixonado por armas de todo tipo. Sentia a
necessidade de usá-las. Ao chegar sua vez se transformou, parecia trinta anos
mais jovem. Apesar de haver bebido e fumado marijuana em grandes quantidades, “não
pareceu ficar mal na hora dos disparos”. Depois disso, Burroughs pareceu um
adolescente, mostrou a García-Robles códices maias e astecas, o convidou a
disparar com uma zarabatana africana, mostrou-lhe uma navalha alemã com a qual
cortou papéis em tiras e finalmente o levou ao estúdio onde pintava e escrevia.
Depois continuaram bebendo e fumando.
Uma morte acidental?
Aos 76 anos
sua vida era rotineira. “Levantava-se, tomava café, ia pintar ou escrever, às
duas da tarde comia serenamente, e então começava a fumar erva e a beber vodca
com Coca-Cola”, conta García-Robles. O chão da cozinha era repleto de garrafas vazias
de Stolichnaya. Em suas viagens seguintes, em 1991 e 1992, a convivência com
Burroughs foi mais cotidiana e tranquila. “Comíamos, praticávamos tiro e víamos
televisão”.
Burroughs não
gostava de falar sobre sua estadia no México entre 1949 e 1952. Se alguém perguntava alguma coisa sobre o assunto, respondia com uma ou duas palavras.
Por isso, foi impossível falar com ele sobre Joan e a morte dela. Apenas uma vez,
durante a segunda viagem do pesquisador mexicano a Lawrence, quando lhe perguntou
se realmente acreditava que “um espírito maligno” havia matado Joan e não ele,
tal como afirma em seu romance Queer,
contestou “em tom enfático e até chateado que certamente sim”.
Talvez não
de um modo claro quando escreveu o livro, mas se hoje, García-Robles acredita
que “Burroughs matou intencionalmente sua companheira” e que todas as explicações
que deu ao longo de sua vida sobre o assunto foram para encobrir sua
responsabilidade, algo que provavelmente nunca digeriu nem superou totalmente. Depois
de todos seus encontros, García-Robles obteve a certeza de que Burroughs era
uma pessoa extremamente irracional que, sem dúvidas, não passava do limite salvo
em poucas ocasiões. E uma delas foi quando disparou contra Joan. “Toda essa
explicação barata de atribuir a culpa a um espírito maligno me parece muito
gratuita e até ridícula”, finaliza.
Ligações a esta post:
* Este texto é uma tradução de “La verdad sobre 'la bala perdida' de Burroghs” publicado aqui, no jornal El País.
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