Poesia e metalinguagem em A palavra algo, de Luci Collin
Por Fernanda Fatureto
Como em um lance de dados Luci Collins celebra o jorro da
linguagem em A palavra algo (Iluminuras, 2016) – livro que lhe concedeu o
segundo lugar no Prêmio Jabuti 2017. A metáfora dos dados pode ser encontrada
no poema “Lances” em que mostra como Collin utiliza as palavras para “cumprir o
poema”: “dado que nos poreja / cumprir o poema / sagrar sua sorte/de verbos em
chamas”. Sua poesia – apesar de cerebral – estabelece essa conexão com o
improvável, o que lhe garante maior liberdade para compor seus versos:
dado
que é sem doutrina
jogo de emblemas
ondulação das cortinas
que tudo a voragem
do início
e os sons feito fossem azes
estilando
o âmago desimpedido
de um
esplêndido
algo.
Seu único comprometimento é com a poesia, ela mesma enquanto
fluxo constante, como escreve em “Tule”: “assim aqui não se traceja perguntas / que
os passos da dança são um jorro / as falas são manjar e reeditam / o script que a
vida assina”. Esse diálogo com o inconsciente – de onde sai o jorro de
significantes – é o material primordial da poeta, que assume sua escrita
enquanto tessitura imaterial. Em “Firmamento”, ela nos dá a indicação:
o
espantadiço gosto da memória
cristal de confeitaria
adorno de sèvres longínquo
faz
desfilar aqui não só os mortos
mas as tessituras abortadas no algo que têm
de
farelos
de abstração
de incongruência.
A poeta e escritora curitibana deixa entrever em A palavra
algo a sua clave do poético. Seu livro nos fala da construção da linguagem –
seu cerne – e nos mostra a ficcionalidade do poema. Toda poesia é ficção. No
poema “Óbvia”, Collin nos lembra disso: “a flor é forma de flor / que o poema
vê / intenta / namora / cogita / grita com uma voz parecida / mas que nunca chega a ser
voz de flor”. Ficção onde mais esconde do que mostra sua intencionalidade, como
nos lembra em Atinências: “existem coisas que eu digo/no meio das coisas que
escondo / (...) / resistem horas inteiras / em meio a meio minuto”.
A poesia gravita em sua própria lei. Em “Desenlace”, Collin
escreve sobre a inevitabilidade da escrita: “tentei escapar daquele areal por
dentro / mas a palavra era oblívio / (...) / tentei escapar daquele terremoto por
dentro / mas a palavra era limbo”.
Poesia como limbo, limite do que é passível de ser dito. Em “Jim Said”, a poeta afirma: “a poesia é metal precioso é metal nobre/agarrado aos
detalhes e ao insubmisso”. Em A palavra algo, Luci Collin flerta com o corte
incisivo do poema ao mostrar que toda poesia é artifício do real.
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