O blues inútil para Kublai Kan e útil para o mercador de fato preto
Por Wagner Silva Gomes
Na obra de
Sérgio Blank, poeta que publicou os seus seis livros em 2011 compilados n'Os dias ímpares, é visível o estilo pop condicionado a
"um freezer no lado esquerdo do peito" - para citar um verso do poema de A
tabela periódica (1988 -1993) -, condicionado a "Luz para o
olhar", a "Os olhos do espelho", de seu dia útil e "estilo
de ser assim, tampouco" (1980-1984).
Seu lugar de
poeta é um hiato, uma "chama rival na mesma VÍRGULA um toco" de onde
diz do "Azul o vermelho o amarelo": "posso pontilhar todo um prisma / eu
e meus olhos e meus pleonasmos". É o pop de "o sucesso no
isqueiro / gang de fumaça azul e cinza". Se os dias que passam no prisma dos
olhos são aparentemente mesmices, Sérgio nos mostra que o que sai da fumaça
azul e cinza e ele pode revelar é algo digno do mercador e explorador veneziano
Marcopolo, que convocado por Kubai Klan, imperador mongol, não sabe se como
preso ou como conselheiro, mas cuja "guimba em Vitória" é de um
gangster pop cuja sabedoria provinda das águas pode fazer que gangues levantem
fumaça e sumam para que reine a poesia, como um projétil do céu que faz
florescer o chão pode ser o pop embalado na chuva simples. Por que a Vitória em
uma guimba não é uma Vitória sem dono, sem preço, e sem marcas, em Blue Sutil
parece imperar esta guimba descrita acima, tirada daquela velha guimba de outro
livro (A tabela periódica, 1988-1993), e que faz fumaça no azul da
poesia pura na crônica do dia, como se o peso da guimba não mais existisse e a
vida estivesse cem por cento cotada pra gente aproveitar.
Sérgio Blank
nos mostra em Blue sutil (2019), seu sétimo livro, a poesia
oral de quem conta a alguém o que vê. "Ouço o vendedor de quebra-queixo e
seu improviso de jazz", diz ele, mal sabendo quem ouve que ele próprio é
um mercador que tem em alta conta as raridades culturais que encontra, à vista
de todos mas difíceis de valorar na sua valia poética. Porque: "morar no
subúrbio permite a possibilidade de certas regalias". Quem ouve o poeta
não tem certeza de quem seja ele, nem que é um poeta. "E meu coração
suburbano coleciona pontos-de-interrogação".
Conta ele
sobre o relicário que viu na solidão perdida dos novos tempos: "Tirei
a solidão que estava guardada na gaveta e lavei. Esfreguei a solidão no tanque
com sabão de coco. Coloquei a solidão no varal do quintal e está quarando ao
sol. O vento levanta a saia da solidão".
Kublai Klan
ouve e fica curioso em saber que solidão é essa. Ele tortura Sérgio porque acha
que ela está com ele e a quer. Ele está certo, ela está com o poeta. Mas não
está com ele como pensa um imperador. Kublai Klan não está preparado para a
solidão de Blue sutil.
Mas alguém
que estava preparado observa escondido, é um moleque que é cria na vivência das
ruas. Ele diz pensando: "vi poucos silêncios tão belos. E nem sempre que vi pude
ver com tamanha clareza. Será o céu a maior joia que temos? Ou o mar?" A quem
Sérgio conta o que viu? Ainda procuro esse ser humano. Nestes dias de calor à
flor da pele esse blues é mais que útil.
O moleque
sai à rua e não quer mais fazer parte de nenhuma gangue. Ele está com Blue sutil e vê: "A padaria do bairro vende sonhos feitos por encomenda. Senti
um gosto de infância interrompida no pão doce." Porque um amigo chega pra
lembrar que eles não têm dinheiro.
Mas o amigo
também tem Blue sutil e diz: "Tenho por hábito colecionar gentilezas
recolhidas no cotidiano. Guardo no bolso da camisa um punhado de poemas para
cada susto que a vida oferta. Esse é o meu maior e mais caro segredo. E talvez
meu pecado de estimação".
Os garotos
vêem em Sérgio um guru e comungam com ele do "freezer no lado esquerdo do
peito". Registram a marca de um novo azul blues útil em segredo e está
bombando mais que em Breaking Bad. Eles formam uma gangue que vende a luz que
mela o dia, produzida com o hiato de Sérgio em Estilo de ser assim,
tampouco com epígrafe de Luiz Melodia, e então eles "largaram um
toque no mundo / que tudo acaba / mas não passou de ilusão, ilusão, ilusão".
Em sua gangsta que destronou Kublai Klan e que vai destronar o pop imperialista
tem: Mano Brown, Jhon Conceito, Emicida, Jânio Silva, Sérgio Vaz, Juplin Jones,
Marcelo D2, Lucas Benevides, Skunk, Jorge Nascimento, Bnegão, Baco Exu do
Blues, Ira, Ferréz... e eu, que também vivi com o blue sutil.
As
cidades invisíveis de Ítalo Calvino reveladas por Sérgio Blank no que diz
respeito a ordem do dia é realidade nos espaços onde se reivindica a poesia
como projeto urbanista. Diz o poeta: "Risque o meu nome do Mapa". Seu
nome é o de uma rua e é mais importante que exista outra, então, que seja
riscado. Que a rua seja medida com a sílaba métrica do verso para que Blue sutil vire um blues útil, onde está o hiato de Sérgio, onde
estão os moleques reunidos. "A cidade insiste com seus morros à parte / eu
visto um fato e busco o sereno", já dizia em VÍRGULA (1993-1996). O fato é preto e um deles é o de Luiz melodia, que vê o blues
chegar na rua útil e sutil sobre o azul.
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