Notas à Borda dos Noventa: aprendendo a escrever menos
Por Donald Hall
Donald Hall,
que faleceu em junho de 2018 aos 89, foi um prolífico poeta, ensaísta e editor
cujo trabalho teve enorme impacto nas letras americanas. Foi o primeiro editor
de poesia do The Paris Review e serviu aos EUA como poeta laureado. A sua Art
of Poetry Interview apareceu na edição de Outono de 1991 da publicação
referida. Antes de morrer, compilou um último livro de ensaios, A Carnival of
Losses: Notes Nearing Ninety [Um Carnaval de Perdas: Notas à Borda dos Noventa],
um excerto do qual aparece abaixo.
Quando tinha
dezesseis anos de idade, eu lia dez livros por semana: E.E. Cummings, William
Faulkner, Henry James, Hart Crane, John Steinbeck. Pensava que progredia em
literatura ao ler mais e mais rápido – mas ler mais é ler menos. Aprendi a
desacelerar. Trinta anos depois, em New Hampshire com Jane, eu ganhava a vida
com freelas de escrita o dia todo, então lia livros apenas à noite. Li Declínio
e queda do Império Romano e seis imensos volumes das cartas de Henry Addams. Li
os romances tardios de Henry James sem parar. Depois que Jane morreu, continuei
a ler livros, primeiramente apenas escritores sanguinários e violentos como
Cormac McCarthy. Hoje, sou quarenta anos mais velho do que Jane jamais foi, e
me dou conta de que não termino de ler um livro em um ano.
Um atleta
torna-se profissional aos vinte. Aos trinta, está mais lento, porém mais sagaz.
Aos quarenta, deixa para trás a identidade para a qual nasceu e que o
sustentou. Ele se abranda aos cinquenta, sessenta, setenta. Qualquer ambicioso
que vive para ficar velho ou de fato velho sofre a inevitável perda da
realização de suas ambições. Estando em uma casa de repouso em Hollywood para
encontrar um amigo, presenciei uma bela senhora de idade em uma cadeira de rodas,
irreconhecível, saltar em êxtase quando caminhei em sua direção. “Uma entrevista!”,
ela disse. “Uma entrevista!” O escritor geralmente trabalha até tarde na vida.
Quando tinha oitenta, ainda realizando frequentes leituras de poesia, o público
levantava e aplaudia quando eu terminava, e continuava a aplaudir até que os
fazia calar. É claro que eu ficava para autografar livro atrás de livro e
retornava ao hotel compreendendo que eles aplaudiam tanto porque nunca mais me
veriam.
Suponhamos
que eu seja o bordo de um século e meio lá fora depois da varanda. Quando o
inverno dá caminho à primavera, eu empurro para fora minúsculas folhas, que gradualmente
frisam-se verde-amareladas, então alargam-se, tornando-se mais escuramente
verdes e florescendo pelo verão. Em setembro, manchas de laranja infiltram-se no
verde, e outubro torna as flores lindamente laranjas e vermelhas. As folhas
caem, esvaziando os ramos, e, em dezembro, apenas algumas permanecem. Em
janeiro, as últimas sobreviventes desmoronam sob a neve. Estas folhas negras
são as palavras que escrevo.
Naquela
época, eu escrevia todos os dias, levantando-me às cinco. No presente, ergo-me
irregularmente às seis ou contorço-me na cama até as sete horas. Bebo café
antes de pegar uma caneta. Passo os olhos pelo jornal. Tiro uma soneca.
Levanto-me para um almoço de crackers e manteiga de amendoim, seguido por mais
exaustão. À noite, assisto ao baseball na televisão, e, entre as entradas, percorro
o New York Times Book Review. Rolo a noite toda. Café da manhã. Café.
Quando Jane
era viva, nosso cão Gus precisava passear todos os dias. Jane o levava quando
acordava, sentindo-se sonolenta antes do café da manhã. Quando saíam, levantava
minha mão da página, acenando até logo. Ao meio-dia, almoçávamos e tirávamos
uma soneca, e então eu passeava com Gus. Em meu carro, levava-o até New Canada,
a estrada de terra próxima à nossa casa, e estacionava onde a pista única se
ampliava. Caminhávamos sobre a terra batida, não por muito tempo pois eu queria
retornar ao manuscrito. Quando alguém agora traz um cachorro à minha casa,
embarrico-me em uma cadeira grande. Um cachorro atento me quebraria o quadril.
Louise é
minha gata. Dez anos atrás, sua vigorosa irmã Thelma espremeu-se para fora da
casa e descobriu a Route 4. Minha assistente Kendel cavou um buraco, e
colocamos meio barril sobre o túmulo para impedir que animais famintos
degustassem um petisco de Thelma. Louise é passiva, tímida demais para
esvair-se por uma porta aberta. À noite, quando assisto à MSNBC, ela me aporrinha
roçando meu joelho, mas nunca me derruba.
Esforçando-me
para pagar a hipoteca aos tardios setenta e oitenta anos de idade, em alguns
anos publiquei quatro livros. Agora me custa um mês para terminar setecentas
palavras. Aqui estão elas.
* Tradução
livre de Guilherme Mazzafera a partir do original “Notes Nearing Ninety: Learning to Write Less”, publicado no The Paris Review em 8 de agosto de 2018.
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