Nadando de volta para casa, de Deborah Levy
Por Fernanda Fatureto
O passado, em alguns casos, carrega uma carga pesada demais.
Superar os fatos e seguir em frente é uma decisão individual. Encontrar as
respostas do que se viveu na poesia pode ser uma saída plausível para suportar
a dor, mas nem todos conseguem sublimá-la. É o que acontece em Nadando de volta
para casa – novela da escritora britânica Deborah Levy publicada no Brasil em
2014 pela Editora Rocco.
O enredo conta a história do poeta inglês Joe Jacobs, de sua
mulher Isabel Jacobs e de sua filha Nina ao passarem as férias numa casa
alugada da Riviera Francesa. Em um dia de sol na piscina, encontram uma intrusa
nadando: Kitty Finch, uma jovem botânica aspirante à poeta chega sem avisar
enquanto a mulher de Joe a convida para ficar. Mas Kitty estava à procura do
famoso poeta. Ela veio lhe mostrar seu poema – Nadando de volta para casa.
Kitty Finch nascera em Londres e passou alguns meses internada por uma crise de
ansiedade. O passado de Kitty era pesado demais para Joe Jacobs acertar.
A jovem botânica acreditava que todos os livros escritos por
Jacobs comunicavam secretamente com ela. Na relação dos dois poetas, havia
flerte e medo. Joe Jacobs passa as férias evitando Kitty, dizendo não ter lido
seu poema. Mas o que ele temia é que ela acessasse suas emoções mais profundas
e isso o fizesse vacilar.
Joe Jacobs teve uma infância difícil, foi abandonado pelos
pais ainda criança. Sua escrita era um diálogo com esse trauma, a busca pela
arte era uma maneira de suavizar os pontos obscuros. Kitty Finch também se
servia da arte para sobreviver a uma depressão que a consumia. “O poema
“Nadando de volta para a casa” era feito principalmente de etcs; ele tinha
contado sete deles só em uma metade de página. Que tipo de linguagem era essa?
(…) “Aceitar a linguagem dela era aceitar que ela o tinha, ao seu leitor, em
grande estima. Ele estava sendo solicitado a compreender o que ela estava
dizendo, e o que ele compreendia era que todo etc. escondia algo que não podia
ser dito”, reconhece o narrador em dado momento.
A partir deste ponto, Deborah Levy constrói uma narrativa
que busca entender o significado da literatura, portanto da poesia, a partir do
ponto de vista dos próprios autores. O que aconteceu para que alguém começasse
a escrever ficção? A ficção é capaz de dar suporte à vida? Parecem ser as
perguntas centrais do livro.
“Cada momento com ela era uma espécie de emergência, suas
palavras sempre diretas demais, cruas demais, verdadeiras demais. Não havia
nada a fazer quanto a isso exceto a morrer”, observa certo momento a narrativa
como se todo autor tivesse que se mergulhar em demasia. A novela de Levy traz
ao máximo a discussão da urgência de vida ou morte que cada escritor estabelece
para si em sua escrita. Joe Jacobs diz para Kitty Finch: “É desonesto me dar um
poema e fingir querer minha opinião quando o que você realmente quer são razões
para viver. Ou razões para morrer.”
As razões que levam um autor a fundar sua própria partitura
criativa são inúmeras. No caso de Joe Jacobs, era tentar prolongar a vida um
pouco mais até onde sua melancolia suportasse. Mas o envolvimento com a jovem
aspirante à escritora o desestabiliza e o faz retornar ao grau zero de seu
passado.
Em uma certa manhã Joe Jacobs não suporta mais. A tragédia
se anuncia. Era isto o que Kitty Finch tentava alertar ao poeta, como afirmara:
“Eu sei o que você está pensando. A vida só é digna de ser vivida porque temos
esperança de que vai melhorar e de que vamos chegar em casa sãos e salvos. Mas
você tentou e tentou e não chegou em casa são e salvo. Você simplesmente não
chegou em casa. É por isso que eu estou aqui, Jozef. Eu vim para a França para
salvá-lo dos seus pensamentos.”
Algumas vezes a arte salva, em outras é preciso desejar ser
salvo. Neste jogo entre o desejo de escrita e o desejo pela própria
sobrevivência é que o livro de Deborah Levy se constrói. A narrativa se encerra
com um flashback da filha Nina, dezessete anos depois: “Da próxima vez que eu
estiver sentada num ônibus atravessando a London Bridge e a chuva estiver
caindo nas chaminés da Tate Modern, preciso dizer ao meu pai que quando eu leio
biografias de pessoas famosas só me interesso quando elas escapam de suas
famílias e passam o resto da vida superando este fato.” E conclui: “É por isso
que quando eu dou um beijo de boa noite na minha filha e desejo que ela tenha
bons sonhos, ela entende que o meu desejo é de bom coração, mas ela sabe, como
todas as crianças sabem, que é impossível os pais determinarem como devem ser
os nossos sonhos. Elas sabem que seus sonhos precisam levá-las além da vida e
depois trazê-las de volta.”
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