Os muitos Eliot
Por José Luis Rey
T. S. Eliot
(1888-1965) nasceu em St. Louis, no Estado de Missouri. Ingressou em Harvard em
1906 e foi discípulo de Irving Babbitt. Aí também recebeu a influência do
antirromantismo então em voga em Havard, da filosofia de Santayana e se uniu ao
entusiasmo de certos círculos da universidade pela poesia isabelina, o Renascimento
italiano e a filosofia mística indiana. Escreveu um longo trabalho de conclusão
de curso sobre o filósofo F. H. Bradley, cuja ênfase na natureza privada da
experiência individual teve peso considerável no imaginário criativo eliotano.
Mais tarde,
o poeta estudou literatura e filosofia na França e na Alemanha, antes de ir
parar na Inglaterra no início da Primeira Guerra Mundial. Estou filosofia grega
em Oxford, ensinou numa escola de Londres e obteve o posto no Banco Lloyd’s. Em
1915 se casou com a escritora inglesa Vivienne Haigh-Wood, casamento condenado
ao fracasso que se refletiria, por exemplo, em A terra devastada, seu célebre livro de 1922.
Depois de uma estadia num sanatório suíço, Eliot retorna ao país que escolheu
viver, não sem antes ficar em Paris o tempo suficiente para entregar a Ezra
Pound o manuscrito de A terra baldia.
Pound faria uma leitura e uma revisão essenciais para o resultado final do
livro, ganhando o título de melhor
artesão.
Eliot abandonou
Vivienne em 1933. Ela permaneceu reclusa num sanatório até sua morte em 1947.
Dez anos depois, o poeta voltou a se casar e desta vez se diz que o casamento
foi feliz. Era com sua secretária Esmé Valerie Fletcher.
A produção
pública de Eliot começa com resenhas literárias e filosóficas em periódicos como
Athenaeum ou no suplemento literário
do Times. Também foi editor da
prestigiada revista Egoist entre 1917
e 1919. Em 1922 fundou a influente Criterion.
Suas
primeiras obras poéticas aparecem em 1915, quando a revista de Chicago Poetry publica “A canção de amor de J.
Alfred Prufrock”. Precisamente seria este, junto com outros poemas, o material
de seu primeiro livro, Prufrock e outras
observações, aparecido em 1917 ao que se seguem novas edições em 1919 e
1920. No final de 1922 aparece A terra
devastada, livro que revolucionou a poesia inglesa de seu tempo, justamente
no mesmo em que se publicam Ulysses
de James Joyce e o Tractatus de
Wittgenstein.
Em 1925 começa
a trabalhar na editora Faber, da qual chegaria a ser diretor e dois anos depois
consegue a nacionalidade britânica e se junta à Igreja da Inglaterra.
Num ensaio
sobre Os poetas metafísicos, de 1921,
destacou como o poeta é um ente “abrangente, alusivo, indireto, para forçar,
deslocando-a se for preciso, a linguagem até seu significado”. Frente aos
poetas georgianos, ativos quando ele se fixa em Londres, propôs uma renovação
poética que rompia com os modelos exauridos e sem originalidade. Sua poesia
queria, e conseguiu, ser mais sutil, mais sugestiva, mais precisa no fim. Havia
aprendido do imaginismo a necessidade de usar imagens objetivas e de T. E.
Hulme e Pound que importava mais o poema que a personalidade do poeta.
Mas também
busca o engenho, a alusão, a ironia. Os poetas metafísicos ingleses o confirmaram
neste caminho: neles havia visto que era possível unir engenho e paixão. Do
simbolismo francês, especialmente de Laforgue, herdou a imagem sugestiva, capaz
de ser ao mesmo tempo precisa e sugestiva e de interrelacionar-se com as outras
imagens do poema. Conseguiu, assim, uma combinação de precisão, sugestão
simbólica e ironia absolutamente moderna, na linha do já citado Laforgue, mas
ainda de Rimbaud ou Mallarmé.
Apesar da
sua recusa a Shelley e do Romantismo em geral, não é possível negar totalmente certo
aspecto romântico de Eliot: seu interesse pela evocação e a sugestão, patente
em imagens com as que aludem à “menina dos jacintos” ou “o jardim de rosas”,
poderia qualificar-se como romântica. Mas é certo que a modernidade de Eliot é
herdeira mais dos autores antes mencionados, especialmente dos simbolistas franceses.
A novidade
que se mostra na primeira produção poética reside na supressão de todos os
elementos lógicos e conectivos, a primazia da sobreposição de imagens, cujo
sentido específico e certamente uma de suas referências tangenciais evoca
obras-primas da literatura universal, sobretudo a Divina comédia de Dante. Assim, segundo M. H. Abrams, A terra devastada constitui uma série de
cenas e imagens onde não intervém a voz do autor, mas cujas implicações e
resoluções se desenvolvem mediante numerosos contrastes e analogias, somados a
incógnitas citações literárias. Nesta obra já clássica Eliot refletiu mediante
uma montagem absolutamente nova a decadência de seu tempo e a exausta situação
moral da Europa, abrindo o caminho ao futuro existencialismo.
A primeira
poesia de Eliot gira sempre em torno à terra
devastada. Sua conversão ao anglicanismo o fará dar um giro em sua obra em
busca do espiritual, surgindo então o tópico de duas faces do poeta: o inovador
e o vanguardista de A terra devastada
e o conservador e classicista de Quatro
quartetos. Agora, o novo Eliot se interessa pelas questões religiosas e suas
fronteiras, como a relação entre tempo e eternidade, tão presente no livro de
1943, esperando o momento da epifania e da revelação em meio à passagem do
tempo humano. Agora, a linguagem de Eliot se acalma e se continua sendo alusiva
e sugestiva reduz seus elementos provocativos, próprios da fase anterior.
T. S. Eliot
obteve o Prêmio Nobel em 1948, o que confirmou sua presença como a figura central
do cânone poético em língua inglesa. E há que destacar, além de vários Eliots, certo
tom puxado para o humor e a precisa visão poética do mundo, este ora desolado,
ora povoado por seres humanos sem esperança e paisagens urbanas herdadas de
Baudelaire e que ele ajudou a fixar como lugar próprio da poesia do século XX.
Chegar ao núcleo da poesia de T. S. Eliot
Por Pedro Fernandes
Apesar de
nem uma milésima parte da extensa obra de T. S. Eliot está disponível no Brasil
em língua portuguesa, sua poesia não é rara, nem escassa a nós. Antes de Poemas, a edição publicada pela Companhia das Letras no final de 2018, chegou
a ser reeditada por aqui a antologia Collected
poems (1909-1962), que reúne seus principais títulos e foi apresentada na
Inglaterra dois anos depois da sua morte. As traduções eram de Ivan Junqueira.
À maneira
desta antologia aqui intitulada Poesia
é a obra organizada por Caetano W. Galindo. O arguto tradutor, entretanto, tem
outras fontes e amplia significativamente a presença do poeta português entre
nós. Atualmente tem sido publicada na Inglaterra, como informa o próprio
tradutor no posfácio a Poemas, uma
obra que cobre “todos os poemas em versões filologicamente confiáveis”: são
dois volumes que “fornecem um aparato aprofundado e definitivamente imprescindível
de notas e comentários críticos” e às quais visitou continuamente para
organização de seu trabalho.
Por isso, o
leitor tem neste livro uma visita, apesar de pessoal como é toda antologia, ao núcleo
da poesia de T. S. Eliot, por ser uma visão mais abrangente da obra do poeta
inglês. As escolhas do antologista privilegiam toda a obra publicada em livro
quando em vida do poeta e dão uma visão de maior alcance sobre a variabilidade,
a criatividade e os tons da sua poesia. Isto é, além de Profrock e outras observações (1917) e A terra devastada (1922), publicados na íntegra pela primeira vez no Brasil, estão Quatro quartetos (1943) aos quais se acrescem Poemas (1920), Os homens ocos
(1925), Quarta-feira de cinzas
(1930), Poemas de Ariel (1927-1954) e
O livro dos gatos sensatos do Velho Gambá
(1939).
Das imagens que
formam a grandiosidade de Eliot na lírica moderna, assinaladas no texto
anterior, não deixará de faltar outra, muito visível em Poemas: a do poeta em busca da eternidade. Todo seu esforço na lida
com a palavra resultou em, com os cacos da imperfeição, alcançar a perfeição, o
que se revela como pura impossibilidade. Por este trabalho do zelo com o feitio
do poema passa ainda o interesse de conseguir unir duas pontas inconciliáveis
de uma mesma ordem, a tradição e o talento individual. Daí a alternativa de construir
uma poesia inteiramente marcada pela presença de outras vozes, sem se importar
se o novo produto resultasse numa sinfonia cacofônica. Terá descoberto, ao acaso,
com isso, a fórmula principal que alimentará toda uma geração de poetas e até
hoje uma das lições fundamentais sobre a poesia: poesia é tensão e desconcerto.
Por sua vez, o poema deve ser o campo no qual tudo se equilibra para a
sustentação de tais forças.
Ligações a esta post:
* “Os muitos
Eliot” é a tradução livre de “Los muchos Eliot”, publicado primeiramente em
InfoLibre.
Comentários