Os melhores de 2018: prosa
– Tirza, de Arnon Grunberg.
A obra do
escritor holandês, tenho comigo levará o lugar entre as melhores leituras de
qualquer lista minha. Na lista de 2017 dizia do quão significativa foi a descoberta
de sua obra; e a prova disso não está apenas na aquisição de tudo dele
traduzido por aqui, foi a leitura quase sequencial de outro romance seu
publicado recentemente pela Rádio Londres. A vida que se esconde no subsolo.
Esta é uma definição acertada para Tirza.
Este é um romance que volta a algumas das obsessões do escritor, sobretudo
aquela que poderíamos designar como o impasse entre culturas num estágio da
civilização ocidental em que essa se vangloria de que as relações globais é sua
maior conquista depois de instaurada as fronteiras de nação e de identidade
nacional. Mas, nele, o holandês se debruça a investigar o complexo das relações
de posse imposto por um modelo familiar segundo o qual os pais têm sobre os
filhos uma responsabilidade desmesurada de prepará-los para mundo e em parte
alimentados pelo desejo de não perecerem, no futuro, do abandono e do
esquecimento. Tudo neste romance servirá ao jogo de velar e revelar. São raros
os escritores de nosso tempo capazes de traduzir com tanta firmeza a barbárie
de nossa civilização. E Arnon Grunberg é um deles. Leia mais aqui.
– Nenhum olhar, de José Luís Peixoto.
Este é outro
nome na minha listinha nem um pouco breve; ele está também no mesmo rol dos preferidos
recentes, embora ao contrário de Arnon Grunberg já seja um conhecido de longa
data – a bem da verdade, desde quando recebeu o Prêmio José Saramago em 2001. Em
2017 uma obra sua também estava entre as minhas melhores leituras do ano e para
já esta outra, que não é exatamente de 2018 – foi com ela que o conheci – mas
que ganhou reedição no Brasil pela Dublinense agora quando há muito estava
esgotada. Em Nenhum olhar,
uma ordem semântica patente desde este título, impera integralmente: toda
ausência de perspectiva. Tudo parece preso a uma mesmidade, da atmosfera árida
e sempre abrasadora às ausências de saída, como sublinhamos, das personagens.
Nesse universo em espera a única força que mesmo determina a própria
existência ou o apagamento dela é, voltamos a dizer em gesto de conclusão,
a da escrita. O romance, ao passo que recupera o princípio de Mallarmé de tudo
existe para acabar num livro, também o nega: se tudo perece, então mesmo livro
não é uma condição de eternidade. Leia mais aqui.
– Até que as pedras se tornem mais leves que o
água, de António Lobo Antunes
Este é,
possivelmente um dos melhores romances do escritor português que é um mago da
escrita e figura revolucionária da narrativa depois de William Faulkner.
Com Até que as pedras se tornem mais
leves que a água, o escritor estabelece estreito diálogo com a tragédia
grega. Embora todo o passado das vozes que se atravessam e dão tessitura à
obra, o do oficial, do africano, da mulher com pedras nos rins, da filha, há apenas
um episódio central que é a matança do porco e a reunião da família em torno
dessa celebração. Este episódio, aliás, abre a obra como se um prólogo e nele
contém a possível história que levou à situação relatada, quer dizer, às
situações possíveis. No mais, toda a obra se constitui do embate de vozes como
se fosse seu interesse produzir no leitor uma posição sobre a condição das
figuras principais da tragédia. É impossível não permanecer com a ideia formada
desde o início de sua obra: a de que não estamos diante de uma escrita
qualquer, mas de um caudaloso rio que nos invade por toda parte. Leia mais aqui.
– Desta terra nada vai sobrar, a não ser o
vento que sopra sobre ela, Ignácio de Loyola Brandão.
É um livro
que ainda tem resistido à possibilidade de escrever sobre ele para este espaço.
Mas é uma das criações mais assombrosas da ficção brasileira de 2018 e por uma
razão um tanto perturbadora, esse universo ficcional parece uma fotografia da
nossa triste condição a partir das novas e questionáveis decisões que tomamos;
é bom que se diga que este é um romance nascido, muito antes de tudo que está aí.
A narrativa de Desta terra nada vai
sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela é – e aqui copio a sinopse
apresentada pela Global Editora, sabendo que o livro que mais o que ela diz –
sobre um futuro indeterminado, em que, ao nascer, todos recebem tornozeleiras
eletrônicas, são seguidos, vigiados, fiscalizados por câmeras instaladas nas
casas, ruas, banheiros. Nesta terra estranha, e ao mesmo tempo tão próxima de
nós, a peste se tornou epidemia que dissolve os corpos. A autoeutanásia foi
legalizada para idosos. Para o governo, quanto mais longevos morrerem, melhor.
Circulam os comboios de mortos das mais variadas doenças. Os ministérios da
Educação, Cultura, Direitos humanos e Meio Ambiente foram extintos. As escolas
foram abolidas. A política, matéria rara, se tornou líquida. Coexistem 1.080
partidos. E ninguém governa verdadeiramente. Uma nação moderna, mas arcaica. No
meio disso tudo, conhecemos o desenrolar da história de amor entre Clara e
Felipe, conturbada como o mundo em que vivem.
– A aranha negra, de Jeremias Gotthelf.
Esta novela
já clássica está entre as boas descobertas do ano e reafirma o valor que carrega
algumas obras literárias e o quanto isso implica na nossa experiência de leitura
e compreensão do mundo. Utilizando-se do pressuposto criativo que remonta aos
textos fundadores do cânone ocidental, A
aranha negra, se constitui por duas narrativas que são inseridas no âmbito
da narrativa principal a partir de uma das personagens; a composição tem sua
implicância, mas em Gotthelf ela é a pedra angular da novela, visto que, o
elemento central que a intitula deriva dessas histórias. O leitor encontra aqui
ora uma crônica de costumes: o narrador observa todo o envolvimento de uma
família e de uma comunidade rural no rito de um batizado – dos preparativos da
comida e da bebida ao batismo, deste acontecimento à reunião de celebração dos
familiares e habitantes do vilarejo – ora uma narrativa de exemplo, uma vez que
é a partir desse cotidiano que a personagem discorre como a ordem é desde
sempre a porfia de uma longa conquista. Leia mais aqui.
– Kyra Kyralina, de Panaït Istrati.
Esta é outra
descoberta, entre as obras clássicas, fundamentais de 2018. Há muito fora de
catálogo no Brasil, esta obra foi resgatada pela editora Carambaia. Quanto mais
buscarmos a liberdade mais estaremos distantes dela. Esta é uma síntese
possível sobre este romance do escritor romeno, se nos for dada a oportunidade
de desviar o olhar desse título. Aliás, se permanecermos presos às palavras que
nomeiam o romance, conseguiremos cair na cilada armada pelo escritor quando
prefere esta e não outra possibilidade de chamar sua obra. A artimanha não é gratuita.
Ela participa da criação da atmosfera da narrativa; tem a ver com a própria
condição da personagem principal – que não é, primeiro engano, a designada Kyra
Kyralina. Riquíssimo universo, em todos os aspectos; uma visita a lugares vivos
apenas na imaginação e um aprendizado dos mais doces sobre eles. Leia mais aqui.
– O anel do general, de Selma Lagerlöf.
Foi o acaso
que me colocou a obra da escritora no meu caminho. Traduzia um texto que foi
publicado aqui sobre a amizade entre Selma Lagerlöf e Nelly Sachs, outro nome
que pretendo conhecer algo nas leituras futuras, quando vejo a existência de
algumas de suas obras no Brasil. Uma obra tão rica, merece um melhor tratamento
das editoras. À maneira de Jeremias Gotthelf, O anel do general colocou-me em relação com um amplo, diverso e
inquietante universo. Selma Lagerlöf também se embebeu e foi embalada pelas
histórias de seu povo e delas forjou alguns dos motivos de suas obras; no caso
dessa novela, não são as narrativas sobre o mal e sim sobre fantasmas, cuja
gênese remonta a um mistério ora tornado preocupação ora reflexão universal
desde sempre – a morte. Leia mais aqui.
– O garoto do riquixá, de Lao She
Possivelmente
este romance se integra na ampla lista das produções literárias no Oriente que
receberam os refluxos das desse lado do globo. O tema e a escrita de Lao She em
nada deixa a desejar do exercício de um Émile Zola, um Balzac ou mesmo um
Charles Dickens, para citar três importantes nomes da literatura Ocidental que
elegeram a periferia o reduto principal para os dramas de seus romances,
descortinando a miséria e a luta do homem por driblá-la em oposição ao mundo
mais ou menos fixo de uma elite burguesa. E com um feito: apesar de a narrativa
de O garoto do riquixá se
desenvolver na Beijing de início do século XX, os conflitos ajustam-se
perfeitamente a qualquer contexto ou temporalidade, se observarmos que os
quadros de exploração do homem sobre o homem só se mantiveram quando não se
agravaram no decorrer da modernidade. Embora, é claro, o interesse do
romancista é por estabelecer um retrato vivo e comovente sobre as
transformações sociais e o agravamento da periferia quando da entrada de seu
país nesse tempo cujas forças ainda não amainaram. O romance de Lao She se
aproxima daqueles clássicos que investiram em criar um retrato acerca do homem
preso entre o destino e a luta de não perecer ante ele; luta que, depois dos
embates entre classes passou a ser entre o homem e ele próprio, o destino
responde por um aqui e agora determinado em grande parte pelas relações
construídas no interior da história. Leia mais aqui.
– O imoralista, de
André Gide.
Toda a narrativa deste romance acompanha a errância do casal Michel-Marceline
e as tentativas dele para comprar-lhe a felicidade – ou à sua própria.
Enovela-se com a fantasia de mundo habitado todo ele por uma atmosfera que
beira ora ao sentimento de angústia, enfado pela repetição de tudo e seu
contínuo esvaziamento de sentido, ora por uma sensualidade libertina. Por
vezes, é só luxúria o que este errante observa; obcecado pelos corpos dos
homens rudes, de mancebos, encanta-se pela beleza da força, a determinação de
viverem, a rudeza dos gestos, padece-se pelo sofrimento do trabalho pesado,
respira seus suores – esta seria toda a liberdade e toda a felicidade de
Michel. É seu exercício de descobrir o que chama ser autêntico. Tudo
neste romance repousa entre uma contenção e uma distensão e isso se nota não
apenas na variabilidade de formas e de atmosferas captadas pelo olho e os
sentidos dessa personagem, como pela ascensão de corpo, da inércia ao viço.
Gide descreve através dessa figura o reencontro – ou a tentativa – do homem com
o mundo, na sua variabilidade. Leia mais aqui.
– Enterre seus mortos, de Ana Paula Maia.
A escritora
brasileira também figurou nesta lista em 2017. Seu retorno aqui é por uma única
razão: apesar de não ser um leitor tão assíduo dos nossos – em parte por
escolhas, em parte pelo tempo e ainda por necessidades de trabalho –, duvido que
o nome de Ana Paula Maia não esteja em qualquer lista dos melhores escritores
da nossa literatura contemporânea. Enterre
seus mortos reafirma meu interesse por sua obra nascido com Assim na terra como embaixo da terra.
Novamente Ana Paula Maia toca em situações tão próximas de todos, mas que
somos, por pura incapacidade ou porque conscientemente negamos ver, colocados
muito à distância. Impossível continuar o mesmo depois da leitura desse
romance; por através dele, os mortos que negamos falam com o mais profundo de
nós: nossa consciência. Leia mais aqui.
– Bússola, de Mathias Enard.
Comecei a
ler este livro e passado umas trinta
páginas larguei. Mas não porque é ruim e sim porque preciso encontrar um lugar
no tempo distante de muita coisa – sobretudo da pressa – para sua leitura. Só
duas leituras me obrigam esse gesto, as da obra de António Lobo Antunes, figura
cativa nessas listas, e a de 10:04,
de Ben Lerner. Mais o motivo é diferente para os três. Mathias Enard lida com
sutilezas que obrigam o leitor à desautomatização para sua leitura, algo
semelhante ao escritor português; mas nesta o efeito é textual, naquele é nos
sentidos. É o estranhamento, esse elemento que tanto gosto numa obra, o que
motiva a presença dele nesta lista. Um dia, quem sabe, possa melhor expressar suas
nuances.
– 10:04, de Ben Lerner.
Com este
romance, Ben Lerner parece querer dizer que toda literatura é literatura do eu:
toda obra literária é produto de um movimento cujo epicentro é o próprio autor,
para recordar um texto de Laura Fernández que concorda neste mesmo ponto.
Sabendo disso, o romancista forja um narrador marcado pelas mesmas
características que embalam a existência dessa categoria no romance: o de ser
máscara, disfarce do autor. A diferença é que, como em toda metaficção, aqui o
leitor tem acesso ao que se passa na coxia ou aos movimentos da caixa de
máquinas desse sistema. O autor de 10:04 constrói
um romance que questiona ainda outros limites como o das relações entre ficção
e realidade, esta manifestada como uma sucessão invariada, uma vez se marcar
pela repetição e pela descontinuidade. Já o ficcional continua a ser o
resultado das manipulações ora propositais ora necessárias do autor. E o autor
deste romance escreve como alternativa de compreender-se nas engrenagens de um
tempo marcadamente complexo, um tempo de iminências paradoxais. Leia mais aqui.
– As últimas testemunhas, de Svetlana Aleksiévitch.
O principal
da obra de Svetlana Aleksiévitch é trabalho de reconstrução pelo lado de dentro
dos grandes horrores da história recente da humanidade. As últimas testemunhas relembram algo essencial que de tempos
em tempos nossa memória tende a tangenciar, que a história dos homens é a do
embate entre forças de poder e em nome delas, os que perecem são os que pouco
ou nada têm a ver com tais embates. Há entre os homens à frente dos poderes uma
cegueira alimentada por seus ódios e por suas convicções que os impede de ver
esses que sucumbem, os futuros que se apagam e os retrocessos que se impõem
quando se deseja a imposição de suas ideologias. A obra de Svetlana Aleksiévitch
é um apelo à memória em nome da humanidade. Leia mais aqui.
– As lembranças do porvir, de Elena Garro.
A escritora
mexicana foi reiteradamente condenada ao limbo: silenciada por Octavio Paz, seu
marido; silenciada pelos escritores do Boom Latino-americano, um movimento
formado apenas por homens; tornada invisível pela crítica acostumada apenas a
ver o que está na vitrine ou mesmo tomada pelos mesmos vícios do machismo que
segrega tantas outras Elenas. Mas, a boa obra pode ser resistência contra todas
as segregações. É o que As lembranças do
porvir, publicado no Brasil pela primeira vez e parte num amplo movimento
que visa estabelecer visibilidade para trabalhos como este a fim de introduzir
novas fissuras no cânone. Assim, As
lembranças do porvir é, sim, uma das primeiras obras da literatura do Boom,
responsável, inclusive, por apresentar alguns temas e obsessões das obras desse
movimento: quais sejam as reaproximações entre a narrativa literária com a
imaginação fabuladora chamada como realismo mágico ou realismo fantástico. É
mérito de Elena, inclusive, a figuração do passado-porvir de um Juan Rulfo, isto é, sua obra é uma constelação que
funda e rompe com os sectarismos da ordem batizada e reiterada como el Boom.
– O dom, de Vladimir Nabokov.
Este foi o
último livro que o autor de Lolita escreveu
em russo e nele se perscruta uma revisão de uma literatura que do contexto
referido por O dom só
ganharia maior consideração mundo afora. Reiteradas vezes se disse que aí está
um acurado panorama do universo literário russo. Mas esse painel não é dado
pela retomada apaixonada dos grandes nomes, mas pelo que de frágil se esconde
neles. Uma alternativa do próprio Nabokov em se imiscuir entre eles, qual
almeja Fyodor, a fim de ser um entre eles ou mesmo um maior que eles? Não de
ego que esse romance fala: é a de reconstrução de um lugar que nele se permita
a incisão do novo. Ao descortinar todos os bastidores da literatura, as
relações pessoais e intelectuais, o que nos é revelado é que, tal como escrita
e a inspiração se fabricam, os tais lugares no panteão também são produções
ideologicamente motivadas. Leia mais aqui.
– O retorno, de Dulce Maria Cardoso.
Dos romances
publicados em Portugal depois da Revolução, este deve figurar,
possivelmente, sempre que se pensar numa lista de obras essenciais desse
período, como um exemplo de como se constrói boas histórias, a partir de pontos
de vista diferentes dos usuais e como essas narrativas são sempre mais
autênticas que a verdade que nos contam como História. Já sobre o fim das
colônias e toda sorte de impasses daí decorrentes será sempre uma obra
principal – pela maneira despretensiosa, e, logo, natural e autêntica, de
tratar de um tema tão espinhoso e cujas sequelas ficaram em toda parte – se mais
profundas nos territórios invadidos não menos profundas no país colonizador,
sobretudo porque foi esta uma empreitada sustenta pela megalomania que obrigou
o povo português a pagar um alto preço. Leia mais aqui.
– Minotauro, de Benjamin Tammuz.
Benjamin Tammuz revisita alguns lugares do mito para dizer o quanto ainda seu
imaginário (determinado ou não) participa das nossas existências, para
bem ou mal. Isto é, Minotauro trata-se
de um romance que lida com parte delicada de nossa condição; a partir de um
tema tão recorrente na literatura (e nas nossas relações), sua narrativa
investiga sobre nossas angústias e, claro, como a ideia, aparentemente
banal (no sentido de uma morte daquele ideário romântico do
amor) estende suas determinações sobre temas tão distantes e
tão determinantes de nossa coletividades. Leia mais aqui.
– O Leopardo, de Giuseppe Tomasi di
Lampedusa.
Ainda que
distante contextualmente e temporalmente de culturas como a nossa, este romance
se mostra atual em pelo menos duas frentes: uma formal e estrutural, porque
apesar do tom pasteurizado de um romance clássico se apresenta alimentado pelos
trejeitos do que agora se designa como pós-moderno; e outra argumentativa, por
se propor ser uma terceira via no debate das transformações do poder de
domínio. Desprezando o tom fatalista recorrente ficamos sabedores de que
nenhuma revolução significará o que o nome diz se não desencadear a total
subversão de pontos de vista e de condições. Fora isso, estaremos condenados à
permanência e à espera. O tempo é indelével, mas suas forças são extremamente
lentas se considerarmos que nossas existências são apenas pequenos grãos na sua
engrenagem. Assim, é possível que nada mude se só adotemos o cômodo olhar contemplativo.
Ou, se mudar, seja apenas os nomes e as formas – enquanto a ordem continua a
mesma. Isto é, se o que queria Lampedusa era provar a permanência da ordem
dominante, findou por nos oferecer uma lúcida compreensão de que a tal
permanência depende exclusivamente da ausência de força dos que omitem à luta. Leia mais aqui.
– Alguns humanos, de Gustavo Pacheco.
Há muito que
não lia narrativas tão audaciosas e tão interessadas em colocar ao alcance do
leitor um agudo retrato de suas mais comuns, e nem por isso perceptíveis, condições.
Não é apenas isso, o escritor português aproveita do tema comum à literatura
contemporânea, ou pós-moderna como preferem uns, da autorreflexão para
introduzir novos elementos no já longo debate (mas não saturado) entre o lugar
da ficção e o da realidade – ver o conto que dá título a antologia. Consegue
assim atar duas (e há outras) das pontas principais da criação: a invenção e
uma crítica sobre nossos vícios, tão velhos porque quase os mesmos mas sempre
capaz de se ganhar novos e improváveis contornos. Este é o livro de estreia de
um escritor, mas perigosamente bom: porque é possível que depois nada venha de
melhor, como também é sempre possível que estejamos para ver o nascimento de um
daqueles nomes que sempre ficamos à espreita esperando pelo título seguinte.
– O amante detalhista, de Alberto Manguel
O amor é
incompletude. Justaposição de detalhes ocasionais. Estes
são maneiras de desejar. Ao construir um conjunto
variado de fotogramas sua tentativa é a de não obedecer à ordem
da idealização platônica, esta que, na visão do narrador /
ensaísta que perscruta sobre Vensanpeine, constitui a ruína do
amor porque alimenta-se de uma ilusão possível de desfazimento tão
logo esta, uma bolha, encontre qualquer circunstância pontiaguda. É
por isso que a idealização significará o total fracasso do intento
dessa personagem. Sua obsessão responde apenas por alimentar seu
desejo. Se este é detalhe ocasional, este é a maneira mais
autêntica do que se chama amor. Leia mais aqui.
– Os contos, de Lygia Fagundes Telles
Se a
quantidade de produção pode definir a condição do artista – isto é, comumente
chamamos poeta aquele que, dentre as formas literárias lida mais com o poema,
romancista, o que lida com o romance, cronista, com a crônica –, então
poderíamos dizer que Lygia Fagundes Telles é contista. Oficialmente, escreveu
seis livros nesta forma literária: Antes
do baile verde (1970), Seminário
dos ratos (1977), A
estrutura da bolha de sabão (1991), A noite mais escura e mais eu (1995), Invenção e memória (2000) e Um coração ardente (2012). E
apenas quatro romances. Os livros de contos estão reunidos, pela primeira vez,
em gesto de obra definitiva, numa antologia que copia ainda outros textos
editados noutras antologias e / ou edições esparsas. Uma das melhores edições
apresentadas no Brasil em 2018, esta biblioteca de contos de Lygia é um ovo
cósmico para um Big Ban e que cobram toda uma vida de leitura e compreensão das
suas múltiplas explosões e expansões. Leia mais sobre aqui.
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