Os melhores de 2018: cinema



Reino de Deus, de Frances Lee
Este não é, como sugere o título, um reino de Deus; é um reino dos homens. Dos que aprendem que só pela verdade do reconhecimento sobre o outro é possível conhecer a si e da comunhão desses princípios se pode fazer outro mundo totalmente despido das amarras unilaterais. Sim, talvez resida aí o que tanto se teoriza acerca do amor divino. Só pela reeducação dos sentidos, quando capazes de fazer acontecer o princípio que nos distingue dos animais irracionais, isto é, a humanização, é que poderemos pensar na possibilidade de uma existência mais leve e justa. Leia mais aqui.

Roda gigante, de Woody Allen
E, como na tragédia, em que os impasses se resolvem pela morte ou pela loucura, a narrativa deste filme, privilegia essa dupla força para a solução dos conflitos que planta; mesmo os amores que poderiam propiciar um típico esperado final feliz, só aparentam existir porque reduzidos a uma mera jogatina de interesses. Assim, todos os sonhos mesquinhos serão, um a um, triturados; Allen se concentra na volta mais cruel da vida e não é à toa, portanto, que escolhe o trágico, porque neste se encontra simbolizado a própria existência. Para quê e para onde corremos se não para o fim? Eis, então, a base forte do pensamento do cineasta, de que, nesta roda da vida apenas o sexo e a morte são situações críveis e, portanto, inadiáveis. Leia mais aqui.

Trama fantasma, de Paul Thomas Anderson
Esta não é uma história de amor, porque não há, em parte alguma, amor. Há um puro jogo de administração gratuita de dois ódios e Reynolds descobre bem isso ao saber da estratégia forjada por Alma para submetê-lo apenas ao domínio dela e silenciosamente aceita-a. É um pacto de silenciosa morte, afinal a continuidade da execução do plano de Alma favorece a longo prazo a destruição dele; ela sabe que sua vítima não se reduzirá a ela (o orgulho é força maior). O fantasma que assombra aos dois é o mesmo que nos assombra, a dominação. Cada um encontra a possibilidade de fazê-la funcionar para agrado de quem pensa dominar e de quem pensa manter o controle sobre quem o domina. Leia mais aqui.

Corra!, de Jordan Peele
A narrativa desse filme é de uma riqueza espetacular, o que facilmente me leva a considerá-la, muito confortavelmente, entre as criações ficcionais que dão brio, pela inteligência, a se pensar sobre o que se mostra e o que se oculta ou o que se oculta quando se mostra nos dizeres, nas condutas, de nós com os outros, sobretudo quando estes são os que estiveram subjugados por uma cultura que em algum momento sempre visou tão somente a segregação, o apagamento e o silenciamento porque, numa visão deturpada, o outro não se enquadra em seus padrões justificados das maneiras mais vis e estapafúrdias. E porque tais modelos ainda têm suas raízes muito bem alimentadas no nosso mundo contemporâneo Corra! finda por ser um filme negligenciado. Mas a garantia de obras assim é que logo se tornam objeto simbólico fundamental para a revisão de nossos modos de ver e estar no mundo – o valor maior de toda alegoria. Leia mais aqui.



Uma mulher fantástica, de Sebástian Lelio
Este é um filme brilhante: se Marina, a personagem principal que dá nome à própria película, é a que não se resigna, a própria estruturação cinematográfica corrobora com a personagem, dentre as diversas recusas fotográficas, como as de respeitar sua total nudez, replicando a compreensão de que o corpo é mero acessório no âmbito das determinações naturais. A perseguição em torno dessa ideia, a relevância do drama para denunciar a cumplicidade do preconceito, do desconhecimento do outro, da violência contra sua liberdade e suas individualidades, físicas ou simbólicas, dentre outra diversidade de elementos que se apresentam em plena sintonia, são apenas algumas das muitas qualidades que fazem dessa obra peça necessária aos olhos de todos; por vezes é a arte a melhor solução para nos dizer sobre a necessidade de governar nossos preconceitos e dilui-los até apagá-los no oceano da diversidade, do zelo e do respeito para com as diferenças. Fora essa condição, parece que não faz muito sentido intitularmo-nos humanos. Leia mais aqui.

Custódia, de Xavier Legrand
O que não se deixa ver aos olhos da justiça. Ou a impossibilidade da lei em penetrar nos meandros mais escuros da violência doméstica. As duas maneiras são possíveis de definir este que é o primeiro longa-metragem Xavier Legrand. O filme se desenvolve assim entre os lugares da violência visível e invisível, além daquilo que se insinua a partir desta, ou ainda de como o que está na aparência pode participar ativamente das situações-limite. A narrativa de Custódia investe sobre o tema do abuso, de como este se infiltra, corrói as relações, e é mecanismo no rol das impossibilidades de vistoriá-lo a olho nu. É ainda um poderoso retrato psicológico sobre a obsessão e de como podemos, por razão diversa, cairmos num torvelinho capaz de destruir o outro e a nós mesmos. Leia mais aqui.

Projeto Flórida, de Sean S. Baker
Este é um filme que se utiliza da disparidade entre ricos e pobres para criticar que este modelo social conforme vendido como mais coerente é extremamente desumano e sustentado pela pura fantasia do Estado. Na prática, as condições são outras: os poucos privilegiados que não obedecem ao forjado pelas determinações estabelecidas pela lei precisam ser escondidos qual as bicicletas no hotel de Bobby ou as falhas que na pintura se conserta com tinta nova. A política do atual modelo é sustentada pelo disfarce e pela manipulação. Quem pode revelá-la? Eis aqui um papel caro à arte e obras como a de Baker estão incluídas neste esforço – este, sim, humano – de dizer o quanto de hipocrisia sustenta nossa civilização e o quanto corrigimos nossos fracassos com a mentira porque errar foi transformado em atitude para os incapazes. Claro que continuaremos de mal a pior se presos a esse modelo. Ou seja, o pior pode ainda estar por vir. Leia mais aqui.



Garotos do Leste, de Robin Campillo
Ao organizar esta lista vivenciei o dilema sobre qual filme dos dois de Robin Campillo que vi em 2018 incluir aqui. Acabei por escolher este porque as situações recuperadas pela narrativa pesam um bocado toda vez que me recordo sobre a efemeridade da existência. Mas, não deixo de citar, como se numa lista outra que se abre no interior desta, 120 batimentos por minuto. Neste Garotos, o cineasta explora o sempre temido imaginário do outro capaz de tomar o meu lugar; e por isso desconstrói a ideia de refúgio que construímos por compreendê-la enquanto integral isolamento de uma condição a qual falsamente deixo de estar submetido. Sua tratativa é o questionamento dessa ordem e sobre a responsabilidade que temos sobre o outro e que ignoramos. Leia mais aqui.

Carnívoras, de Jérémie Renier, Yannick Renier
A renovação do debate feminista no início desta década tem servido para revelar de maneira mais precisa algumas das mazelas propiciadas pelo império do macho cujos efeitos deverão gastar – se alcançarmos – outro tempo além do já percorrido por esta civilização a fim de serem superadas. Um exemplo dentre as transformações colocadas em evidência para se alcançar, é a o exercício da sororidade. O filme de Jérémie Renier e Yannick Renier coloca em relevo este tema ao compor uma narrativa em que a ausência de sororidade é motivo do imbróglio narrativo e seu desfecho trágico. Leia mais aqui.

Nasce uma estrela, de Bradley Cooper
A lição pode ser óbvia demais para uns ou romântica demais para outros, mas não deixará de ser, ainda mais tempos que teimam em zelar pelo desprezo do artístico para substituí-lo pela mediocridade das produções de mero consumo, uma das mais belas e necessárias verdades à humanidade. Fora disso, nem mesmo aquilo que dizem ser a força mais preciosa, o amor, perece. Porque antes de tudo, só pela arte compreendemos – para o bem ou para o mal – algum sentido por existir. E esta é, definitivamente, a lição apresentada em Nasce uma estrela. Só isso é motivo para justificar seu valor positivo. Leia mais aqui.

Primavera em Casablanca, de Nabil Ayouch
As cinco narrativas de Primavera em Casablanca transitam contextos diversos – da periferia ao centro, da gente simples à de boas posses, do passado de há décadas aos movimentos incendiários que têm servido de força motriz para as revoltas que ensaiam minar modelos ultrapassados que insistem ainda em repetir determinadas formas de ser e estar no mundo. A narrativa que alinhava as demais é a da interdição do sonho de um professor que numa aldeia remota do Oriente trabalha por construir outras possibilidades de existir para as crianças do lugar. Muitos anos depois enquanto observa, recluso em sua casa, as manifestações de jovens que tomam as ruas, reconstitui a compreensão da vida enquanto ação. No mais, a variedade dos contextos e dos dramas reitera que existir é embate; e que enquanto prevalecer a intolerância, os ódios gratuitos, as segregações, as tentativas de domínio de uns sobre os outros (seja por quais meios for) não há possibilidade da utópica paz entre a humanidade. Se isto é um tanto fatalismo ou pessimismo nada sabemos. É possível que assim sejamos ad eternum: entre a esperança e a desesperança, a redenção e a barbárie, tal como sugere a emblemática imagem da personagem que grávida se lança ao mar no final do filme. Leia mais aqui.

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