Depois dos rastros literários da Primeira Guerra Mundial
Por Javier García-Galiano
Até o final
de O estandarte, o romance de
Alexander Lernet-Holenia, os soldados de um regimento austríaco permanecem destemidos ante as ordens de seus oficiais quando a derrota parecia iminente. “Os soldados,
sem ousar sair das formações e deixar exteriormente a posição militar, colocavam
de repente suas caras tão grotescas como se eles próprios tivessem medo do que
faziam, e como se quisessem, uma vez começado a gritaria, aturdir com mais
energia. Nós” – confessa um oficial, “desconcertados de imediato, não podíamos
fazer outra coisa que olharmo-nos fixamente. Embora tivéssemos adivinhado algo,
nunca haveríamos suposto que semelhante coisa, tão estranha e incompreensível,
tão espantosamente diferente a tudo e até agora reprimido novamente, tivesse
estado escondido sob a submissão desta tropa. Agora não obstante estalava, como
rebanho que tivesse liberado uma força que o domesticava; e embora a tropa não fizesse
de verdade outra coisa que irromper em gritos, parecia como se com esta
gritaria caísse deles e do regimento tudo o que havia feito deles e do
regimento o que haviam sido: um grande instrumento de poder cheio de significado
e impulso, uma unidade plena de sentido histórico, uma ferramenta da política
mundial. Era como se os capacetes e os uniformes, as distinções dos suboficiais
e as águas imperiais das escarapelas caíssem da gente, como se desvaneciam cavalos
e celas e não ficassem mais que centenas de nus camponeses poloneses, romanos
ou ucranianos que não viam sentido de levar, sob o cetro de uma nação alemã, a
responsabilidade do destino do mundo”.
Por sua vez,
em Tempestades de aço, de Ernst Jünger
recordava que em agosto de 1918, conheceu “uma nova linhagem de combatentes – o
voluntário de 1918, um homem que, pelo que se via, ainda não havia recebido um
verniz de disciplina, mas que era valente por instinto. Aqueles jovens valentões,
que levavam polainas de bandagens e cabeleira farta, se enrascaram numa
violenta discussão, a vinte metros do inimigo, porque alguém havia insultado a
outro chamando-o ‘merdinha’. Além disso juravam como lansquenetes e se mostravam
enormemente ostentadores”*.
Como se
referiu em Jogos africanos, incitado
pela imaginação, Ernst Jünger fugiu da escola, onde se envolvia lendo descrições
de viagens pela África, cujas folhas passava sob a sala da secretaria, e da
rotina da casa paterna apresentando-se como voluntário no escritório de recrutamento
da Legião Estrangeira em Verdun. Propunha-se alcançar dessa forma “a margem da
terra prometida” e logo prosseguir sua viagem pelo interior da África por conta própria.
Em 8 de novembro
de 1913, Jünger ficou preso em Sidi-bel-Abbès, na Argélia, como parte da 26ª Companhia
de Instrução. Mas, em 13 de dezembro um telegrama de seu pai anunciou que sua
intervenção através de “canais diplomáticos” havia conseguido seu licenciamento.
À maneira de despedida, seu pai lhe pedia que se fizesse fotografar. Mas ainda nem havia
terminado o verão de 1914, a guerra havia sido declarada e em primeiro de agosto
Jünger havia se apresentado como voluntário na oficina de recrutamento.
Até finais
de julho de 1918, logo depois de receber feridas sucessivas e sucessivas condecorações,
incluindo a Cruz de Ferro – que se desprendeu do peito num último assalto, pela
qual se dedicou a buscá-la, sob o fogo de atiradores ocultos pela fumaça de seus
fuzis, com ordens de Schrader, e mesmo assim conseguindo resgatá-la por entre a relva – Jünger
compreendeu que se “sentia invadido por um estado de ânimo que até então eu tinha
estado alheio. Em meu interior se anunciava uma transformação profunda, consequência
da duração insuspeita de uma vida vivida com toda tensão à beira do abismo. As estações
do ano se sucediam umas às outras, chegava o inverno e mais tarde vinha o
verão, e eu permanecia sempre envolvido na luta. Havia me cansado e estava já
habituado ao rosto da guerra; mas este mesmo costume fazia com que visse os acontecimentos
sob uma luz mortiça e diferente. A violência já não me deslumbrava tanto como
antes. Também notava que o espírito com o qual havia partido fazia frente, havia
esgotado e já não bastava. A guerra me impunha um dos enigmas mais profundos. Foi
aquela uma época estranha”.
Em 1914.1918. História da Primeira Guerra Mundial,
David Stevenson refere que em novembro de 1914, o chanceler alemão Theobald von
Bethmann Hollweg e o general Erich von Falkenhayn, ministro da Guerra, reconheciam
que não haveria vitória rápida. “Falkenhayn considerava que a única possibilidade
de alcançar uma paz ‘aceitável’ era oferecer alguns termos generosos a Petrogrado,
com a esperança de que primeiro viessem acordos da Rússia e logo depois da
França, deixando completamente isolada a Grã-Bretanha, a grande inimiga da
Alemanha”. Em novembro de 1918, o Império Otomano havia assinado um acordo de
paz com os aliados que assegurava a desintegração do império e Carlos I havia compreendido
que não podia manter a unidade do Império Austro-Húngaro e havia rompido sua
aliança com a Alemanha, onde se suscitou uma revolução quando os marinheiros se
negaram em Kiel a embarcarem numa missão suicida.
Foi “às onze
da manhã de 11 de novembro”, escreveu Stevenson, “quando os canhões da Frente Ocidental
– que continuaram abrindo fogo até o fim – por fim se calaram. Foi um momento
excepcional, embora celebrado com menos entusiasmo pelos solados aliados sobre
o terreno que pelas multitudes enfebrecidas de Paris ou de Londres”.
Em outubro,
entre Berlim e Washington se deu um intercâmbio de mensagens que derivaram no armistício
de paz. “Mais de meio milhão de soldados perderam a vida ou ficaram feridos
durante as semanas de negociações sobre o armistício”, recorda Stevenson. “A
maioria deles, incluindo o poeta inglês Wilfred Owen, caíram na Frente Ocidental”.
Letras de aço
Numa das crônicas
berlinenses, publicada em Neue Berliner
Zeitung em 9 de janeiro de 1923, Joseph Roth recria a história de Richard o
Vermelho, que “parece um rei destronado”.
Tratava-se do vendedor corcunda de jornais do Café des Westerns, onde “à tarde,
quando havia tranquilidade, Richard escrevia suas memórias. Essas memórias
jamais terminaram. Parece que Richard, que sempre teve bom gosto, deu por definitivamente
inútil escrever memórias, depois de tantos incompetentes se exercitarem nesta
matéria: não estava sedento da glória de ser nomeado junto com Ludendorff e
Guillermo.
“Além disso,
Richard tinha algo como todos os autores de memórias do pós-guerra: durante a
guerra, nunca esteve nas trincheiras. Desejava-se tísico – os corcundas não se incluíam.
Mas quando se perguntava a Richard com estranheza fingida, por que não havia
sido recrutado, inclinava-se sobre a mesa do inquisidor e sussurrava um segredo
ao ouvido: ‘Você sabia, não espalhe, mas a verdade é que tenho pés chatos...”
Bom, alguns
livros de memórias como Adeus a isso tudo
de Robert Graves, como Memórias de um oficial
de infantaria de Siegfried Sassoon, como
as sucessivas versões de Tempestades de
aço de Ernst Jünger, perduraram como mais que um testemunho ou um legado.
Não poucas vezes, esses livros sempre eram procedidos de notas e diários
íntimos que não foram os únicos gêneros que se ensaiaram nas trincheiras. Keith
Robbins calculou que em agosto de 1914 se escreveu em inglês meio milhão de poemas;
50 mil por dia.
Os poemas desses
anos belicosos podem importar a conjunção de visões íntimas, de uma literatura compulsiva
e, com muita frequência, desafortunada. Talvez por isso W. B. Yeats prescindiu
deles em The Oxford of Modern Verse
1892-1935. Isto é, não só poucos poetas se converteram em soldados nesse
tempo e alguns como Isaac Rosenberg, como Giuseppe Ungaretti, como Guillaume Apollinaire,
escreveram poemas que recriam a guerra cotidiana com a precisão comovedora que
pode ser expressa num verso.
Um dos
poemas mais celebrados, segundo Robert Giddings em The War Poets, foi publicado em 21 de setembro de 1914 no The Times: “For the Fallen” (Aos que
tombaram) que conjeturava: “foram à batalha com canções, eram jovens” e parecia
profetizar:
Já não se confundem
rindo outra vez com seus camaradas;
Já não se
sentam em casa à mesa da família;
Nem têm
muito nesse labor a luz do dia;
Dormem para
além da espuma de Inglaterra.
Incitado, como
muitos, por um patriotismo que induz da
mesma maneira Henry Newbolt, Walter de la Mare, John Freeman a ensaiar certos
poemas nem sempre exaltados, Rupert Brooke, que havia concebido o soneto “Se
devo morrer, só pensa isso de mim”, experimentou uma das formas da felicidade
quando soube que havia sido eleito para dirigir com as forças da Armada
destinadas aos Dardanelos. Em 18 de março de 1915, refere Giddings, o primeiro
ataque anglo-francês fracassou. Brooke rechaçou a oferta de Sir Ian Hamilton
para se unir aos seus amigos. No dia 20 de abril parecia feliz, disposto à batalha,
mas pouco depois de jantar foi dormir sem deixar de se queixar de dor nas costas
e no pescoço. Tinha fogo nos lábios. Na tarde posterior tinha mais de 30º C de temperatura. Pela manhã seguinte,
seu estado havia piorado. Foi internado no barco-hospital francês Dugnay-Trouin,
que também estava em Esciros. “Morreu em 23 de abril, o tradicional Dia de Shakespeare
e do santo patrono da Inglaterra: São Jorge. Nessa mesma tarde foi enterrado
num lugar remoto e bonito. Cobriram sua tumba com grandes pedaços de mármore
branco que estavam dispersos nos arredores e o intérprete grego inscreveu:
Aqui jaz um
servo de Deus, subtenente da
Armada
Inglesa, que morreu pela libertação de
Constantinopla
dos turcos”.
O último
poema que escreveu a bordo do navio de guerra no qual se dirigia ao Mar Egeu se
conhece como “Fragmento”. Rememora uma noite nublada e termina com um dístico:
Perecem as coisas
e fantasmas estranhos – prestes a morrer
a outros
fantasmas – este, aquele, ou eu.
No verão de
1916, na batalha de Somme, morreram os poetas Alan Seever, que havia passado
sua infância no México, e W. N. Hodgson. Em seu diário, Ernst Jünger anotou que
“essa comarca tinha até poucos jardins, bosques e campos de cereais. Nada disso
se vê, mas nada de nada. Literalmente nenhuma erva, nenhuma diminuta ervinha. Cada
milímetro do solo, removido e removido, as árvores arrancadas, feito restos e convertidas
em madeira podre. As casas derrubadas por canhões, as pedras pulverizadas. As linhas
de trem feitas uma espiral, os montes aplainados, em resumo, tudo foi convertido
em deserto.
E tudo cheio
de mortos os que dão vezes voltas e destruíram tudo de novo”.
Jünger foi
ferido nessa batalha a qual também sobreviveram Robert Musil e Wilfred Owen.
Nascido em
Oswestry, Shropshire, Inglaterra em 1893, leitor devoto de Keats e de Shelley,
Owen estava em Bordéus quando se declarou a guerra, entre outras coisas, porque
era um lugar benéfico para sua inveterada debilidade pulmonar. Trabalhava como
professor de inglês no Instituto Berlitz e se desesperava por não ter tempo suficiente
para escrever. Foi na guerra quando escreveu os poemas que o marcaram.
“Um dos soldados
britânicos que combateram os últimos dias de outubro foi o poeta Wilfred Owen”,
escreveu Martin Gilbert, “que atravessou com seu batalhão aldeias francesas das
quais alemães acabavam de se retirar. Owen lamentava que os dirigentes aliados
tivessem recusado as tentativas anteriores de negociação dos alemães. ‘Aqui os civis
são miseráveis, estão sujos e se arrastam, alguns não dão medo a nós e não me estranha
depois do bombardeio que laçamos há três semanas’ – escreveu ao seu colega
Siegfried Sassoon em 29 de outubro”.
Gilbert
refere que em 3 de novembro os italianos entraram na cidade de Trento. Um dos
trezentos soldados austríacos que caíram prisioneiros em Trentino foi Ludwig
Wittgenstein. Um dia depois, 4 de novembro, no ataque britânico ao canal de
Sambre, “os disparos de artilharia pesada e as metralhadoras alemães impediram
que os engenheiros montassem uma ponte transitória sobre o canal. Quase todos
os engenheiros ficaram feridos e o canal ficou sem ponte. Se viu o poeta
Wilfred Owen alentando seus homens para que tentassem atravessar em balsas. Um oficial
de sua companhia recordava ter ouvido ele dizer: ‘Bem feito!’ e: ‘Estão fazendo
muito bem, homens’. Mas, as barcas foram ineficazes, de modo que se montaram tábuas
e tablados. À beira da água, enquanto ajudava seus homens em terra, Owen foi alvejado
com uma bala”.
Em sua
tumba, na aldeia de Ors, escreveram alguns versos de um de seus poemas:
A vida
renovará
estes corpos?
De uma
verdade
anulará toda
a morte.
Em agosto de
1946, Borges escreveu em Los Anales de
Buernos Aires: “Para os escritores de 1918, a guerra foi o que Tibério Claudio
Nero foi para seu professor de Retórica: ‘lodo amassado com sangue’. Todos viram-se
assim, Unruh e Barbusse, Wilfred Owen e Sassoon, o solitário Klemm e o concorrido
Remarque. (Paradoxalmente um dos primeiros poetas que destacaram a monotonia, o
tédio, o desespero e as desonras físicas da guerra contemporânea foi Rudyard
Kipling em seus Barrak-Room Ballads
de 1903). Para Guillaume Apollinaire, subtenente de artilharia, a guerra foi
antes de tudo um belo espetáculo”.
Um front secreto
Em junho de
1919, no México, a editora Cultura, criada por Agustín Loera e Chávez e Julio
Torri para publicar uma coleção de cadernos “de bons autores antigos e modernos”,
imprimiu uma Antologia de poetas mortos
na guerra (1914-1918) com traduções de Pedro Requena Legarreta e um ensaio e
notas de Antonio Castro Leal, que incluía poemas de poetas franceses e ingleses
como, dentre outros, Rupert Brooke, Maurice Bouignol e Charles Hamilton Sorley.
Como pesquisou
rigorosamente Friedrich Katz nos arquivos da Alemanha, Áustria, Cuba, França,
Estados Unidos, Grã-Bretanha, Japão, no México a guerra pareceu adotar uma
forma de intriga internacional em que convergiram militares avessos como Victoriano
Huerta, revolucionários como Pancho Villa e Venustiano Carranza, aventureiros
mexicanos e estrangeiros, diplomatas, empresários e espiões de diversas procedências,
lords e um telegrama talvez lendário.
Em A guerra secreta no México, um
livro inquietantemente atual, Katz se pergunta se o ataque de Villa à cidade de
Columbus foi resultado de uma conjura do governo alemão. Uma guerra entre os
Estados Unidos e México havia distraído os Estados Unidos da guerra entre os
aliados e as potências centrais na Europa e havia impedido os estadunidenses de
vender armas aos aliados, pois, como lhe escreveu em maio de 1915 o chefe da
propaganda alemã Henning von Holzendorf: “Todos os contratos dos produtores de
armas contêm uma cláusula segundo a qual os mesmos ficam anulados no momento em
que os Estados Unidos foram arrastados para um conflito”. Dernburg assegurava
assim mesmo que “um embargo de todos mantimentos destinados aos aliados, e dado
que os aliados dependem dos Estados Unidos no que se refere a munições e
material de guerra, um rápido triunfo da Alemanha, assim como uma limitação aos
créditos dos aliados e além disso uma viragem política dos Estados Unidos, o
que favoreceria também a Alemanha”.
Octavio Paz dizia
que Alfonso Reyes havia vivido escondendo-se de seu demônio. Viviam em Madri
quando estourou a guerra, mas recordava que se encontrava em Bordéus em 1914
quando o governo de Paris se mudou para a região. Não sem ironia, em Calendário evocou o “aviador quase menino”
Guynemer, “ás entre os ases”, “herói representativo da Grande Guerra”, “o nome
mesmo de Guynemer soa como o grito de guerra”. Recorda seu regresso de Verdun: “a
terra estava cheia de buracos, suave e depreciável como a cinza de meu cigarro.
Em Fleurus, os mesmos vizinhos – já de volta – discutiam se a igreja havia
estado aqui ou mais além”. Rememora um almoço num café em ruínas e o Rancho dos
prisioneiros: “Quando davam de comer aos prisioneiros recém traídos, fatigados,
torpes e esfomeados aqueles soldados de quarenta anos, já sensíveis aos incômodos
do corpo, já conscientes das limitações da alma, ficavam apoiados no fuzil, mudos,
sem mudar entre si um gesto ou um olhar. Entregavam-se ao espetáculo: pensavam,
pensavam...
“E vinham comer,
em silêncio, o inimigo: frios, absortos, como se olha comer aos animais do jardim
zoológico: o macaco, o elefante, o cervo e o avestruz, o burro, ao acaso. Assim,
com uma sensibilidade renovada, virginal, olhavam o Homem comer – que nunca até
então haviam visto comer”.
Alfonso
Reyes também estava em Bordéus no dia 28 de junho de 1919, onde foi dado a presenciar
“o regozijo da paz. Este grande dia me parece que lhe deu vontade de ir
passá-lo não em Paris, mas em Bordéus, no coração da França.
“Nas janelas
ondeavam os batalhões aliados. Ontem à noite, quando da minha chegada, havia na
cidade um ar de festa. A gente passava o tempo em conversas soltas pelas ruas. Frente
a um café, um mágico improvisava, fazia maravilhas com a ‘moeda chinesa’. ‘Jogo
limpo, senhores: aparece e desaparece’. Há no ar ânsias de cantar: entravam
pela janela aberta”.
Pegadas de pedra
Depois da
guerra, a propaganda persistiu como argumento, exultação, denúncia, difamação
em outdoors, jornais, emissões radiofônicas, filmes, museus, livros; uma delas,
como advertiu Nicolás Sánchez Durá, foi um volume de fotografias: Guerra à guerra de E. Friedrich que se
publicava em quatro idiomas – invariavelmente alemão, inglês e francês, e o
quarto podia ser holandês, russo ou chinês. Abundava em fotografias, às vezes
retocadas, de cadáveres e mutilados com rodapés em cada uma com a frase de Hindenburg:
“A guerra é para mim como um banho de águas termais”. Para Friedrich, sustenta
Sánchez Durá, não lhe interessavam as experiências dos homens, dos veteranos, “dos
afetados de múltiplas maneiras em suas vidas pela guerra. Interessam-lhe os homens
em abstrato, em humanidade”.
Ernst
Jünger lamentava “essa espécie de propaganda, tal e como apareceu pela
primeira vez com estopim da Primeira Guerra, cujo distintivo é a pretensão de
incitar a consciência humanista. Esta que não conhece nenhuma diferença entre
as nações, nenhum adversário, sequer conhece propriamente a guerra”. Considerava
que resultava “mais significativo que o fato de que todo avanço tecnológico seja
ao mesmo tempo um avanço bélico resultado da constatação do que foi uma ideologia
do progresso, isto é, o humanismo civilizatório – o qual não tem a ver com
nenhum mínimo de humanidade – o que também deu poderes de combate ou o melhor
dos motivos para uma intensificação do enfrentamento desconhecido até então”.
Em 1928,
Jünger foi editor de um livro de fotografias que aparece uma propaganda: Luftfahrt ist not! (A aviação é necessária)
e em 1930, editou outro rigoroso livro de fotografias com textos de diversos
autores: Das Anlitz des Weltkrieges.
Fronterlebnisse deutscher Soldaten (O rosto da Guerra Mundial. Experiências
de soldados alemães no front), em que
só se propôs estruturar as fotografias como “documentos de especial precisão”. Considera que “não deve se esperar que a
fotografia tenha algo mais a dar. Uma fina impressão do que acontece no
exterior, similar as pegadas numa rocha como deixados a comprovar a existência de
animais estranhos”.
Na Primeira
Guerra Mundial, Jünger descobriu a primeira das figuras que descreveu em seus
livros: o Soldado Desconhecido. Dizia que “numa época de exército de massas que
combatem com uma técnica desenvolvida com todos os meios ao seu alcance, é mais
difícil ter uma relação autêntica e imparcial com o inimigo do que foi possível
nas guerras em tempos mais antigos”. Nas batalhas dessa Guerra Mundial, “seu herói
não só é o soldado desconhecido, pois também se disputa contra um adversário desconhecido
e invisível cujos projéteis teledirigidos não levam inscrita nenhuma direção
estável”.
Alguns
historiadores, como Margaret Macmillian, consideram que a Primeira Guerra
Mundial foi outro erro político, como foi o tratado de paz assinado significativamente
em Versalhes; há quem tenha advertido o fim atroz de uma época, há quem acredita
que importa uma profecia. Menos como um testemunho que como uma criação,
perdura em livros e quadros muito diferentes e em The War Requiem de Benjamin Britten, que não prescinde de poemas de
Wilfred Owen e que foi composto para a consagração da catedral de Coventry, que
havia sido destruída na Segunda Guerra Mundial.
Quando
regressou a Verdun, em 1979, convidado pelo maire
para o ato do LXIII aniversário da batalha, ao qual não foi, Ernst Jünger recordou
que havia estado ali pela primeira vez para alistar-se na Legião Estrangeira,
que também vestiu o uniforme francês, e advertiu que “quase diariamente ouvíamos
falar de um avanço na redução a cifras, na numerização – nos damos conta de um
novo momento realizado no marco do ataque que ameaçava com dar xeque-mate a
todos. O que aqui está em questão é o reino dos jogos, a liberdade espiritual, sobretudo
a do artista, e sua força criativa”.
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Notas:
* As traduções
dos excertos de obras neste texto são realizadas a partir da versão espanhola.
Este
texto é uma tradução de “Tras los rastros literários de la Primera Guerra
Mundial”, publicado no caderno Confabulario / El Universal. Leia o original aqui.
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