A vida e a arte de Sylvia Plath
Por Fernanda Fatureto
A biografia
de Sylvia Plath, Ísis americana: a vida e a arte de Sylvia Plath (Bertrand
Brasil, 2015), de Carl Rollyson, compreende toda a vida da poeta americana e é
das mais completas já publicadas sobre uma das mais lendárias figuras modernas do século XX. Porque exerceu diversos papéis-chave como
mulher na sociedade americana e inglesa das décadas de 1950 e 1960. Sylvia não
era apenas um rosto bonito, uma blond girl, femme fatale capaz de seduzir
homens com quem manteve correspondência amorosa até conhecer o poeta Ted
Hughes. Durante o período de formação na Smith College, nos Estados Unidos, foi
aluna destaque em literatura e eleita editora da Smith Review. Nos anos de 1950
foi convidada para ser editora na revista de moda Mademoiselle e passou uma temporada em Nova
York lhe rendendo histórias, muitas delas deram composição ao livro A redoma de vidro, seu único
romance publicado.
O professor
de jornalismo da Baruch College, em Nova York, também autor de biografias sobre
Marilyn Monroe e Susan Sontag, recorreu a diários pessoais, cartas, outras
biografias já realizadas e entrevistou centenas de pessoas ligadas ao universo
Plath, de ex-colegas da Smith a fontes mais próximas para narrar em oito
capítulos os principais acontecimentos que fizeram a poeta ser quem foi. Com
títulos sugestivos como “Filha Primordial dos Tempos”; “Senhora de Todos os
Elementos”; “Rainha dos Mortos”; “Eu Sou a Natureza”; “Rainha do Mar”; “A Mãe
Universal”; “Rainha Também dos Imortais” e “No Templo de Ísis: Entre os
Hierofantes”, Carl Rollyson se utiliza de conceitos mitológicos para explicar o
universo Plath fazendo uma referência aos egípcios. Ísis era uma deusa
egípcia, a Rainha dos Mortos, que juntou os pedaços de Osíris após sua morte.
Com uma narrativa fluida e embasada principalmente na correspondência de Sylvia
com sua mãe, Aurélia Plath, não usa do artifício da morte trágica para
alavancar o livro. A vida da autora é analisada em 385 páginas de maneira
igualitária em todos os períodos.
Para Rollyson, Plath conseguiu arrastar uma legião de fãs de tal forma que toda a
mitologia de sua vida gira em torno de sua morte. Mas certamente a
força de seus versos foi a responsável por consagrá-la. Em Ariel, seu último
livro, toda a interioridade conflitiva da poeta ressoa e preconiza seu talento
literário: “Deixei coisas escaparem, navio de carga com trinta anos /
Teimosamente se prendendo a meu nome e endereço. / Eles me lavaram de minhas
associações amorosas./Assustada e nua sobre a cama de rodas com travesseiros de
plástico verde, / Assisti meu aparelho de chá, minhas roupas de linho, meus
livros/Submergirem e sumirem, e a água cobrir minha cabeça. / Sou freira agora,
nunca fui tão pura.”.
O biógrafo
afirma que uma sensação de desilusão e vazio acompanharam Sylvia desde a
adolescência e a poesia era a forma com que ela
recuperava a vontade de permanecer conectada ao mundo.
A primeira
tentativa de suicídio ocorreu em 1953 após o período em Nova York. A pressão
por responsabilidades e a carga de trabalho na revista lhe rendeu um colapso
nervoso. Plath se deprimiu e tentou se matar. Tinha 21 anos. A biografia tenta
ser justa quanto ao problema psicológico da poeta e evita achar inocentes ou
culpados em relação à sua saúde. Também não vilaniza Ted Hughes, marido da
escritora. No início da narrativa, Rollyson cita a ação de fãs em que muitos
riscaram o sobrenome de Hughes do túmulo, deixando a inscrição apenas com o
nome de solteira da poeta na tentativa de responsabilizá-lo pela morte da
autora. Em Ísis americana o retrato do poeta inglês é de um mulherengo com
gênio forte, mas escritor brilhante que gostava muito de Sylvia e mostra a
tentativa do casal de se acertar numa época em que mulheres não se sobressaíam
profissionalmente. Sylvia e Ted tinham a mesma profissão, ambos poetas
publicados, o que tencionava a convivência de ambos.
Em "Lady
Lazarus", um dos poemas mais vibrantes de Plath, vê-se quão dramática e intensa
foram suas escolhas: “Tentei outra vez. / Um ano em cada dez / Eu dou um jeito –”.
Em outra parte do poema vemos: “Disparo o pano / Oh, meu inimigo. / Eu te
aterrorizo? / (…) Tenho apenas trinta anos. / E como gato, nove vidas para
morrer. / Esta é a Número Três. / Que besteira / Aniquilar-me a cada década.” O universo de Sylvia Plath era melancólico.
Ela conheceu o poeta Ted Hughes, com que viria a se casar, na Inglaterra,
quando ganhou uma bolsa de estudos da Fullbright, em Cambridge, para cursar
mestrado. Logo o casal se tornaria reconhecido em revistas literárias e pelos
livros publicados.
A dedicação
de Plath ao trabalho literário a levou às últimas consequências, assim como a
relação conflitante com o marido com quem teve dois filhos. O biógrafo afirma
que para a poeta “era melhor a ansiedade do artista do que a neurose do
conformista”. Em 1962, o casal se separa quando a autora descobre a
infidelidade de Hughes. Em onze de fevereiro de 1962, Sylvia Plath comete
suicídio ao ligar o gás da cozinha e colocar a cabeça dentro do forno. Morreu
por asfixia aos 30 anos. Segundo o biógrafo, “as pressões sobre uma mulher que
se vê de forma tão megalomaníaca são enormes, e compreender tais pressões e as
reações de Plath a elas provê uma perspectiva inédita e incrível que torna a
obra, o casamento e o suicídio da autora finalmente compreensíveis em termos do
modo como vivemos hoje”.
A tragédia
da vida de Sylvia Plath se assemelha a das heroínas das ficções em um mundo
onde as convenções impõem um martírio às mulheres que estão à frente de seu
tempo. Nas palavras de Carl Rollyson: “Conseguir a história, conseguir o homem,
num mundo em que tanto o indivíduo quanto a pátria estavam à beira da
destruição, viria a permanecer crucial para a ideia que Sylvia nutria sobre
ordem mundial.” Mas as pressões sobre a jovem mulher a fizeram relegar sua vida
e sua arte à posteridade, como nos versos de Lady Lazarus: “E há um preço, um
preço muito alto/Para cada palavra ou cada toque/Ou mancha de sangue”.
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