Sobre bolhas sociais e debates políticos em redes sociais
Por Rafael Kafka
Ontem me
peguei discutindo com um defensor do fascismo. Um defensor eloquente, não o
tipo irritante de cada dia que usa das notícias falsas para propagar a defesa
de seu candidato. Mas uma mente que sabia disfarçar sua ignorância com o uso
bem arquitetado de alguns conceitos econômicos, os quais expuseram a mim
brechas em minha formação leitora. Mesmo sendo da área de Letras, comecei a me
sentir irritado por não dominar tais conceitos e usar contra aquela pessoa numa
tentativa, mesquinha e egotista, de impedir que a mesma espalhe boatos por aí,
inverdades tolas baseadas em cortes de direitos sociais e trabalhistas para
garantir o bom desempenho numérico do país.
Na mente de
pessoas assim, um mercado forte e que se auto regula garante emprego, poder de
compra e felicidade a todos. A desigualdade social é algo que deve ser superado
por esforço pessoal e pelo Estado deixando as empresas explorarem tal esforço
de seus empregados. No afã dos debates acalorados das redes sociais, em um
ônibus lotado, esqueci como muitas vezes tais debates não valem a pena, pois
estamos muito preocupados com a rapidez do discurso que prejudica nossa
capacidade de ler e entender o próximo.
Várias vezes
em minha vida, prometi a mim mesmo que não entraria mais nesses debates,
fazendo de minhas redes um espaço de divulgação da arte, em especial do cinema
e da literatura. Devo falhar todo dia umas trocentas vezes em cumprir tal
promessa, em especial em períodos eleitorais. Meu ego é algo grande demais para
mim, penso. Em muitos contextos, o uso da ironia socrática seria uma bela forma
de me sair sem desgaste de uma conversa a qual sei não gerará bons frutos.
Exemplo: dia
desses um ex-aluno meu vendo uma postagem nos stories do Instagram veio me
questionar por que eu estava a defender um candidato comunista. Sendo eu uma
pessoa equilibrada em meu ego, simplesmente perguntaria ao jovem: o que é o
comunismo? Ao contrário, propus-me a explicar e quando percebi eu estava a
discutir com uma pessoa uns catorze anos mais nova do que eu e muito mais cheio
de certezas, mesclando conceitos entre si que provavelmente ela ouviu de gente
sem hábito de leitura em ambiente conservador.
Muito se tem
falado de bolha social nesses tempos nossos e de como precisamos sair delas.
Concordo com isso bem antes de ouvir tais assertivas; por isso virei professor.
Numa sala de aula com trinta alunos, eu me deparo com um universo de universos
particulares tão grande que não tenho como me fechar numa bolha social. Ainda
assim, cada vez mais começo a defender a necessidade de nos fecharmos numa
bolha para mantermos nossa sanidade.
Não digo com
isso assumir a postura cool do isento de rede social, aquele que se diz nem de
esquerda, nem de direita. Por mais que eu concorde que tal dicotomia em muitos
sentidos não faz muito sentido do ponto de vista lógico – pois cada vez mais
percebo um fisiologismo político em todos os espectros políticos – penso que é
preciso ao menos nos assumirmos contra ou a favor dadas bandeiras sociais que
são importantes em nossa sociedade. Uma pessoa a qual coloca os direitos
humanos como bandeira comunista, por exemplo, indica muito de seu pensamento,
cruel e senso comum, acerca do modo como tais direitos devem ser tratados. Por
sinal, penso que muito do contexto político vivido por nós hoje atualmente se
deve ao fato de em nossas escolas e universidades públicas haver pouco debate
franco sobre tais bandeiras e muito proselitismo político, com grupos brigando
entre si para assumir mais poder, o que reforça a ideia de que há uma clara
doutrinação comunista andando solta por aí...
Mas quando
falei acima de bolha social como proteção, eu me referia a uma cada vez mais
perceptível perda da intimidade a qual parece se tornar mais visível e doentia
nesses tempos de polarização política. Passamos boa parte dos nossos dias
postando e discutindo política, não conseguindo mais falar de nossas obras de
arte contempladas. Meu ritmo de leitura caiu deveras nas últimas semanas, algo
que muito me irrita e preocupa. Avalio meu uso das redes sociais e vejo como
nos últimos anos consegui resultados interessantes difundido informações e
pensamentos por meio de textos mais densos, como essa crônica, assumindo uma
postura menos focada na defesa deste ou daquele candidato. Ao lado dessa
estratégia assumida de forma meio que inconsciente, comecei a entender que a
ação com os trinta alunos em debate franco de ideias era muito mais salutar do
que esperar que meus 2000 amigos em rede sociais vissem tudo o que eu postasse,
quando no máximo uns 200 verão e terão suas posições de concordância e
discordância parciais.
Parece-me
cada vez mais que as redes sociais mexem com esse nosso egotismo em querermos
ser salvadores da pátria. Soma-se a nossa já preocupante dependência das redes,
um desejo incessante de convencimento do próximo com nossas ideias. Um debate
que deve ser feito o tempo todo tentamos fazer em coisa de algumas semanas em
um tom altamente impositivo e por isso não conseguimos perguntar “o que é o
comunismo?” quando alguém se aproxima no mundo virtual e nos questiona em tom
peremptório o que achamos do assunto, mais para mandar uma profusão de ofensas
depois, provavelmente.
Analisando
um perfil de um conhecido meu que ama o cinema de forma visceral, eu fiquei analisando
em textos seus e vídeos nos quais faz pequenas críticas como essa pessoa, mesmo
sem um ar partidário constante e insistente possui uma capacidade de influência
considerável e leva muitos a refletirem criticamente sobre os temas expostos
nos filmes por ele analisados. A mediação de leitura se mostra na paixão
intensa e no debate bem embasado gerando um ar estético político o qual me soa
muito encantador e que eu gostaria de ter mais em minha vida.
Por mais que
em dados momentos haja a necessidade de citarmos mais claramente contra quem
estamos lutando, a postura de amor visceral pela leitura e o compartilhamento
desse amor num mundo de rede social nos ajuda muito em um debate político. Este
é um exemplo de bolha social de que falava acima. Trancar-se no cinema parece
escapismo, mas pode ser um ato de provocação pedagógica, estética e política a
provocar nos leitores a reflexão. Em tempos de notícias falsas com indivíduos
cada vez mais se negando a ler notícias que atingem seus ídolos tal atitude aparentemente
escapista é um ato revolucionário quase sempre.
Cada vez
mais tenho a convicção, a qual preciso viver mais plenamente, de que devemos
nos empenhar dentro de nossos ofícios educadores e críticos a cada dia no
sentido de sensibilizar o máximo de pessoas que entram em contato conosco,
mesmo sabendo termos pouco raio de ação pelas nossas limitações físicas e pelo
que nos é imposto de limitação também pelo meio que nos circunda. O debate
político é algo que devemos fomentar cotidianamente dentro de nossas bolhas
para que pequenas verdades se espalhem por aí e tenhamos maiores chances de
superar ameaças fascistas.
Discutir com
um defensor do fascismo, no ônibus às uma da tarde de um dia quente, deixou-me
profundamente irritado. Quais minhas chances de mudar a mente daquela pessoa? E
não soa extremamente prepotente essa vontade? O certo é que esse debate me fez
ter vontade de ler mais de um livro por vez novamente e fico, ao mesmo tentado,
com medo de me ver novamente em um contexto de mente acelerada e stress. Por
outro lado, acho atraente a imagem do sujeito erudito que lê várias coisas
sobre vários temas, mas começo a me questionar o quanto há nela de verdade e
auto ficção. Ainda assim, neste momento, tenho dificuldades em focar em
Derrida, pois há uma dúvida ansiosa cruel em ler esse autor com Sinclair Lewis,
cujo Babbit já comecei a folhear tem várias semanas. Minha mente anda em uma
dispersão aterradora.
Não sei como
proceder para sair dela. O certo é que torço para conseguir levar mais a sério
meu pertencimento a uma bolha e dentro dela fazer ação concreta sem me perder
tanto na utopia de que eu, nas redes sociais, em curto espaço de tempo, irei
conseguir mudar a mente de pessoas fechadas em seus próprios universos de
verdades. De dentro de nossas bolhas devemos encontrar o afeto e a força para
tecer o diálogo e irmos mudando gradativamente velhas estruturas de pensamento
renitente. O objetivo não é que todos pensemos da mesma forma, mas que
consigamos exercer o mínimo ato de leitura de ideias e debate das mesmas no
intuito não de convencimento, mas mais de aprendizado mesmo.
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