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Mostrando postagens de outubro, 2018

Raymond Carver, o melhor escritor de contos do século (junto com Tchékhov)

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Por Manuel de Lorenzo Recordo a primeira vez que li algo de Ernest Hemingway. Era um livrinho de contos que havia na casa dos meus pais. Nem sequer lembro o título. Na época estava entusiasmado com os labirintos de Julio Cortázar, com a exuberância de Mario Vargas Llosa, com a minuciosidade de Gabriel García Márquez. Apenas começava a entrar no assombroso universo de Jorge Luis Borges. A literatura, durante aqueles anos de adolescência feliz, começa e terminava na América Latina. Nas páginas de Hemingway encontrei um deserto. Nada me fascinava. Na me surpreendia. Seus contos não eram mais que palavras colocadas em ordem, uma após outra, tediosamente fiéis às normas da sintaxe e da gramática. Avançava por seus parágrafos em estado de tensão, esperando os fogos artificiais, a explosão repentina, mas logo o conto começava a languidescer pouco a pouco, como se a pólvora tivesse sido molhada em algum ponto impreciso de suas linhas e finalmente tudo se apagava. Sua literatura

Gostaria que você estivesse viva

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Por Jenn Díaz – Gostaria que você estivesse morta – disse Chauvin. – E já estou – disse Anne Desbares. Moderato cantabile , Marguerite Duras A menina Marguerite. Primeiro Donnadieu, depois Duras. A menina francesa pobre com os lábios pintados, com sapatos de salto para ir jogar tênis, a menina do desejo físico, a inesgotável menina e duplamente menina na velhice. Marguerite Duras viveu cada um de seus dias como se estivesse a ponto de morrer e também como se ela mesma fosse a causa de sua morte, como se a vida valesse tudo, como se ela fosse a única com valor. Se algo não faltou à menina Marguerite foi paixão: na política, na literatura, no amor, na bebida, na maternidade, no cinema, na sexualidade. Sua infância, à qual voltará reiteradas vezes e a recriará em sua obra literária, está ocupada inteiramente pela violência e pela dureza. O amante não é, como assim tem sido considerado, uma autobiografia; é verdade que algumas passagens de sua v

O caminho para o sucesso já não passa mais pelo exotismo

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Por Ana Llurba Ilustração Pietar Posti Quando tentava publicar seu primeiro romance há mais de uma década, uma emergente escritora nigeriana precisou escutar o comentário depreciativo de um agente literário que tentou demovê-la afirmando que para ela seria mais fácil publicar se fosse indiana porque os autores desse país estavam na moda naqueles anos. Ao que agregou o conselho não pedido de que situasse a narrativa do seu romance na América, ao invés de na Nigéria natal, para poder aproximar-se do público anglo-saxão. Quinze anos depois, a consagrada Chimamanda Ngozi Adichie (1977) pode orgulhar-se de ter sido fiel a si mesma e não ceder àqueles conselhos, como recordou há alguns anos numa entrevista para The New York Times . A autora do celebrado Americanah , assim como Taiye Selasi, que alcançou reconhecimento internacional   com Far from Ghana , foram precursoras do que esta última escritora chamou como “afropolitismo”. O conceito se resume a escrever a par

Boletim Letras 360º #294

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O fim de semana é tempo de Boletim Letras 360º; estas são as notícias do universo editorial e artístico que apresentamos em nossa página no Facebook. Tudo reunido num só lugar! Boas leituras. Luiz Carlos Prestes e Graciliano Ramos (1949). Foto: José Medeiros. Acervo IMS. Do escritor brasileiro, Vidas secas ganha edição especial. Mais detalhes ao longo deste Boletim. Segunda-feira, 22/10 >>> Brasil: O rei das sombras , novo título de Javier Cercas é publicado pela Biblioteca Azul O romance narra a busca pelo rastro perdido de um rapaz quase anônimo que lutou por uma causa injusta e morreu do lado errado da história. Seu nome era Manuel Mena e em 1936, na explosão da Guerra Civil Espanhola, ele se juntou ao exército de Franco; dois anos depois, morreu em combate na batalha do Ebro, e durante décadas foi o herói de sua família. Era tio-avô de Javier Cercas, que sempre relutou em investigar sua história, até que se sentiu obrigado a fazê-lo. Quem foi Manuel Me

O livro da vida de Virginia Woolf

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Por Winston Manrique Sabogal Vinte e seis anos antes de Virginia Woolf se afogar nas águas frias do Rio Ouse, em 1941, publicou seu primeiro romance em que a vida da protagonista termina de forma prematura, ao mesmo tempo que avança seu renovador e magistral futuro literário. Era 26 de março de 1915, e o romance premonitório intitulado A viagem . A partir daí começou sua contagem regressiva, não só ao contar a história da jovem Rachel Vinrace, em que ela criticou o mundo da época, quebrou os esquemas narrativos e também colocou em livro o que foi e haveria de ser sua vida, sua concepção de si e suas últimas horas. A viagem então é uma entrada biográfica e literária a Virginia Woolf e da qual irradiam conexões entre o romance e os últimos dias da escritora: as dos acontecimentos que sucedem quase ao começo da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, respectivamente. Ambos estão precedidos por irrupções psicóticas da narradora e ensaísta; a protagonista quer desligar-se

José Saramago, o ano de 1998

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Por Pedro Fernandes A aparição destes diários de José Saramago é um acontecimento que guarda relações muito estreitas com um elemento recorrente na sua ficção: o acaso. É o acaso que abre o terror da barbárie em Ensaio sobre a cegueira ; é o acaso que coloca em cheque a mesmidade política em Ensaio sobre a lucidez ; é o acaso que faz um homem sair à procura de sua própria identidade em O homem duplicado ; ou à procura da identidade do outro em Todos os nomes ; e os exemplos poderiam se multiplicar. O acaso é um agente de transformação, claro está. Mas, na obra do escritor português, esse transformar só é possível se pela ação humana; sem ela, o acaso é só o acaso. Foi o acaso que ofereceu a oportunidade de se encontrar um diário que nunca teria fim se as obrigações e o tempo não fossem tão cruéis para com o diarista. É verdade que este último é cruel com todos, afinal não há existência por longa que seja, que não chegue ao fim. Aqui, bem poderia juntar a frase do próp

Uma mulher fantástica, de Sebástian Lelio

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Por Pedro Fernandes Poderíamos, no sempre interesse vão das classificações, dizer que Uma mulher fantástica é uma fábula sobre resistir. Não é o caso de acreditar que estaremos entregues a uma narrativa marcada pelo contraste entre o seu exterior, isto é, dos acontecimentos da realidade empírica, e o seu interior, os acontecimentos da realidade figurada. O filme de Sebástian Lelio é realista demais para acreditarmos nessa condição que é, aliás, de um todo questionável quando se fala sobre fábula. Não se pode, de maneira nenhuma, reduzir a compreensão da fábula à de narrativa integrada totalmente à atmosfera do fantasioso. O caráter fabular desta narrativa cinematográfica resulta de sua condição e interesse: contar uma história que, de alguma maneira, responde por uma conclusão universal porque o drama aí conformado se configura numa recorrência das mais comuns no cotidiano da história da humanidade. Também porque é o caso de, ao final desta narrativa, encontrarmos um