O currículo do vampiro
Por Miguel U.
Nosferatu, de Friedrich Murnau, 1922. |
Embora sejam medíocres e suas protagonistas insossas pareçam anêmicos veganos com constipação vital, o sucesso da
tetralogia Crepúsculo dá conta do excelente
estado de saúde das histórias de vampiros entre o grande público. Viva Deus que ao menos apareçam em meu banheiro formas de vida mais
intimidadoras que Robert Pattison! E as expressões de Kristen Stewart que transmitem a mesma comoção que o lábio superior de José María Aznar?
Crepúsculo não só nos lembra que o vampiro segue vivinho e chafurdando em nossa cultura, por assim dizer como nos diz muito sobre suas múltiplas facetas e sua capacidade para reciclar-se continuamente, adaptando-se aos tempos e conservando seu poder de sedução. Para continuar com os exemplos cinematográficos recentes, quanta diferença encontramos entre os ídolos da massa teenager e os monstros meio silvestres com garras e caninos podres de 30 dias de escuridão ou os viciados chupa-sangues da trilogia Blade.
Crepúsculo não só nos lembra que o vampiro segue vivinho e chafurdando em nossa cultura, por assim dizer como nos diz muito sobre suas múltiplas facetas e sua capacidade para reciclar-se continuamente, adaptando-se aos tempos e conservando seu poder de sedução. Para continuar com os exemplos cinematográficos recentes, quanta diferença encontramos entre os ídolos da massa teenager e os monstros meio silvestres com garras e caninos podres de 30 dias de escuridão ou os viciados chupa-sangues da trilogia Blade.
Com seus
admiradores incondicionais e seus detratores, os vampiros são uma das criaturas
mais famosas e recorrentes da ficção moderna. Não apenas isso, se trata de todo
um mito, por direito próprio, que pontua a arte ocidental e não tão ocidental, e
seguir o rastro de sangue deixado por seus passos pode nos levar até mesmo ao começo
da civilização.
Muita gente
está convencida de que Drácula foi o primeiro vampiro. Drácula ou Vlad Tepes;
tanto faz encontrar-se com uma biografia criativa de um cruzado de chocantes
hábitos alimentícios como realmente acreditar que no século XV um romeno
endiabrado se satisfazia em empalar cadáveres e a beber sangue para satisfazer ao demônio.
São muitas
as funções do mito e não nos cabe aqui glosar as diferentes versões acerca de
sua origem, mas podemos afirmar uma coisa sobre ele e de todas as criaturas
diabólicas que povoam nossos sonhos e tanto nos entretêm: estão por aí para nos
fazer medo. Mas, por que queria alguém assustar seus semelhantes? Talvez por uma simples
questão de tédio, embora não pareça provável. Talvez, quando os antigos egípcios
contavam histórias sobre sombrias personagens que rondavam a escuridão em busca
de sangue fresco pretendiam como nós tornar mais amenas as tardes, mas é mais
razoável pensar que tudo fosse uma questão prática: afastar as crianças de
determinados lugares. Isto é, o monstruoso (e o terror) cumpre desde o princípio
a mesma função que a polícia: amedrontar-lhe para que não faça algo de ruim,
perigoso ou que atenta contra os interesses de alguém mais importante que você.
Não é por acaso que os destinatários destes avisos sejam meninos e jovenzinhas.
Lamia, uma das incontáveis amantes de Zeus, desempenhou um papel semelhante na
Grécia antiga perseguindo as crianças como vingança pela maldição que Hera
lançou contra ela depois de descobrir o adultério com seu [de Hera] marido e
Apuleio incluiu um par de vampiras sexys em O
asno de ouro. Agora percebemos que intenção era outra. Voltaremos sobre
esta relação dos vampiros com a ânsia carnal mais adiante.
Já na Idade
Média aparecem frequentes alusões ao vampiro com todas as suas letras. A
tradição eslava foi particularmente prolífica neste ponto, incluindo prescrições
para sua execução: levar o cadáver em carroça enquanto não houvesse neve (uma
maneira deste não poder encontrar o rastro que o levasse de volta a aldeia),
envolver o caixão com uma rama de álamo para que o morto ficasse quieto, encher
sua tumba com água etc.
A tradição
nos diz que as formas originais de nossa criatura foram gestadas e cresceram na
vasta Rússia e outros países do leste com nomes como upir, nav, navok ou mavok. Aí mesmo Aleksei Tolstói, primo do autor de Guerra e paz, foi o pioneiro em descrever
e difundir as andanças do vurdalak.
Seus contos “O vampiro” e “A família do vurdalak”
foram de grande importância para a evolução da personagem; John Polidori, outro
iniciador do gênero, foi um médico neurastênico amante de Lord Byron (quem certamente
também compôs seus primeiros passos vampirescos) retratado por Ken Russell com
uma antológica babá má em seu filme Gothic.
É possível que o romance de Polidori fosse uma piada inspirada no excêntrico
poeta inglês, com quem manteve uma relação que transcendia os limites da
amizade. Independentemente destas segundas – maliciosas – leituras, o vampiro
de Polidori cumpre já os requisitos de um monstro arquetípico dominado por suas
pulsões mais elementares e no qual as preferências gastronômicas perversas convivem
com um sentido tóxico da sexualidade. O vampiro de Polidori, o vampiro em
geral, é uma criatura libidinosa cuja forma de viver o desejo não se diferencia
das ganas de causar dano a alguém.
Esta influência
do monstro de sexualidade equivocada, autodestrutiva – impressa sobre
personagens femininas de enferma beleza – foi recolhida mais adiante pelo
irlandês James Sheridan Le Fanu, todo um clássico do gênero de horror, em seu
romance Carmilla. Como não podia ser
de outra forma, a protagonista da história é uma jovenzinha a quem um vampiro
quer molestar viva, falando em dinheiro, o que nos faz reafirmar que a invenção
deste popular morador das trevas, como tantos outros, responde a necessidade de
manter os mais jovens em casa (especialmente se são mulheres) próximos da
lareira e se possível distante de qualquer um que pretenda arrebatar os virgens
com argúcias, à força ou sedutoramente. Em Carmilla
pulsa além de tudo uma condição lésbica muito bem dissimulada.
As primeiras
versões de Chapeuzinho Vermelho, esse inofensivo conte de fées, deixavam bem claras as intenções do lobo feroz,
outro monstro falante com presas. Destaquemos que em sua primeira versão a Chapeuzinho
era uma inocente moçoila cuja capa vermelha “gostava tanto, tanto / que não
vestia nada mais”. Isto é, ia seminua pela mata. Com razão, os lobos do bosque
queriam lhe comer.
É que os contos
de fadas, como os mitos, os mitos de terror (as múmias, homens-lobo, fantasmas,
espectros, mortos vivos) não são um mero capricho da imaginação popular. Embora
a passagem do tempo o apague é preciso sempre considerar que sob o arquétipo há
uma intenção bem definida suscetível de posterior reciclagem. A inquietação que
produz a personagem não é apenas devido sua condição de besta sobrenatural e
assassino de criaturas, mas a facilidade com que viola os limites da ortodoxia
sexual (moralista e cristã, não esqueçamos).
Tanto é certo
que o estatuto literário do vampiro chegou das mãos de outro irlandês, este
mais conhecido. Nos referimos, claro está, a Bram Stoker. Drácula converteu o vampiro num dos seres mais populares da literatura
e da arte, especialmente a sétima, que soube explorar (e explora, as vezes até
ao deboche) as virtudes idiossincráticas do conde transilvano. Apesar da
filiação anglo-saxônica de suas primeiras espadas, criadores de todo signo não
duvidam em radicar o monstro, com alguma exceção, na região dos Cárpatos, “uma
das regiões mais antigas e desconhecidas da Europa”. Ou, dito de outra maneira,
nos limites da civilização, o ponto de encontro entre Ocidente e Oriente, lugar
de conflito permanente e um dos baluartes do cristianismo que mais e melhor
resistira às investidas do invasor turco, com o nobre Tepes na primeira linha
de fogo.
A explosão
demográfica da espécie nas terras europeias a partir de então é notável em sua
vertente sanguinária e terrorífica mas também na cômica, uma tradição cujo princípio
poderíamos datar com o poema homônimo de Pushkin e culminar com o delirante e
surrealista romance Cidade vampiro,
de Paul Féval. A menos que incluamos neste intervalo os livros de Anne Rice.
Tratando uma
personagem tão universal, pode parecer pueril pretender culpar função do contraponto
entre o racional Ocidente e o barbarismo Oriental. Apesar de tudo há detalhes que
nos induzem a pensar assim. Tomemos por exemplo a maneira como o cinema e a
televisão reinventou o vampirismo convertendo o que outrora fora maldição em
simples enfermidade, uma síndrome que ataca as células sanguíneas provocando
violentas mutações que convertem a quem a padece num predador que vê nos seres humanos happy meals com patas. Uma doença que inclusive pode ser revertida.
Esta conexão
vampirismo / enfermidade vem de longe e há mais de um estudioso do tema que tem
pretendido justificar o mito com argumentos científicos. Por exemplo,
uma das constantes das histórias de vampiros é a da prisão dos habitantes de um
povoado “infectado” para escapar deles. Em ocasiões, esta prisão pode vir acompanhada
de marcas nas portas dos lares, indicando que aqueles lugares e famílias que
tiveram contato com um possível nosferatu, ou ao contrário, que estão livre de
sua influência. Uma prática que recorda suspeitosamente a quarentena. A peste
(transmitida esta por outro chupa-sangue: a pulga comum), raiva e antráx são
firmes candidatas, embora nenhuma enfermidade provoca sintomas tão claramente
vampirescos como a porfiria eritropoyética
– causada pela ausência de certas enzimas necessárias para síntese da
hemoglobina; são a fotofobia, a retração dos lábios, pálpebras e gengivas. O
resultado chega a ser o mais sugestivo.
E. T. A.
Hoffman, em obras como Vampirismo,
Tolstói ou Le Fanu apresentam suas vítimas como pessoas jovens e felizes que
subitamente caem presas de uma enfermidade desconhecida cujos sintomas são de
supor: palidez, debilidade, delírios... nada que uma patologia convencional não
possa a priori explicar. Aparecem
neste ponto os finais abertos (como no caso do russo) em que a origem
sobrenatural da trama não termina de ficar clara. Esta ambiguidade em torno das
explicações possíveis confirma a impressão de que nossa criatura, tão propensa
a justificar súbitas epidemias temporais e brotes de loucura espontânea,
servisse como bode expiatório de desgraças tirando as mundanas.
Curiosamente
o século XVIII presenciou uma série de acontecimentos batizados como “A
controvérsia dos vampiros”, e cujos efeitos ecoaram em personagens como o
mesmíssimo Voltaire (sim, sim, esse Voltaire), o que em princípio contradizia a
primeira impressão dos vampiros como efeito da colisão entre racionalidade e
obscurantismo medieval. Estudiosos como Agustin Calmet (num tratado intitulado,
atenção, Dissertations sur les
apparitions des anges, des démons et des esprits, et sur les reventants, et
vampires de Hongrie, de Bohême de Moravie et de Silésie) ou Johan Christoph
Haremberg, teólogos ambos, deram cobertura midiática à febre dos dentuços na
Europa central e deixaram para a posteridade algumas reflexões.
Como
dizíamos, a vertente literária dos vampiros se nutriu em grande medida de acontecimentos
reais e histórias que circulavam previamente na Europa do Leste. Vlad Tepes é
possivelmente o mais conhecido vampiro histórico,
embora nenhuma introdução sobre este tema ficaria completa sem mencionar outros
dos grandes do ofício: Elisabeth Bathory e Gilles de Rais.
A primeira
nos serve para justificar o monstro como arquétipo da imortalidade conseguida à
custa da vida alheia. A sua reputação como desenhadora de sarcófagos BDSM de
uso único se somaria ao costume de meter neles as virgens jovenzinhas com
objeto de chupá-las pouco a pouco e utilizar o fluido vital extraído para
prolongar os anos de existência neste mundo e ser possível ainda preservar sua
aparência de uma menininha de 20 anos. A ansiedade por manter a vida e a beleza
da malograda aristocrata condensa duas das qualidades inerentes do vampiro: a
imortalidade e a luxúria de sangue. A diabólica condessa protagonizaria um dos Contos imorais de Walerian Borowczyj num contexto extremamente
apropriado. Isto é, numa casa a romper jovenzinhas nuas e sob a neve.
O caso de
Gilles de Rais é diferente. Sua história é algo turva e os motivos de seus crimes
não se conhecem tão bem como os de Elisabeth Bathory. A Inquisição não duvidou
em justapor sua conduta à influência do Diabo; claro que seus simpáticos funcionários
veriam a mão de Satanás numa partida de curling.
Gilles foi
um dos tenentes atribuídos a Joana d’Arc, uma adolescente tomada pela
esquizofrenia paranoide que mantinha relações diretas com Deus. Já se conhece a
história. Quando esta foi aprisionada pelos borgonheses, o jovem De Rais foi o
único nobre francês que tratou de resgatá-la das garras do inimigo protagonizando
uma incursão em seu território que não teve muito sucesso, o que nos diz muito
sobre sua lealdade para com ela. Depois da execução trancou-se em seu castelo
de Vendée, de onde ao que parece saiu melhor. Anos depois, e mediando uma nova
aparição da Inquisição, foi condenado e executado por assassinato, sodomia e
heresia. As descrições de sua conduta naquela época são extensas e foram recolhidas
com o estilo habitual do Santo Ofício: hiperbólico e pornográfico.
A história
inspirou Michel Tournier em seu romance Gilles
et Jeanne, onde as atrocidades cometidas seriam consequência da obsessão
que sentiu pela santa mais o ódio experimentado contra o criador, a quem dedicou
sua magna e perturbada obra em gesto de desafio. A vida de De Rais também foi o
ponto de partida de Às avessas, de
Joris Karl Hyusmans durante sua fase mais satânica; o périplo de um jovem decadente
no submundo da adoração demoníaca e o cristianismo medieval com um súcubo (esse
primo-irmão do vampiro) de comparsa. Segundo conta-se, Gilles de Rais não se
limitou a matar crianças mas profanou seus corpos da forma mais ignominiosa:
violações em todas as direções, decapitação e depois da repetição do processo
(pela boca ou orifício aberto da traqueia, deixando a glande pela boca), queima
ou pratica outras barbaridades. Poucos saíram em sua defesa. Alesteir Crowley
foi um dos que, desmentindo a Inquisição e outros replicadores do legado de De
Rais, atribui-lhe o papel de alquimista e erudito das ciências ocultas. Nesta
versão não haveria o sádico infanticida, apenas um estudioso de disciplinas
proscritas pela Igreja, tão propensa a converter a adoração de deus estranhos
em delito e a inventar uma diversidade de acusações para justificar a consequente
– inevitável – repreensão.
As histórias
de Bathory e De Rais nos ajudam a explicar o genoma do monstro, que é tão
somente o desejo excessivo e desarticulado, sem enfoque nem propósito, que se
transmuda e alcança a categoria do crime sexual. Aparece aqui uma conexão que
tem sido tratada por diversos autores dentre os quais o mais explícito foi
Georges Bataille.
Da mesma
forma que a literatura se nutriu da (brutal) realidade, está foi influenciada
pela literatura. Aparecem assim ao longo do século XX novos casos que não se
sabe bem se em virtude de critérios objetivos, desejo expresso da criminalidade
ou por veredito amador, se vincularam com a luxúria de sangue dos vampiros.
Peter Kürten e Richard Chase, o “vampiro assassino” sem identificar de Estocolmo
ou o brasileiro “Corumbá o vampiro” ganharam fama emulando o célebre monstro
mediante delitos que, por não haver disposto de um molde tão evidente, seriam
difíceis de se catalogar.
Mas, chegou
o século XX e o vampiro teve que eleger entre renovar-se e morrer. Ou experimentar
a “morte verdadeira” como dizem em True
Bloond. Com sorte nosso monstro
sempre se sentiu bastante atraído pela moda e os trapinhos fashion como para não deixar que o purismo da tradição
ortodoxa que lhe desse vida arruinasse sua carreira. Seu salto para o cinema
foi cedo, graças ao clássico Nosferatu,
o conhecido filme de Murnau que foi revisitado anos depois por Werner Herzog com
o atômico Klaus Kinski na pele do Conde Orlok, e homenageado em diversas ocasiões,
dentre as quais a mais espetacular seria A
sombra do vampiro de Elias
Merhige, com Whillhem Defoe fazendo as vezes de Max Schrek / Conde Orlok.
Hollywood e
a produtora Hammeer tomaram o testemunho de Murnau e puseram o monstro em ponto
para a era pop que o sucederia. E falamos
sobre as sagas Blade, Crepúsculo e 30 dias de escuridão, mas estas são suas últimas versões. Entre as clássicas
protagonizadas por Bela Iugosi e Christopher Lee e as últimas, pós-modernas, marcadas
pelo tecnicismo e estilizadas aparições do vampiro na tela resulta numa trajetória
que não é fácil sintetizar. Não apenas pela ampla gama de produtos audiovisuais
e artigos de consumo suscitado por elas (desde grupo de rock obcecados com a
imagem gótica até o popular jogo RPG) mas devido em parte à desmesura de uma
indústria que compartilha com o Conde Drácula o costume de exprimir sua presa
até a última gota.
A comparação
não é gratuita: os vampiros, como as sanguessugas e outros parasitas, têm em comum
a mania de perpetuar-se nas costas dos outros. Há quem pensa que o papel pode ser
colocado em relação com a exploração da mão de obra pelo menos no capital, inclusive
alguém entreviu esta mensagem no filme de Murnau. Marx se referia ao menos aos
parasitas capitalistas como “chupa-sangues” e o diretor Hans. W. Geissendörfer retratou
num sonoro Godwin equiparando-o a
Adolf Hitler.
Desconhecidas
parecem também as razões de seu contínuo sucesso entre o público. Não nos cansamos
de ler livros de vampiros, ver filmes de vampiros, documentários sobre
vampiros, música vampírica, jogos de RPG, vampiros adolescentes (Crepúsculo, The lost boys), caça-vampiros (Blade,
Buffy Vampireslayer), vampiros japoneses
(como a série animada Blood),
vampiros gays, vampiros setentões (Noite
do medo), etc.
O que
sabemos é que os vampiros não são
alheios aos desejos carnais. Acima mencionamos os termos “luxúria de sangue”,
algo que Frances Ford Coppola soube refletir em sua interpretação pessoal do
romance de Stoker, ao menos se nos situarmos na cena em que Monica Belluci suga
Keanu Reeves, e não só o sangue, em companhia de outros dois súcubos. A carga erótica
do filme é constante como na adaptação cômica de Guido Crepax, ou mesmo nos
referentes cinematográficos mais clássicos; um dos poderes de Drácula é a capacidade
de hipnotizar suas vítimas, especialmente se são jovens, graças a um intenso
olhar e o seu exótico sotaque. Quem nos diria que a figura romena perderia
tanto glamour em tão pouco tempo. De
onde vem esse componente sexual? Talvez só se trate de uma associação de ideias
devido à forma como se alimenta, aplicando os lábios no pescoço de sua vítima e
mordendo, chupando vivamente. Um gesto amoroso que se produz com frequência nesses
momentos de intimidade em que alguém leva a mão, ou melhor, a boca, deixando
essas marcas que carregamos na adolescência com autênticos troféus, chupões, curiosamente também causados
pela ruptura dos vasos capilares na periferia da região atacada.
Sexo e dor,
ou se preferem, sexo e morte, compartilham em certo sentido o mesmo vetor direcional,
a condição de acontecimento extraordinário e perturbador da vida cotidiana
sobre a qual se exerce controle e que com frequência se vela com o silêncio;
são tabus.
Falar sobre
sexo e vampiros é sempre em termos subversivos, intercambiáveis num e noutro contexto.
O vampiro morde e penetra a pele, chupa o sangue, que é fluido
do qual brota a vida. Se Bataille
outorgava esta condição de irmandade aos dois fenômenos que marcam a existência
no mais profundo (o ato que cria vida e sua extinção) o vampiro se encontra na
privilegiada posição de poder escolher uma e renunciar a outra. E o que é mais
importante, manter-se jovem e belo por toda eternidade. Este é o motivo por que
gera essa mistura de medo e atração característica e também o motivo para que
sua evolução o tenha levado a abandonar sua face primitiva, a do monstro irracional
possuído por algo mais parecido à fome que à lascívia, adaptando sua imagem aos
cânones modernos, à higienização da figura, ao tom afetado da moda adolescente.
* Este texto é uma tradução de "El curriculum del vampiro" publicado aqui em Jot Down.
Comentários