Oito adaptações de Edgar Allan Poe realizadas por Roger Corman
Corvos
malditos, castelos mal-assombrados, noites de tormenta e névoa, instrumentos de
tortura, gatos pretos, hipnoses, loucura... e sobretudo a morte em suas
variantes: seja o desassossego que provoca sua aproximação, a nostalgia pelos
seres queridos que nos arrebatou ou o terror que infunde a possibilidade de que
se apague a linha entre a vida e o além, a terra de ninguém habitada pelos
fantasmas. Esse foi o universo de um dos escritores mais enigmáticos da
literatura e nele Roger Corman encontrou a pedra no seu sapato. De forma
paralela ao que fazia a produtora Hammer no Reino Unido (e muitas vezes
tomando-a como inspiração) em princípios dos anos sessenta este prolífico
diretor rodou uma série de adaptações dos contos e poemas de Edgar Allan Poe.
Às vezes relativamente fiéis e noutros casos leituras muito livres, mas sempre recriando
uma característica atmosférica gótica que fez história para o
cinema. Alguns dos títulos foram rodados quase consecutivamente, de maneira que
encontramos não raramente os mesmos autores, vivendo combinações diversas; mas
quando existe talento se faz da necessidade virtude; e igual a uma criança que
quer que lhe contem toda noite a mesma história, nos aproximamos destes filmes
esperando encontrar vez ou outra Vincent Price deambulando por algum castelo ou
mansão cheia de teias de aranhas com o mesmo candelabro de velas vermelhas na
mão envolvido num novo pesadelo de morte. Eis mais detalhes:
- A queda da casa de Usher (1960)
A dimensão psicológica da obra de Poe ficou bem refletida nesta mansão que se
cai aos pedaços como alegoria da mente perturbada do protagonista, fazendo
desta narração uma de suas mais aclamadas e de maior impacto cultural. Corman
foi um de seus entusiastas, de maneira que quando lhe propuseram rodar um filme
de terror em cores tinha claro qual seria o motivo de seu roteiro. Foi o
sucesso de bilheteria no ano que lançou o filme (rodado em apenas quinze dias)
que abriu-lhe o caminho ao financiamento dos trabalhos seguintes e inaugurou
clichês estéticos e narrativos que logo copiariam. Como o magnífico ator
protagonista e sua interpretação de personagens com uma alma cheia de dobra e
sombras, ou a catalepsia, essa aparência de morte que levará uma personagem a
ser enterrada viva, ou ainda o incêndio final, um bom golpe de efeito em todo o
desenlace para o que se empregaram de forma recorrente as cenas desse filme.
Desenlaces que às vezes resultam um tanto desconcertante quando a história tem
lugar num castelo medieval de pedra... será que as teias de aranhas são muito
inflamáveis – bom, quem sabe.
- O poço e o pêndulo (1961)
Edgar Allan
Poe ambientou esta obra na Espanha e como bom representante do mundo
anglo-saxão protestante já podemos imaginar a que se referirá: à Inquisição. A
fidelidade histórica ficou aqui e num segundo plano; aproveitando sua
independência do texto adaptado e o sucesso do anterior recorreu a este conto
para extrair pouco mais que o título e máquina de tortura tão singulares. Os
elementos, por sua vez, mantiveram afinidades com o universo criativo do
escritor, como a investigação detetivesca em torno de uma morte. O resultado
foi positivo porque o roteirista, habitual colaborador do diretor, foi Richard
Matheson, autor de clássicos como Eu sou
a lenda e O incrível homem que
encolheu.
- Obsessão macabra (1962)
A ideia de
filmar a situação na qual alguém é enterrado vivo pode parecer comum nos dias
de hoje; mas foi um medo que se tornou recorrente já no século XIX e que Poe
soube explorar em vários contos, sendo este o que mais se aproximou do tema,
tal como o seu próprio título original indica, Premature Buried. Nele, um estudante de medicina desenvolve uma
obsessão pelo medo da catalepsia – depois de se pensar ser a próxima vítima do
que parece ser uma maldição familiar – e começa a planejar uma forma prática de
evitar qualquer risco de passar por esta situação. Trata-se do único do ciclo
de filmes que estamos relembrando que não foi protagonizado por Price,
substituído nesta ocasião por Ray Milland. É também, dentro desse ciclo de
adaptações dirigias por Roger Corman, o título que guarda melhor fidelidade à
essência do terror psicológico do original.
- Sombras de terror (1963)
Os chamados
filmes de antologia – que agrupam vários curtas mais ou menos independentes –
são um dos pilares do gênero de terror relativamente recente: Grindhouse ou Black Sabbath são alguns. Em Sombras
de terror se resumem três versões de três contos: “Morella”, “O gato
preto”(que também contém elementos de “O barril de amontilhado”) e “A verdade
sobre o caso do Sr. Valdemar”. A primeira é uma história muito semelhante à
vista anteriormente, a segundo é a mais divertida, com toques de humor bastante
acertados a cargo de Price e Peter Lorre e a terceira deu nome a uma editora
espanhola.
- O corvo (1963)
É o poema
que deu fama a Edgar Allan Poe em seu tempo e um dos mais célebres da
literatura de língua inglesa. Adaptá-lo ao cinema não é uma tarefa fácil. Que história
desenvolver a partir de algo cujo êxito está no que se sugere sem mostrar? Em cada
leitor pode evocar uma coisa e neste caso o já citado Richard Matheson e Corman
deu lugar a uma comédia cujo humor, devemos dizer, não envelheceu nada bem. Para
destacar algo, cabe dizer que podemos ver de novo Lorre, também Boris Karloff e
um joveníssimo Jack Nicholson.
- O castelo assombrado (1963)
“The Haunted
Palace” foi outro poema do escritor sobre o qual Corman imprimiu mais
liberdades. Na verdade bastou-lhe o título e incluir alguns versos recitados no
final do filme, pois esteve mais próximo de The
case of Charles Dexter Ward, de H. P. Lovecraft. Apesar dessa novidade no
roteiro, o estilo gótico se mantém intacto, com uma Nova Inglaterra do século dezenove
muito fiel à pátria original, a presença de retratos malditos dos antepassados
que nos remete à A queda da casa de Usher;
o tormento psicológico que atinge o protagonista ou essa enfurecida suspeita,
sem redes sociais mas com tochas, que persegue o protagonista como se tratasse
do monstro Frankenstein.
- A máscara da morte vermelha (1964)
A
ambientação medieval, a gravidade de alguns diálogos em torno da existência de
Deus e porque aparece a mesma Morte torna-se impossível que não nos lembremos
de O sétimo selo. De fato, Corman
esteve perto de se não se apresentar nesta adaptação para evitar as acusações
de plagiar Ingmar Bergman. O filme tem os mesmos elementos de terror dos demais,
o que fez com que fosse incompreendido por boa parte do público e da crítica,
embora o diretor o considerasse um dos três melhores títulos de toda sua obra,
ao lado de O intruso e O homem dos olhos de Raios-X.
- Túmulo sinistro (1964)
Alguém que
intitula um livro autobiográfico de Como fiz
cem filmes em Hollywood e nunca perdi nem um centavo (tradução livre) deixa claro que seu
amor pelo cinema é intenso mas desordenado e tinha interesse também em ganhar
dinheiro com seu trabalho. Sempre atento às modas e ao gosto do público, Scorsese
conta que quando propôs a Corman que produzisse Mean Streets, este lhe respondeu que lhe daria o dinheiro se “o
fizesse todo com negros” no Harlem, pois era o momento do blaxploitation. Ficará para sempre a dúvida de como teria ficado o
filme, mas, em qualquer caso, Corman distribuiu também em seu resultado final e Scorsese,
como mostra de gratidão, incluiu uma sequência nela de Túmulo sinistro. Rodado em 1964, foi este filme o último do ciclo
de Poe porque foi o que menos arrecadou com a bilheteria. O filão parecia ter
se esgotado embora este título esteja muito longe de ser o pior de todos. Em
sua produção jogou tudo pela janela dedicando nada menos que vinte e cinco dias
de gravações, que se desenvolveu na Grã Bretanha (como a anterior) e, para
variar, com muitas cenas externas.
Comentários