Golpes de versos afro-potiguares do poeta Antonio Eliano
Por Ciro Leandro
Costa da Fonsêca
O escritor
angolano Ondjaki tece em suas obras uma imagem da escuridão com um viés belo e
positivo, pensamento presente, por exemplo, no título da sua obra Uma escuridão
bonita (2013). A escuridão para esse autor revela um lugar na história, um
espaço que permite o tempo narrativo. Nessa obra a escuridão está relacionada à
proteção de um jovem garoto ao faltar nas ruas de Luanda capital de Angola,
criando uma oportunidade para o diálogo com sua amiga.
Essa
discussão sobre o autor angolano se constrói como bastidor para que cheguemos aos
poemas do jovem potiguar Antonio Eliano Juvêncio da Silva, um poeta e
compositor que lançou no ano de 2015 o seu primeiro álbum intitulado
Ecdemomania e que se assume negro versando sobre a sua identidade. Natural de
Pau dos Ferros, no interior do Rio Grande do Norte, onde faz mestrado pelo
Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte, é descendente dos povos negros que formaram o histórico bairro do São
Benedito na cidade que por não puderem frequentar a igreja dos brancos, a Mariz
de Nossa Senhora da Conceição, construíram no início do século XX a sua própria
capela e lhe deram como padroeiro um santo negro, São Benedito.
Em sua primeira
obra Quase não me recupero do golpe que seus olhos me deram (2017), uma edição
do autor aparentemente simples, mas que revela uma poética conflituosa, Eliano
apresenta a sua identidade negra com os olhos da poesia. E escuridão se torna
como em Ondjaki uma imagem poética como podemos perceber nos versos deste poema
“apague a luz do dia/ e anoitece comigo/ à luz de vela”. É a escuridão o lugar
propício ao encontro, ao anoitecer narrativo como ocorre no encontro narrado em
Faíscas da escuridão. Escuro que não amedronta, mas oportuniza uma interação
narrativa. A luz da vela ilumina uma nova história para o povo negro e o
anoitecer se reveste de uma atmosfera iluminada, de um recomeço, imagem
semelhante à comumente associada ao amanhecer.
Como a falta de luz elétrica na
Luanda de Ondjaki oportunizou a conversa, nos versos do poema “faltou energia
elétrica na rua/ a música era dos grilos e gias/ e luz por todo canto” o que propicia
a visão da lua, símbolo da noite que ilumina todo canto, signo dúbio que agrega
ao mesmo tempo o canto dos negros no escuro, ao anoitecer como acontecia nas
senzalas após um dia de trabalho duro, escondidos e protegidos pela escuridão
da noite, como canto no sentido de lugar, de espaço para a música, o batuque.
Se houve o canto das gias e grilos, nas lagoas e matos, mas não se sabe onde
exatamente estão. Assim era o canto dos negros nas senzalas e nos quilombos,
uma voz de resistência em meio à escuridão. A claridade do dia representava o
trabalho forçado e era preciso como retrata o poema “às vezes/ entardecer/ pra
não morrer/ de aurora”. Amanhecer que era o início da lida pesada aquietada
apenas com o por do sol.
Outra nuance
da poesia de Eliano é o que ele denomina como estética da dor “quando fui
poética/ só me era estética da dor”. No poema iniciado por esses versos essa
estética está marcada pelo silêncio imposto e transgredido pelo negro que não
se assujeitou a uma retórica retrógrada: “quando não passei de versos diversos
e prosa/ fui retórica retrógrada/ quando fui silêncio/ nada me silenciou”. Na
colonização e na escravidão os negros tiveram sua cultura violentamente
silenciada, despojada de seus elementos cotidianos como afirma Edouard Glissant
(2005). O silêncio aparece mais forte do que a retórica dos versos que não
tinham a força de transgredir, que não passavam disso. Mas o canto quebrava
esse silenciamento “e no ranço vácuo adormecido/ fui erupção num vulcão
adormecido”. Nesses versos conclusivos deste poema o vácuo pálido, sem vida
forçado pelo branco é quebrado pela erupção das vozes adormecidas, esta que uma
vez acordadas tem a força devastadora de um vulcão.
Outro poema
reflete sobra a função social do poeta “quando fui à procura de emprego/ com
meu currículo de poeta/ descobri que nesse mundo vago/ não há vaga pra poesia”.
Como o funcionário público e o operário não cabiam no poema Não há vagas de
Ferreira Gullar, só “o homem sem estômago/ a mulher de nuvens/ a fruta sem
preço”, também não há vaga para o poeta e nos versos de Eliano a poesia negra busca
romper com a falta de vagas, pois em ouro poema se “o verso/ não/ coube/ entre
a margem./ a vida/ não/ cabe/ nesta/ noite”. A poesia do jovem escritor negro
rompeu a margem, coube na noite e iluminou versos, vozes e memórias do povo ao
qual pertence, rompendo o silêncio com a nova poética.
Referências
GLISSANT,
Édouard. Introdução a uma poética da diversidade. Tradução de Elnice do Carmo Albergaria
Rocha. Juiz de Fora: UFJF, 2005.
SILVA,
Antonio Eliano Juvêncio da Silva. Quase não me recupero do golpe que seus olhos
me deram. Natal: edição do autor. Dezembro de 2017.
ONDJAKI. Uma
Escuridão Bonita. Rio de Janeiro: Pallas Editora, 2013.
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Ciro Leandro
Costa da Fonsêca é aluno do Doutorado em Letras pelo Programa de Pós-Graduação
em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Bolsista da CAPES e
membro do Grupo de Pesquisa em Literaturas de Língua Portuguesa-GPORT. Atua nas
áreas de Literatura e Cultura Afro-brasileiras e Populares.
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