Os conselhos de Wislawa Szymborska aos aspirantes a escritores
A revista Vida literária inclui durante longo
tempo uma seção que recuperava a tradição de um gênero comum em revistas; nesse
caso, um correio literário. No espaço eram publicizadas respostas a autores que enviassem
suas obras para leitura e parecer. Uma das pessoas responsáveis por esta seção
era Wislawa Szymborska. Mais tarde, em 2000, os textos foram recolhidos e formaram
parte num livro que certamente é uma peça indispensável a dois gostos: daqueles
que estimam novidades mais íntimas, por assim dizer, de seus escritores e para
aqueles que gostam do escutar outras experiências com a escrita.
Quando em
1996 a poeta recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, a Academia Sueca justificou
sua decisão porque em sua poesia a “precisão irônica permite que os contextos
histórico e biológico venham à luz em fragmentos da realidade humana”. O prêmio
descobriu sua obra a muitos leitores e a fascinação por Szymborska cresceu enquanto
aprendíamos a pronunciar seu nome. Nessas breves palavras, os acadêmicos utilizaram
as definições exatas para sua escrita: ironia, história, biologia e
realidade humana – visíveis agora, tanto na poesia como na prosa. Se na prosa,
também neste volume de correspondências que se marca por um transbordante sentido
de humor e ironia. Ficamos a imaginar Szymborska como uma jovem redatora encarregada
de ler numerosos textos de pessoas com pretensões literárias embora nem sempre fossem
apenas escritores de primeira viagem.
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Queridos aspirantes a escritores
Por Aloma Rodríguez
Contras as certezas. Wislawa Szymborska
escreveu que tinha alta estima pelas palavras não sei e que a inspiração,
seja o que for, nasce de um constante “não sei”. Escreveu no seu discurso
de recepção do Prêmio Nobel de Literatura, concedido em 1996, o que ela chamava
a catástrofe. O que dizia a poeta é que a inspiração nasce das perguntas cujas respostas desconhecemos. Seus poemas
têm os ingredientes do que mais gosto e em sua justa medida: humor,
inteligência, curiosidade, capacidade de análise e observação, desejo de compreender
o mundo e uma graça indescritível. Parecem simples mas ocultam uma profundidade
exposta com claridade. “Minha poesia, como a vida, é uma moeda: tem um lado
trágico e um lado cômico”, disse numa entrevista ao escritor Félix Romeo.
Uma seção numa revista. A revista Vida literária começou a ser publicada
em 1951. No primeiro número havia um poema de Szymborska, que passou a fazer parte
da redação do periódico em 1953 (e ficou até 1981). A seção “Correio literário”
foi anunciada em 1960. “Aparecerão as respostas da redação aos autores que
enviam suas obras”. Duas pessoas se ocupavam dessa seção e uma era Szymborska.
Teresa Walas organizou 236 dessas respostas em Correio literário ou como chegar a ser (ou não chegar a ser) escritor
em 2000. A edição inclui ainda uma entrevista da antologista com a poeta; a tradução espanhola, publicada pela editora Nórdica, acrescenta um prefácio – de onde saíram as
informações aqui apresentadas – escrito pelos tradutores da obra, Abel Murcia e
Kataryna Moloniewicz. Szymborska conta nessa entrevista que, sobre a seção, “não
foi necessário inventar nada. É uma velha tradição das revistas literárias. Sempre
foi necessário responder a alguns autores, sobretudo principiantes, sem escrever
cartas diretamente para eles”.
Uma vida de leitor. As respostas de
Szymborska são audaciosas, engenhosas, mordazes e sem contemplações. “Desapiedada?
Eu também comecei com poemas e com contos ruins. E sei que isso de jogar um
balde de água fria na cabeça tem efeitos terapêuticos”, diz na entrevista a Walas. “'Meu noivo diz que
sou muito bonita para escrever boa poesia'. Que pensam sobre os poemas que
envio? Acreditamos que você é efetivamente uma mulher muito bonita.”, responde assim a uma das cartas recebidas. Szymborska insiste, em muitas de suas respostas, na necessidade
de que se tenha talento para escrever (“pois
bem, há que ter algo de talento”, “Nenhuma aula magistral, por muita atenção
que alguém tenha, pode ajudar a criar talento. No melhor dos casos pode ajudar
a esse talento, em caso de que já exista, claro”). Ou: “Todos os apaixonados
mostram uma espécie de talentinho temporário, mas, por azar, são raras as ocasiões,
muito raras, este resiste um interregno sentimental”. Aos que não têm talento
os anima a se dedicar a outras coisas (para as quais pode ser que sim tenham talento)
e lhes oferece o consolo da leitura: “Espera por você uma vida fantástica, uma
vida de leitor, e de leitor dos melhores, de leitor desinteressado; a vida de
um amante da literatura, um amante que será sempre o membro mais forte do casal,
isto é, não é o que tem que conquistar, mas o que é conquistado. Você lerá as coisas
mais diversas pelo prazer de ler”. Como ela tenta explicar a Walas: “tentava
que entendessem coisas elementares, os animava a refletirem sobre o texto escrito,
que fossem minimamente críticos com eles mesmos. E, o mais importante, animava-os
a ler livros”.
Uma poética escondida. Mas, além dos conselhos
e das respostas engenhosas, se se lê com atenção, estas respostas permitem compreender
a ideia de literatura que tinha Szymborska, isto é, contêm uma poética escondida
e expressa com humor e rapidez, mas não sem reflexão. “Na verdade, seria justo
e admirável que a intensidade do sentimento por si só determinasse o valor
artístico do poema”, escreve. Ou: “é melhor uma única metáfora relacionada
organicamente com a ideia inicial do poema que mil e quinhentas remendadas a posteriori”. Também explica o que compartilham
todos os escritores – tem a ver com a curiosidade: “Nas entranhas de um escritor
com talento volteiam os mais diversos demônios. E inclusive se antes ou depois
de escrever se encontram adormecidos (ou deveriam encontrar-se adormecidos),
durante a escrita a escrita têm uma frenética atividade. Sem sua ajuda, o escritor
não poderia mergulhar nas complicadas vivências das personagens”; “um escritor
se forma em seu interior, no coração e na cabeça: graças a uma inata (sublinhemos,
inata) predisposição a abster-se, a viver de forma emotiva as menores coisas, a
espantar-se inclusive ante aquilo que para os demais parece normal”.
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* Este texto é a tradução de "Queridos aspirantes a escritores: aquí una poética", publicado em Letras
Libres.
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