O estilo Tom Wolfe
Por Juan Tallón
A notícia da
morte de Tom Wolfe no último dia 14 de maio me pegou na página 332 de Bloody Miami, do escritor. Não podia acreditar.
Que tipo de causalidade será essa? “Aqui morreu o autor”, anotei numa margem do
romance, que fechei durante várias horas. Depois me pus a pensar no estilo que
embebia Bloody Miami, que era o que havia
embebido Um homem por inteiro (1998)
e antes A fogueira das vaidades
(1987), e ainda antes suas célebres reportagens. Fui tão atrás que me encontrei
com Tom Wolfe aos seis anos de idade, em sua casa de Richmond, onde havia nascido
em 1930. Era aquele garoto que um dia viu seu pai trabalhando no escritório,
pois tinha uma revista agrícola chamada The
Southern Planter. Thomas Kennerly Wolfe era agrônomo e seu filho assumiu
que também ele, no futuro, viria escrever. “Há uma grande vantagem em ter
(erroneamente ou não) a impressão que tens uma vocação muito cedo porque a
partir desse momento em diante começas a focar todas tuas energias em torno
desse objetivo”, confessou Wolfe a George Plimpton numa entrevista para The Paris Review, em 1991. Isso, segundo
sua memória, lhe ocorreu precisamente aos seis anos. Aos oito, quando distinguiu
nas estantes de casa os romances O trem e
a cidade e O menino perdido, de
Thomas Wolfe, deu por certo que este
era alguém da família e que escrever era algo portanto que os Wolfe traziam no
sangue. “Meus pais custaram convencer-me que não tínhamos qualquer parentesco”.
Sua reação foi lógica, por tratar-se de uma criança: “Bom, então o que está fazendo
na estante?”
No jornal da
escola, o St. Cristopher’s Day School,
em Richmond, escreveria uma coluna chamada The
Bullpen, em que, segundo Marc Weingarten, autor de A turma que não escrevia direito, “vibravam já os primeiros exemplos
de sua prosa pirotécnica”. Dessa época datam seus primeiros contos, que continuou
cultivando na universidade Washington and Lee (Lexinton, Virginia), quando
participou nos seminários de George Foster, onde “aprendeu a receber duras críticas
e onde se deu conta de que o lema ‘escreve sobre o que conheces’, tão utilizado
para a narrativa, não era o que ele tinha planejado para sua carreira como escritor”.
Quando chegou
o momento e antes de obter o título de doutor em Literatura Norte-Americana
pela Universidade de Yale, decidiu buscar emprego num jornal. Escreveu a mais
de cem pedindo trabalho. Responderam três. Dois para dizer não. Em The Sprinfield Union, em Massachusetts, construiu
seu lugar a partir de 1956. Trabalhou ali enquanto escrevia sua tese de
doutorado. Três anos depois mudou-se para The
Washington Post, demasiado regulamentado segundo ele, e “muito parecido como
uma seguradora, com mesas de metal alienadas”. Assumiu um estilo imposto, no
qual nunca se sentiu à vontade nem sentiu que estivesse sendo original. Sempre pensou
que um jornal não ajudava ao estilo da prosa que ele aspirava. O jornal se convertia
em ‘numa forma de preguiça’”.
Em 1962 trocou
Washington por Nova York para trabalhar no Herald
Tribune, em cuja seção dominical tentaram convencê-lo a abandonar os convencionalismos
da redação jornalística. Pouco depois de chegar ao jornal, um editor convidou-lhe
para um jantar e aí soube que estava no lugar quase perfeito. “Ou este é o mundo
real, Tom, ou não existe mundo real”, escreveria sobre aqueles dias anos depois.
Nesse mesmo
ano foi chamado à redação da revista Esquire
e o editor, Byron Dobell, propôs que escrevesse uma matéria sobre a cultura do automóvel
e afinidade das pessoas sobre esse artigo de culto. Tão logo pode, atraiu-se
para as longas histórias, onde seu estilo de escrever gozaria maior liberdade. “Tive
que desaprender as restrições e os atavios propostos pelos jornais”, confessou
a Plimpton.
Seu estilo
encontrou um primeiro momento de avanço durante seus estudos de pós-graduação
em Yale, quando coincidiu encontrar um grupo de escritores soviéticos – entre
os quais estavam Boris Pilniák, autor de O
ano nu, obra que capta o impacto da Revolução de 1917 num vilarejo à beira
das estepes orientais, e Ievguêni Zamiátin, satirista e autor da conhecida ficção
distópica Nós. Zamiátin também escreveu
sobre a Revolução Russa; os dois estavam bastante influenciados pelo simbolismo francês. Wolfe encontrou algo neles,
sobretudo em relação à estética dos dois, digna de admiração, e partir deles
tomou elementos para a composição de sua escrita, como os experimentalismos com
a pontuação.
Em Nós, por exemplo, Zamiátin interrompia
os pensamentos de suas personagens com toda sorte de signos. “Estava tratando
de imitar as maneiras verdadeiras de se pensar, assumindo, de maneira bastante
eficaz, que não pensamos em orações complexas. Pensamos emocionalmente”, dizia
Wolfe. Os muitos sinais de exclamação que aparecem naquele romance seriam recolhidos
pelo estadunidense e com o tempo os converteria num costume cada vez mais recorrente
nas próprias ficções e nunca mais o perdeu. Em A fogueira das vaidades ou Um
homem por inteiro se contam aos milhares. Dwight Macdonald, figura do The New Yorker e ensaísta no The New Yorker Review Books, chegou a
dizer em 1987, sobre essas exclamações que recordavam os diários da rainha
Vitória. A posição de Macdonlad naqueles anos eram tão reputada que Wolfe, que não
havia feito mais que estrear na ficção, começou a ler esses diários e sentiu que
“não estava tão mal”.
Quando
lutava por desligar-se das regras do estilo notavelmente jornalístico e propiciar
o máximo de liberdade à sua mão, tomou a decisão de empregar costumeiramente o
presente histórico em suas reportagens, assim como construir metáforas e imagens
insólitas e extravagantes, o que permitia os usos do coloquialismo, das onomatopeias,
e favorecia um agudo sentido do caricaturesco. Foi então quando, no começo dos
anos sessenta, chegou à Esquire, que
era a revista mais experimental que existia nos Estados Unidos. Estava no lugar
enfim perfeito para praticar e desenvolver seu estilo.
Seu primeiro
editor, Byron Dobell, foi decisivo. Nunca havia escrito um artigo para uma revista
e ia contar uma história sobre os amantes dos carros em Los Angeles. Sentiu-se,
entretanto, que poderia realizar essa proeza. Experimentou “o medo de não poder
fazer o que alguém acreditava que podia fazer, o medo de que não vale a pena
fazê-lo”. Byron lhe passou então as anotações que outro jornalista da casa havia
tomado e quem poderia redigir a reportagem. Eram notas caóticas e Wolfe as refez.
Numa noite escreveu um memorando, como se uma carta, com toda a informação que tinha
disponível. Ignorou qualquer convenção jornalística. Seu editor retirou o “Querido
Byron” do início do texto e disse que o restante, quase tal e qual se
apresentava, era bom para ser incluído na revista. Chamava-se, por ideia do
editor David Newman, “Lá vai (Brrum! Bruum!) aquele aerodinâmico bebê (Rahghhh!)
floco de tangerina cor de caramelo (Thphhhhh!) virando a esquina
(Brummmmmmmmmmmmmmmmmm!)”
O estilo de Wolfe
estava nascendo. Quando em 1965 publicou seu primeiro livro The Kandy-Kolored Tangerine-Flake Streamline
Baby, que recolhia algumas das reportagens mais destacadas até aquela data,
os elementos de sua identidade já brilhavam. Haviam aparecido graças ao fato de
que naquela época se escrevia em alguns tipos de revistas “o que podia-se experimentar
da maneira como querias”, como disse mais tarde. O livro teve logo, como a
reportagem da Esquire, grande repercussão.
Um mês depois de publicado alcançou a quarta edição. Esse sucesso, “junto com
os violentos ataques de Wolfe ao The New
Yorker em suas colunas do Tribune,
publicadas em abril do mesmo ano, converteram o escritor num enfant terrible do jornalismo, alguém
que por baixo da gentileza escondia um gênio subversivo”, conta Marck Weingarten.
Dedicaram-lhe perfis no Time e na Newsweek, foi entrevistado na televisão,
recebido em festas de Richmond (Virginia) a San Diego (Califórnia), onde, como
destacou a Vogue, “apareceu com um
traje branco sobre branco beijando a mão das damas”. Já era então o Tom Wolfe
que hoje todos conhecemos. Sabemos o que veio depois. Pode-se lê-lo em centenas
de artigos e dezenas de livros. Desde aqueles dias, confessou a Plimpton, se começou
a “escrever sobre mim e sobre meu estilo”, a tal ponto que partir de então Wolfe
começava a escrever um artigo e dizia para si mesmo: “Espera um momento. Este é
realmente o estilo de Tom Wolfe?”.
* Este texto
é uma tradução de “El estilo Tom Wolfe”, publicado em Jot Down.
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