Wisława Szymborska, a poeta do acaso
Por Fernanda Fatureto
No poema “Entre muitos”, incluído na antologia Poemas (Companhia das
Letras, 2011), Wisława Szymborska anuncia: “Sou quem sou./Inconcebível
acaso/como todos os acasos./Fossem outros/os meus antepassados/e de outro
ninho/eu voaria/ou de sob outro tronco/coberta de escamas eu rastejaria”. Este
é um dos poemas-chave para adentrar o universo de Szymborska. Nascida na
Polônia, em 1923, presenciou a guerra em seu país durante duas trágicas
ocupações – a nazista na Segunda Guerra Mundial e, posteriormente, a Stanilista
que forjou mais de quatro décadas de totalitarismo. Regina Przybycien,
tradutora da poeta no Brasil, afirma no prefácio de Poemas que após a morte de
Stálin “os escritores na Polônia puderem seguir com maior liberdade em busca de
uma voz individual”. No caso de Szymborska, encontraremos a casualidade da
existência humana e da natureza dialogando entre si, numa rara postura de que a
poeta nada sabe e encontra nas palavras a interrogação fundadora do mundo.
Wisława Szymborska ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em
1996. Antes do Nobel era pouco conhecida fora da Polônia e não tinha muitos
livros traduzidos. O prêmio a consagrou fora de seu país. Em seu discurso na
Academia Sueca, afirmou: “Poetas, se autênticos, também devem repetir “não
sei”. Todo poema assinala um esforço para responder a essa afirmação, mas assim
que a frase final cai no papel, o poeta começa a hesitar, a se dar conta de que
essa resposta particular era puro artifício, absolutamente inadequada”. Os
poemas de Szymborska interrogam todas as coisas. Há, também, um vestígio da
descrença de que o mundo possa alcançar um equilíbrio após tantas guerras e
violência. Assim ela escreveu “Vietnã”, “O terrorista, ele observa”, “Primeira
foto de Hitler”, “Torturas”. Em “Ocaso do século”, reafirma a escuridão dos
fatos recentes: “Era para ter sido melhor que os outros o nosso século
XX./Agora já não tem mais jeito,/os anos cortados,/os passos vacilantes,/Coisas
demais aconteceram,/que não era para acontecer,/e o que era para ter sido/não
foi.” A maioria de seus poemas são narrativos e contam uma história, não dando
ao leitor nenhuma solução confortável para cada desfecho. Como no final de
“Ocaso do século”: “Como viver – me perguntou alguém numa carta,/a quem eu
pretendia fazer/a mesma pergunta./De novo e como sempre,/como se vê acima,/não
há perguntas mais urgentes/do que as perguntas ingênuas”.
Apesar de não possuir um estilo engajado, Szymborska afirmou
em entrevista ao jornal espanhol El País que “tudo é política, inclusive os
poemas não políticos”. Perguntada sobre a possibilidade de se escrever poesia
após Auschwitz, numa alusão à célebre frase de Theodor Adorno, a poeta refutou:
“Adorno não tinha razão, e isso posso comprovar pessoalmente, porque vivi mais
de vinte anos depois de terminar a guerra. Nesse tempo houve poetas nada
desdenháveis que escreveram poemas nada desdenháveis. Se esse trabalho tivesse
carecido de sentido, para que haveria servido?”. A poeta polonesa era filha de
sua época, como aludiu no poema de mesmo nome em que entrevê que todo
acontecimento vem carregado de um posicionamento: “Somos filhos da época/e a
época é política./(...)/O que você diz tem ressonância/o que silencia tem um
eco/de um jeito ou outro políticos./(...)/Não precisa nem mesmo ser gente/para
ter significado político./Basta ser petróleo bruto,/ração concentrada ou
matéria reciclável”.
A presença do mundo natural está presente em seus escritos,
como no poema “Conversa com a pedra”: “Bato à porta da pedra./- Sou eu, me
deixa entrar./Quero penetrar no teu interior/olhar em volta,/te aspirar como o
ar./”. Neste poema, Szymborska afirma que falta a ela “o sentido da
participação” para verdadeiramente dialogar com a pedra. É que no universo da
polonesa, os bichos, as plantas, as nuvens, as pedras possuem a mesma medida da
vida humana. Segundo sua visão, casualmente nasceu humana mas poderia ter sido
árvore, ou um grão de areia. Não enxergar a natureza e os objetos de maneira
superficial, atribuindo-lhes sentido, faz com que a poesia de Wislawa
Szymborska adquira um tom existencialista. A própria poeta respondeu sobre essa
questão: “Não cultivo nenhuma grande filosofia, só uma modesta poesia. (…)
Gostaria que o poema contivesse o sublime e o trivial, as coisas tristes e
cômicas – lado a lado, misturadas.”
Poemas foi a primeira antologia organizada com textos de Wislawa Szymborska no Brasil
– uma compilação de sua poesia escrita de 1957 a 2002. O sucesso entre crítica
e leitores foi tanto que a Companhia das Letras lançou outra coletânea em
2016, chamada Um amor feliz. A polonesa se tornou uma das poetas mais queridas
do público brasileiro. A partir do segundo semestre de 2018, os leitores
brasileiros aficionados por Szymborska podem comemorar novamente. A Editora
Âyiné apresenta um livro que revela o lado bem-humorado de sua escrita, com
poemas de humor junto à colagens feitas pela poeta. Em 2019, a mesma casa editorial também publica a biografia da polonesa escrita por Anna Bikont e Joanna
Szczęsna cujo título provisório é Quinquilharias do passado. São publicações que nos oferecem um panorama mais completo sobre sua vida e poesia.
Falecida em 2012 na Cracóvia, Polônia, Wisława Szymborska
nos deixou uma poesia que amplia nossa visão sobre a existência e nos interroga
sobre a utopia, a esperança e até sobre o funcionamento das estrelas. Em “A
alegria da escrita”, a poeta polonesa confere à escrita seu legado sobre nossos
séculos de ruínas: “A alegria da escrita./O poder de preservar./A vingança da
mão mortal”.
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