Ratos de praia, de Eliza Hittman


Por Pedro Fernandes



O filme de Eliza Hittman é de um realismo brutal e assustador. Basta dizer que apresenta de maneira muito segura e precisa pelo menos uma das possibilidades para a condição desta praga social que atenta contra as liberdades individuais chamada homofobia. Não é que esta seja a questão principal da narrativa. Trata-se de uma história interessada em compreender as complexidades envolvidas no processo de autoconhecimento e autoaceitação de um jovem. Mas, as situações para as quais a personagem principal nesta obra é arrastada estabelecem como alternativa a gênese do mal.

Situado na região de Conney Island, em Nova York, o espectador acompanha a rotina de um grupo formado por rapazes que, como quase todos das zonas de periferias urbanas, pela estreita relação de amizade gastam o tempo no exercício de pequenas trapalhadas típicas das suas condições: bebericagens, atrair mulheres para o sexo, consumo de drogas, pequenos furtos para os custos do ócio nas ruas etc.

O olhar da narrativa se concentra na figura que se apresenta diferente dos demais do grupo. Frankie talvez seja um dos poucos com algum traço familiar capaz de significar uma alternativa contrária ao futuro destinado a jovens da sua condição: o pai vegeta sobre uma cama, situação que ele esconde do campo de visão das mulheres que conquista; a irmã ainda estuda, mas mantém uma sorte de interesses fúteis de adulta – da necessidade de conquistar um namorado a usar um pírcingue no umbigo; e uma mãe perdida no caudal das situações que tenta, como pode, conseguir alguma maneira de dar atenção a todos de casa ou mesmo de garantir alguma ordem neste ambiente.

Uma unidade familiar centrada no poder da figura masculina quando esta se apresenta em contínua ruptura – assim poderíamos designar o lugar ocupado por Frankie. Ele não se compreende na responsabilidade de preencher a lacuna deixada pelo pai, o que se espera nessa conjuntura, e, ao mesmo tempo, o vazio paterno é inteiramente disputado pela irmã mais nova, signo de outra geração feminina criada para não se submeter às ordens impostas pelo poder do macho.

O drama sobre a condição de Frankie no âmbito familiar se agrava ainda pela máscara que carrega: enquanto livre das ordens internas e inconscientes do grupo de amigos, preenche o tempo em encontros sexuais com homens mais velhos. Isto é, temos aqui pelo menos uma jornada tripla de existir: a do centro da família; o adolescente inconsequente que agrega todos os outros no seu entorno, visto ser Frankie o que tem melhor condição do grupo; e o gay em fase de compreensão sobre o corpo, seus desejos e sua sexualidade. Está última o obriga a construção de uma dupla persona: para a família e para os amigos.

Como não há segredo que dure uma eternidade, não tardará para Frankie precisar de construir a primeira das grandes mentiras necessárias à manutenção das aparências. Por uma possibilidade dramática que o condena, as consequências trágicas dessa mentira apontam para um limite em pelo menos dois sentidos: romper com toda farsa – e não sabemos se esta personagem guarda alguma coragem para isso porque a todo tempo parece ser a coragem uma qualidade que lhe falta; ou continuar, pela possibilidade da impunidade, com as consequências em torno da manutenção de toda farsa.

As alternativas previstas pelo filme esclarecem algumas coisas. Ser gay ou não não é uma opção colocada à escolha de homens e mulheres como assumem as posições mais estapafúrdias; a delinquência ou não também é produzida de uma diversidade de fatores externos, como os expostos no enredo do filme; apenas o acaso trágico pode significar a alternativa, numa situação sem perspectivas, a porta de acesso, que torna a delinquência em violência; e em parte, que a homofobia se explica enquanto estratégia de negação e repressão das identidades. Não discutir sobre isso, portanto, pode significar, num futuro não muito distante, o ingresso de mais jovens na delinquência e na violência. Negar é, então, o mais inflamável dos crimes.

Se olharmos para a história de Ratos de praia apenas pelo ponto de vista da personagem principal, a indefinição proposital para o enredo do filme é uma alternativa de representação da confirmada condição de alheamento que, a todo tempo, define a vida de Frankie. Ele próprio sabe da necessidade de romper com esse turbilhão de possibilidades que se lhe afigura, mas não existe, para nenhum dos lados uma alternativa menos dolorosa. É evidente que esperar por essa saída é um bocado individualista. Mas, não é a crise em que se vê metido subproduto do modelo cruel imposto pela sociedade a qual pertence? A mesma sociedade que condena o gay é a que enaltece a violência, os heroísmos individuais e que institui modelos de ser para homens e mulheres. Imersos nesses lugares semideterminados são raros os que conseguem furar o cerco das imposições. E Frankie não parece ser um destes.

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