O destino de uma nação, de Joe Wright


Por Pedro Fernandes



Vez ou outra o Oscar de Melhor Ator é atribuído ao que melhor se espera para a categoria – por exemplo, em 2016 a Leonardo DiCaprio pela atuação em O regresso. Mas, em boa parte o destaque da atividade do profissional confunde-se com categorias como o prêmio para Maquiagem e Penteados. Foi o caso de Gary Oldman o ganhador de 2018. Embora outras premiações provem o contrário – o reconhecimento por sua atuação foi quase unânime: Globo de Ouro, Sindicato dos Atores, Bafta, Critics Choice Award; e, claro, sua atuação não seja nenhum pouco medíocre, não é possível se negar que esta é mais que ajudada pela quantidade de apetrechos externos que buscam uma fidelidade à figura representada. Obviamente que o ator aqui interpreta uma personagem histórica e isso é ainda outro bom motivo suficiente para esquecer os tais elementos visuais. Entretanto, eles são o que findam por chamar maior atenção que sua atividade de ator. Isto é, ao invés de uma atuação, findamos por enxergar melhor um títere ou de uma caricatura.

Mas, não é para discutir sobre mérito de premiações. Os termos são aqui apresentados apenas como introdução a um comentário que atenta para outros elementos mais próximos do nosso horizonte de compreensão que esses critérios de ordem técnica e porque é parte de uma constante que tem sido assumida pelo reconhecimento de outros sacrifícios que estão, ao que parece, um bocado distante do conceito de atuação, como a variabilidade física para melhor retratar uma personagem, fator que tem determinado – ao que parece – as escolhas mais recentes. Enquanto arte visual sabemos do esforço do cinema em produzir no espectador uma sensação de verdade a partir da imagem. Mas, para tudo há um limite. O excesso de realismo é, em grande parte, um atentado à própria realidade retratada.

O destino de uma nação mantém estreito diálogo com outro filme que chamou atenção das premiações entre o ano que passou e 2018, Dunkirk. A figura vivida por Gary Oldman é a do primeiro-ministro britânico Winston Churchill e o episódio recobrado pela narrativa fílmica é da sua ascensão meteórica a tal condição num governo tomado por questões difíceis de lidar: conter a expansão dominadora de Adolf Hitler quando se cobrava do país uma posição sobre o andamento da Segunda Guerra quando a situação financeira e de defesa estavam em níveis críticos de competitividade com o que se vislumbrava como o nascimento do grande império do mal. O desfecho desse episódio, parte importante do conflito mundial, é em parte contado no referido filme de Christopher Nolan: o trabalho heroico dos civis que ajudaram a escoar as centenas de milhares de homens retidos na costa francesa de Dunquerque.

A narrativa de Joe Wright consegue fomentar a atmosfera de tensão deste período e a celeuma causada por um ministro reconhecidamente fracassado colocado entre duas possibilidades na atuação do Reino Unido na guerra: tentar um tratado de paz com o exército nazista a fim de garantir a preservação de um país sem chances de competir com as forças de dominação ou recorrer a uma estratégia miraculosa e não se render ao inimigo. E o feito de Churchill tem muito de milagre se considerarmos o esforço coletivo quase espontâneo em torno de um ideal, sem o qual, tudo teria terminado como uma das maiores tragédias do século.

O filme, entretanto, perde-se numa euforia imperialista e popular, um tratamento cujo interesse é o de ressaltar o heroísmo de um povo que não se rende e ainda contribuirá para a possibilidade de contribuir com a paz mundial e tornar o gesto inconsequentemente do primeiro-ministro em símbolo de uma resistência partidária do bem sobre o mal. Logo, o espectador fácil de se deixar levar pelas relações simplistas que lidam com essa dicotomia – sempre formadas nestas condições – conseguirá atribuir ao Winston Churchill certo papel de herói e com outra condição, aquela forjada pela força nascida da pura intuição ou da realização ao acaso do puro desejo megalomaníaco que aposta tudo e todos nas suas elucubrações.

Por vezes esta personagem de Joe Wright se confunde com uma espécie de sonhador barato que deposita em sua conta todo o caro débito das vida alheias na sua conta; por outras, um sonhador ousado preso ora num passado não mais determinante para seu país; outras, um sujeito que alcança um passo largo entre sua casmurrice e veio popular; outras ainda o tipo de louco capaz de arrastar pela retórica todos a partilharem de suas elucubrações – espécie de Dom Quixote inteiramente imerso no mundo que construiu para si a partir de todas as condições às avessas da razão. Uma personagem feita de contradições cobra do ator, obviamente, o esforço para cumprir mil e uma atuações num só papel. E Gary Oldman é bom suficiente para cumprir essa condição e amainar o efeito caricaturesco que a figura que representa alcança neste filme.

Não há nada de grandioso para sublinhar em O destino de uma nação. Tudo parece rezar conforme dita a principal regra da cartilha para a construção de filmes de caráter histórico: pisar em fronteiras muito próximas às das reconstituições documentais, um tratamento que nos faz perceber que escola realista nunca saiu de moda ou pelo menos ainda não esgotou suas possibilidades de se repetir.


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