A Embaixada
Por Juan
Quintero Herrera
Ilustração: Richard Lindner (detalhe) |
Ela
continuou acreditando em Paco, apesar das tatuagens, dos comprimidos e da
rotina das noites sem dormir. Naquela época ele nem imaginava que um dia viria
a mudar. Apenas gozava os anos de juventude seguindo o lema de um escritor que
proclamava que depois dos vinte e cinco anos não fazia mais sentido viver. E
assim, existindo no limite, atingiu essa idade. Foi então que o amor causou a
transformação. Por isso, naquela tarde, depois de já ter enfrentado duas
entrevistas, penetrou orgulhoso naquela sala, cabelo crespo arrepiado, barba
curta e desordenada, jeans, suéter branco e pasta embaixo do braço. Sentia-se
completo. Independentemente do que viesse a acontecer, já era um vencedor.
O agente
indicou-lhe o assento, o único livre no pequeno ambiente. Dali pôde observar os
outros, cada um à sua maneira enfeitado para a ocasião. Primeiro viu o velho em
seu traje de domingo, reservado para os casamentos, combinando com a gravata
vermelha comprada às pressas, essas de bolinhas, que são mais baratas.
Depois viu a
mulher, já de idade. Menos chamativa que o velho em sua indumentária, no
entanto, mais nervosa. Resmungou quase tão baixo quanto um pensamento:
certamente já esteve várias vezes nesta situação. Ela não parava de revisar os
papéis que tinha nas mãos e só de vez em quando levantava o rosto, lançando a
todos um olhar de desdém.
Por último
viu a moça de ar adolescente que lambia com a mão esquerda sua longa trança.
Passaram-se
horas. Tantas que ele já tinha tido tempo para decorar os gestos de todos,
assim como sentiu que eles também tinham aprendido os seus.
O que jamais
podia ter esperado em meio aquele mutismo foi o som de palavras dirigidas a
ele: “Ei. Você está perdido?” Sentiu nessas palavras a quebra de um esquema.
Alguém havia rompido o silêncio e ele era a causa. “Eu?”, lançou a pergunta a
seu interlocutor, mas também a si mesmo. “Sim, sim, você.”, confirmou. “Não.
Por quê? Deveria estar?”. “Pensei. Fica olhando de um lado para o outro sem
rumo fixo.”
Paco, calado
diante dessas palavras sem sentido, perguntou-se qual é o verdadeiro rumo fixo
na vida. Quando estudava imaginou que estava no rumo fixo. Mas se deu conta do
desemprego de seus companheiros e reconsiderou o conceito. O estudo não serve
para nada, tudo é política, tudo é manobra, tudo é falso, respondeu a si mesmo.
“Veja que
não é mentira o que digo, você está calado e com o olhar perdido”. Então Paco
fixou seu olhar nesse detentor da verdade que julgava os demais por aparências.
Ou talvez tenha sido uma paranoia dele.
Ainda se
lembrava com certa amargura do seu passado. Aqueles tempos em que a vista
ficava turva e os óculos escuros escondiam o desfoque dos seus olhos vermelhos
e dilatados. Isso tinha ficado para trás, tudo estava diferente agora. Por isso
sentiu-se ofendido com aquilo de “olhar perdido”. Simplesmente não queria
correr o risco de revelar seus segredos olhando para eles: sabia que os olhos
eram as janelas da alma. Sabia que tinha a capacidade de mostrá-los expressivos
e generosos ou inexpressivos e frios. E assim foi. Como resposta ao velho
impertinente pousou sobre ele os olhos fixos e sem expressão que costumava
lançar como duas jabuticabas: escuras, sem sentimento. Tanto o incomodou que o
homem virou o rosto para o guichê de espera que protegia o agente consular.
Aquela sala
minúscula era a última fase a ser ultrapassada na embaixada e seu hermetismo
era absoluto. Pareceu-lhe estranho que aquele velho tivesse falado com ele.
Enquanto
isso, as duas mulheres o olhavam fixamente. Tudo tinha saído de seu curso
natural. A jovem tinha parado de alisar a trança pela primeira vez no dia e a
mulher tinha deixado de conferir seus papéis. Com o rabo do olho ela lhe
dirigia uma reprovação. Ainda que o tenha dito em tom muito baixo, ele ouviu:
“Quem ele pensa que é? ”
Foi a
primeira vez que sentiu tanto egoísmo em um único lugar. E pensar que eram
somente quatro pessoas, só isso, apenas quatro pessoas vigiadas por um
funcionário imóvel diante do guichê. Como regra geral ele nunca falava. Só
abria e fechava aquela porta atrás da qual se realizavam ou se destruíam os
sonhos de aspirantes a imigrantes. A sala era ascética e tranquila. Os assentos
eram uns bancos como os de alguns trens onde os passageiros sentam-se frente a
frente. Paco diante do velho e a mulher diante da moça. Pensou que devia ser
diferente: aquela moça devia ficar de frente com ele e ao velho cabia a senhora
loira, mas não, até isso estava calculado. Ainda que a jovem morena parecesse
sincera, sentia nela um nervosismo nessa apalpação da trança que tinha voltado.
Parecia uma caricatura dessas meninas más que aparentam ser boas. Da senhora,
nem se fala, uma pedra em forma de mulher que sabia bem como ser pedante.
Olhou-a de soslaio, da mesma forma que ela o observava, como em um jogo de
poker. “Velha louca”, soliloquiou baixinho, certo de que ninguém o ouviu. E
sentiu que ficaram quites.
A embaixada
tinha fama de rigorosa. No entanto, estava ali e era tão ou mais merecedor do
que o velho critiqueiro, a jovem maníaca ou a senhora indiferente. Sentia-se
digno de estar ali porque venceu seus vícios e paixões, porque começou a
trabalhar e porque se sentiu seguro para pedir um visto pelo simples fato de
encarar o desafio que lhe fez um companheiro de longa data, que trabalhava e
tinha filhos, quando lhe disse:
— Nem a mim
dão o visto, Paco, quanto mais a você. Acho até engraçado.
Por isso
quando saiu pela porta branca que o funcionário abria e fechava em um segundo,
riu na cara de todos eles mostrando-lhes que sua determinação tinha valido a
pena e que para conseguir um miserável visto necessitava disto: esforço e amor,
não egoísmo, nem inveja... E ela que o conhecia há muitíssimos anos soube, a
partir da antessala de onde ouviu seus gritos, que aquela era a voz do homem em
quem tinha acreditado quando ninguém dava nada por ele, o homem que todos
achavam que ia morrer a qualquer momento. Por isso ela se alegrou com a alegria
dele. E, quando abriram a porta do local onde ela o esperava, os dois se
encontraram e se beijaram diante dos outros imigrantes desejosos que esperavam
sua vez naquela sala ascética em que cabiam apenas quatro pessoas.
Depois do
beijo ele lhe disse:
— Te amo,
Velha.
* Tradução para a Língua Portuguesa é de Juliana Vermelho Martins.
***
Juan Quintero Herrera nasceu em Barranquilla, Colômbia (1988). É jornalista e
escritor. Atualmente vive em São Paulo.
Comentários