Cinco livros essenciais para conhecer a obra de Vladimir Nabokov
Recentemente
editamos um texto que cobrava uma mudança de foco sobre a leitura de Lolita, historicamente poupado pela
grande crítica daquilo que livro expõe, por essa nova visão, como atentado de um homem (aqui de idade
madura) sobre uma adolescente. Este debate, apesar de não ser novo, ganha outros contornos
pela intensa discussão que se forma nos últimos anos em torno das questões ligadas
ao tratamento lastimável de homens sobre mulheres.
E, há alguns
meses a Alfaguara Brasil publicou por aqui a primeira tradução para outro conceituado
romance de Vladimir Nabokov, O dom. O
valor desse livro é justificado em várias frentes. É um dos primeiros romances de
fôlego do escritor e foi escrito ainda por um jovem rapaz exilado na Alemanha
depois das transformações profundas que se passavam no seu país natal. Neste livro
o leitor encontra a gênese de um rico projeto literário que não finda em Lolita – obra que, para o bem ou mal o
sagrou reconhecido mundialmente – e ainda todas as questões que se dedicaria
desenvolver nas obras seguintes, incluindo seu trabalho de estruturação do romance.
Porque
Vladimir Nabokov não é só Lolita e
porque sua condição de importante romancista do século XX é justificada pela criação
de um conjunto de obras diversas, incluindo este O dom, é que se apresenta esta lista, que, como todo texto do tipo,
não reduz o trabalho do escritor às obras aqui apresentadas. Entretanto,
oportuniza ao leitor que gostaria de melhor conhecer o universo criativo do
autor em questão, transitar por outras de suas criações e, claro, encontrar sua
própria lista de preferidos.
A carreira literária
de Nabokov se deu em dois idiomas, o russo e o inglês, graças às forças do destino ou que melhor poderíamos
dizer às forças históricas. Lolita e O dom são peças paradoxais nesse intervalo:
o primeiro escrito quando já cidadão estadunidense e, portanto, em língua
inglesa, e o segundo, ainda em russo, o último nesse idioma.
Não é que a
língua segunda tenha vindo com sua mudança para os Estados Unidos; filho de uma
família de São Petersburgo de muitas posses, o escritor teve o privilégio de fazer
parte de seus estudos na Inglaterra, antes de ir viver na Alemanha, para onde
se mudaram os pais e os irmãos depois da Revolução Russa. Foi ainda neste país,
como demonstra o sucesso de O dom que
se tornou um dos autores mais importantes, a começar pela sua representação
entre os criadores de uma literatura produzida por figuras da diáspora russa.
A ascensão
de Adolf Hitler o levou a morar em Paris e pouco depois, agora devido ocupação nazista
na França, e em seguida a se mudar para os Estados Unidos, onde começou a ganhar a vida por
meio de uma de suas paixões: o estudo científico das borboletas. Dividia a
tarefa com a atividade de escritor, nunca abandonada, e a de professor. É preciso
sublinhar que o reconhecimento neste país gastou certo tempo – Lolita só foi publicado em 1957 e, assim
mesmo, fora do país onde vivia porque foi lido de imediato como demasiadamente
indecente para os padrões morais (e hipócritas, não esqueçamos) da sociedade
estadunidense (o velho discurso do em
nome da moral e dos bons costumes que grassa as artes na sua ressurreição contemporânea).
Mas,
fartamente elogiado fora do país e aceito de maneira quase integral pelos
leitores, o poder capital que sempre fala mais alto não deixou de repensar a recusa.
Publicado nos Estados Unidos e ampliando-se o sucesso em torno da obra ao ponto
de merecer a atenção de Stanley Kubrick para uma adaptação para o cinema, a
vida de Nabokov deu uma guinada depois disso que o permitiu viver exclusivamente da
literatura. Foi quando mudou-se para a Suíça, onde viveu durante quase duas décadas.
Mas, e estes
cinco títulos – quais são? Ei-los:
A verdadeira vida de Sebastian Knight
(1941)
Nabokov
havia publicado contos, teatro e uma dezena de romances em russo (O olho vigilante, A defesa Lujin e O dom),
quando, ainda na França, decidiu começar a escrever em inglês, o idioma no qual
havia construído parte de sua formação. O resultado foi este: A verdadeira vida de Sebastian Knight. É
uma obra-prima em miniatura. Nela, um narrador trata de reconstruir a vida de
outro escritor, seu irmão, o Sebastian Knight do título, a partir dos contatos com
as mulheres que o conheceram. O
interesse é refutar uma biografia escrita pela secretária de Sebastian, porque considera
uma história mal contada. Nessa peripécia detetivesca não só aproveitará para contar
os romances publicados por seu irmão como também encontrar com segredos não
esperados.
Lolita (1957)
Por seu
tema, a obra-chave do escritor foi, como dito acima, recusada pelos editores
estadunidenses. Acrescente na lista também os britânicos. O refúgio foi encontrado
numa editora francesa de duvidosa reputação, a Olympia Press. O romance conta o
envolvimento de Humbert-Humbert, um narrador de meia-idade, por Dolores Haze
(Lolita), filha de sua segunda mulher. Maravilhosamente escrito, pródigo em
expor determinadas situações amorais da sociedade desde sempre, e, claro, ricamente
de enredo ricamente bem-formulado e marcado pela maestria com que Nabokov
maneja os jogos de linguagem, é sua obra melhor desconcertante. Sempre existiu
a tentação de ser um livro lido alegoricamente: Humbert-Humbert, nessa
interpretação, seria a velha Europa fascinada pela inocência estadunidense de
Lolita, a única que pode corrompê-la. O absurdo atualmente é que continue a ser
uma obra lida como os mesmos olhos que impediram sua publicação: enquanto obra
pornográfica ou mesmo erótica. Lolita
é uma história da mais absoluta desolação.
Fogo pálido (1962)
Se Lolita é um romance de secreta
arquitetura perfeita, Fogo pálido é o
visível posto em ação de Nabokov como mágico literário. O romance começa com um
prefácio, segue com um poema de 999 versos escritos por um tal John Francis
Shade e logo com as notas sobre a obra – uma verdadeira proeza verbal – desse suposto
escritor estadunidense, já morto, realizadas pelo crítico e vizinho de Shade, Charles
Kinbote. Essa exegese aparentemente desinteressada do poema pouco a pouco vai
tomando outro cariz quando Kinbote começa a filtrar os elementos de sua vida
até tornar-se um narrador nada digno de confiança. Paródia do trabalho erudito
e acadêmico, este romance é uma jocosa festa literária, mas também uma profunda
meditação sobre a arte e seus laços com a realidade.
Ada ou ardor (1969)
O mais denso
e mais ambicioso romance de Nabokov é também uma homenagem ao romance do século
XIX, como sugere sua primeira frase, que remete a Tolstói e seu Anna Kariênina. Nesta complicada crônica
familiar, ironicamente incestuosa, se conta a história de amor, com suas idas e
voltas, de Van Veen e sua prima Ada, que na verdade é sua irmã. Situada num século
XIX de alento pré-revolucionário e, paralelamente, numa Antiterra com ecos de ficção
científica, o romance se revela, aos poucos, como as memórias de um Van Veen já
nonagenário, com intromissões da própria Ada e de um editor. Nele aparecem muitas
das paixões de Nabokov, desde suas múltiplas referências culturais e linguísticas
até seu erudito conhecimento das borboletas.
Contos reunidos
Nabokov escreveu
poucos contos em sua língua de adoção, o inglês, mas depois do sucesso de Lolita se dedicou a traduzir com seu
filho Dimitri quase meia centena de textos que havia escrito em russo. Esses
textos foram aparecendo em revistas e antologias diversas e só tardiamente
reunidos em livro – quando se pode atestar melhor e de maneira absoluta uma
evidência sobre o seu pleno domínio criativo, estético e linguístico da forma
breve. Na antologia aqui indicada apresentam-se ainda alguns dos inéditos que foram
ficando pelo caminho no projeto de tradução.
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