Uma biblioteca do Boom Latino-Americano: vinte e um romances essenciais
Quando apareceu, o Boom já existia. E quando acabou, o Boom continuou a existir. Qualquer inventário sobre os melhores romances
latino-americanos do século XX não pode
deixar de fora o famoso Boom. Veja: é mesmo
possível numa lista deixar de fora nomes como Mario Vargas Llosa, Gabriel García
Márquez, Carlos Fuentes ou Julio Cortázar? Certamente não. Porque sem A cidade e os cachorros, Cem anos de solidão, A morte de Artemio Cruz ou O jogo da amarelinha não se pode explicar
nem a literatura do século XX nem a seguinte neste continente.
Se é impossível deixar de citar determinadas
obras, também o é deixar de fora outras que naquela ocasião podem não ter, de
imediato, passado à memória literária do movimento. Como o grandiosíssimo Jorge
Ibargüengoitia e As mortas, sem
o qual não falaríamos sobre Carrère nem
sobre isso que agora chama-se romance de não-ficção. E mais: se sempre se fala
em Truman Capote, por que não nesta investigação também sobre um crime escrita
pelo autor mexicano.
E, claro, é ainda impossível não citar as
obras, igualmente pouco lembradas, escritas por mulheres. Porque é óbvio: o
Boom Latino-Americano não se fez apenas pela força deles. Pululam nomes
femininos. Embora o trabalho tenha sido sempre o de silenciá-las, suas obras alcançam
os mesmos lugares do Best-Seller que as outras há muito consagradas logo alcançaram.
Isabel Allende chegou um pouco depois do grande calor da explosão, por exemplo.
Mas quem não lembra a história de amor e de luta à maneira vitoriana de A casa dos espíritos. Ou Como água para chocolate, de Laura
Esquivel. Ou os romances jornalísticos de Poniatowska. Ou ainda, a brasileira Clarice
Lispector de obras como A hora da estrela.
A lista a seguir pode não ser a mais completa,
mas almeja ser a mais plural e capaz de servir ao leitor em duas frentes: conhecer
o que foi o chamado Boom Latino-Americano e reinventar suas fronteiras, que,
afinal, nenhum cânone é mais fixo e sim sempre fronteira aberta capaz de albergar
escritas que são de um todo significativas para a amplitude de sua existência.
Cem
anos de solidão, de Gabriel
García Márquez. Este é um romance lendário nos anais da literatura universal e,
na opinião unânime, um dos mais fascinantes do nosso século. Traduzido para
todas as línguas, o livro do colombiano Prêmio Nobel de Literatura já alcança a
maturidade de toda grande obra: passar à voz do povo, como gostava de dizer o próprio escritor. Trata-se da aventura fabulosa da família Buendía-Iguará, seus
milhares, fantasias, obsessões, tragédias, incestos, adultérios, rebeldias, descobertas,
condenações. Está a meio passo entre o mito e a história.
A cidade e os cachorros, de Mario Vargas Llosa. Este foi o romance com o qual o escritor Prêmio Nobel de Literatura alcançou o reconhecimento internacional. Um grupo de jovens que se formam numa disciplina militar implacável e violenta aprende a sobreviver num ambiente fortemente marcado pelas implicações raciais e das diferenças de classe; onde todos se mostram como não são de verdade e a transgressão das normas parece ser a única saída. Mas este romance não é apenas uma diatribe contra a brutalidade exercida num grupo de jovens alunos do Colégio Militar Leoncio Prado, também é um ataque frontal ao frágil conceito de virilidade, suas funções e consequências numa educação castradora. Somada à brutalidade própria da vida militar, a veemência e a paixão da juventude desaguam até à fúria, um ódio e um fanatismo que anulam toda sensibilidade. É o livro mais violento de Llosa e considerado um dos mais importantes romances de língua espanhola no século XX.
O
século das luzes, de Alejo Carpentier.
O escritor cubano interpreta, segundo as categorias históricas e culturais, o acontecimento
revolucionário ao longo de uma vasta e ambiciosa recriação da Revolução Francesa
na Europa e, especialmente, na América caribenha, num momento de grande agitação
política e social, pois a Revolução europeia personificada no protagonista Victor
Hugues, chegará às ilhas introduzindo não apenas as novas e altas ideias do
iluminismo, mas também o terror, a morte e a traição. Vida e morde ou liberdade
e ditadura se misturam num relato de extraordinária qualidade descritiva e psicológica
onde os sentidos e as paixões são os máximos protagonistas. É também o romance
que encerra o período das grandes produções do autor; já as tentativas
posteriores, sem dúvida, valiosas, se orientam noutras direções.
A
morte de Artemio Cruz, de Carlos
Fuentes. Publicada em 1962 esta obra é uma visão panorâmica acerca da história
recente do México rememorada por uma agonizante figura importante da indústria
e da política neste país. É o México surgido da Revolução Mexicana, mas por ele
também passam questões tão universais e permanentes como a solidão, o poder e o
perda do amor. Este é um clássico da literatura mexicana do século XX; uma
audaz exploração das possibilidades de representação na literatura, através da
sobreposição de níveis de tempo, espaço e consciência narrativa. No seu leito
de morte, durante seu último meio dia de vida, o velho Artemio recorda que nem
sempre foi o triste saco de ossos a que então se encontra reduzido; alguma vez
foi jovem, ousado e vigoroso. Teve ideias, sonhos, fé. Para defender tudo isso,
inclusive que combateu na revolução é que se propõe recordar sua história.
Sobre
heróis e tumbas, de Ernesto
Sábato. Este é um romance em que o escritor coloca toda sua carga ideológica. Este
é o livro que consagrou Sábato com um dos mais importantes ficcionistas da
América Latina. Centrada na personagem de Martin, um homem em busca de si
mesmo, o escritor argentino expõe sua visão particular sobre a solidão, tema-chave
da narrativa. Um concerto magistral de vozes narrativas que desenvolvem três
linhas temáticas: a educação sentimental de Martin e seu amor por Alejandra; a
fuga do general Juan Lavalle, herói da independência, para o exílio, com os
sobreviventes maltrapilhos de sua Legião; a investigação de Fernando a respeito
da diabólica Seita dos Cegos. Sábato retrata a Buenos Aires dos anos 1950 como
uma cidade a um só tempo fascinante e cruel, com a geografia singular de seus
bairros e bares. Embebido das ideias do existencialismo francês, Sobre heróis... despertou admiração de figuras como o escritor francês Albert Camus.
Pedro
Parámo, de Juan Rulfo.
Quando no final da década de 1960 a narrativa hispano-americana alcançou um
prestígio mundial, se voltou para suas próprias produções em busca de seus clássicos.
A figura gigantesca da Rulfo foi a primeira se destacar nesse processo. Em
1955 aparece este romance. Gestado ao longo de muitos anos por um escritor com
fama de pouco prolífico e que uniu a tradição narrativa de seu continente
linguístico com a formada pelas principais figuras renovadoras da literatura ocidental,
como James Joyce, William Faulkner, Virginia Woolf... Romance rico, apaixonante
como poucos e que arrasta o leitor para um sugestivo desconcerto. Foi a única
obra do gênero publicada pelo escritor mexicano.
A
vida breve, de Juan Carlos
Onetti. É a obra inaugural de Santa María, um território mítico da narrativa
onettiana. O protagonista, Brausen, escuta através de uma parede a conversa
entre um homem e uma mulher. Daí imagina seus gestos e seus sentimentos. Brausen
vive com sua mulher, mutilada depois de uma complicada cirurgia, e para compensar
esse vazio físico que deterá suas carícias, imagina histórias: a de Santa María
e a de um médico chamado Diáz Grey. Mas não só deseja imaginar que é outro,
também quer sê-lo. Para leitores como Carlos Fuentes esta obra, bem como a
famosa contística de Onetti, é “pedra fundadora da modernidade” na literatura latino-americana
de língua espanhola.
As
mortas, de Jorge
Ibargüengoitia. Se ao acordar, Simón Corona
tivesse voltado para casa, os crimes de Las Poquianchis ficariam ocultos. Mas o
destino tinha escrito outra história. O reencontro com Serafina Baladro, sua
amante, custará a Corona quarenta e oito balas de grosso calibre e ainda assim
se livrará da morte. Mas também conseguirá uma confissão ao inspetor Teódulo Cueto:
uma vez ajudou Serafina e sua irmã Arcángela a carregar um cadáver exumado de uma
mulher. A obra-prima de Ibargüengoitia é a extraordinária recriação de um caso
real que comoveu o México dos anos sessenta, quando apareceram vários cadáveres
de prostitutas de distintas propriedades das duas madames, donas de três
bordeis. As mortes estão construídas a partir de diversos testemunhos, vozes
que se reúnem para dar forma a um universo literário único.
O
jogo da amarelinha, de
Julio Cortázar. É a obra-prima do escritor. Um romance em que se move o panorama cultural
de seu tempo e marcou presença na história da narrativa contemporânea. Contrarromance,
crônica de uma loucura, um grito de alerta, espécie de bomba atômica, uma chamada
à necessária desordem... Estas e outras expressões definem O jogo... desde sua aparição em 1963. Pela primeira vez um escritor
levava até as últimas consequências a vontade de transgredir a ordem tradicional
de uma história e da linguagem para contá-la. Plena de ambição literária e vital,
renovadora das ferramentas narrativas, destruidora do estabelecido e interessada
pela raiz da poesia, esta é a obra onde é possível encontrar Cortázar por
inteiro. Com sua complexidade ética e estética, sua imaginação e seu humor. O
escritor seduz o seu leitor e oferece-lhe várias possibilidades de leitura
sobre a mesma história: o leitor precisa decidir por qual ordem seguir – a
tradicional, as indicações posta no tabuleiro, entregar-se à própria sorte. Paris,
a relação de Oliveira e Maga, a primeira descida de Horacio aos infernos;
Buenos Aires, o encontro de Tráveler e Talita, o circo, o manicômio, a segunda
descida. Viagem para o futuro? Para o passado? Viagem iniciática, com certeza,
da qual emerge o leitor com outra ideia acerca do modo de ler os livros e
de ver a vida.
O
beijo da mulher aranha, de
Manuel Puig. Durante a ditadura militar argentina, um ativista político e um homossexual
compartilham a mesma cela de uma prisão. Para enganar a solidão e o contínuo
medo da tortura os dois se detém em longas conversas. Enquanto o ativista político
rememora seu passado e fantasia sobre o seu futuro, o outro se apega a uma
realidade diferente, romântica e sonhadora. A obra foi adaptada para o cinema pelo
diretor Hector Babenco numa época em que dos treze países da América do
Sul, apenas três não viviam sob a ditadura militar. Em 2015, foi eleito um dos
100 Melhores Filmes Brasileiros de Todos os Tempos pela Associação Brasileira
de Críticos de Cinema.
O
obsceno pássaro da noite,
de José Donoso. Como outras das obras citadas nesta lista, esta é considerada
também a obra-prima do escritor. É ainda uma das mais ambiciosas da ficção em
língua espanhola no século XX. Publicada pela primeira vez em 1970, depois de
aproximadamente dez anos de trabalho do escritor, sua estrutura é ambígua e sua
atmosfera marcada pelo insólito e pelo grotesco; basta dizer que o cenário principal
da narrativa é uma antiga casa de exercícios espirituais prestes a ser desativada.
Nessa construção arruinada um faz-tudo conhecido como Mudinho passa os dias
vedando portas, disfarçando remendos e atendendo os mais variados desígnios das
velhas, órfãs e freiras que dormem em quartos atulhados de restos, mergulhadas na
pobreza e decrepitude. Entre galerias escuras e corredores sinuosos, Mudinho urde
um relato vertiginoso em que realidade imediata que o circunda logo cede espaço
às alucinadas lembranças de seu passado, nas quais aparece como secretário
particular de um aristocrata que procura proteger o filho disforme criando um
mundo paralelo habitado apenas por monstros.
A
última névoa, de Maria
Luisa Bombal. A obra configura uma personalíssima criatividade literária no
âmbito das produções literárias hispano-americanas. Narra a história de uma
mulher aprisionada no casamento com o primo, um fazendeiro viúvo que não esqueceu
a primeira esposa. Trata-se de um texto situado na poética fronteiras entre o
real e o fantástico e que contrapõe a espiritualidade frágil de certo mundo
feminino, o domínio do sonho e da magia, a brutalidade elementar e telúrica de certo
mundo masculino. Revelada por Jorge Luis Borges, quem destacou numa introdução
à tradução estadunidense da obra de Bombal como uma das vozes mais originais e
significativas de seu tempo, isto é, que seu “nome é indispensável”. A última névoa foi escrita em 1935 em
Buenos Aires e marca um dos momentos iniciais da escrita feminina contemporânea
latino-americana.
A
hora da estrela, de Clarice
Lispector. Uma breve e imensa visão do absurdo que ronda uma existência anódina,
uma rotina vazia tanto de pensamento como de afetos, como a de Macabea, uma
retirante nordestina que chega ao Rio de Janeiro com o sonho de muitos de seu
tempo: ganhar a vida. Este foi o último romance de Clarice Lispector e funde seu
conhecido estilo de corte intimista e o trabalho de problematização social comum
à chamada literatura regionalista de 1930. A obra é uma das primeiras a
demonstrar a condição feminina no âmbito dos processos de recente industrialização
do Brasil e como as existências são tragadas pela sorte imperiosa do capital.
A casa
dos espíritos, de Isabel
Allende. Uma quase desconhecida chilena exilada em Caracas que, para “retirar
da alma os fantasmas” pegou a caneta em 1981 e não parou até concluir as mais
de quinhentas páginas de um manuscrito que lhe saiu como um exorcismo. Depois começou
a peregrinação pelas editoras da cidade que recusaram, uma a uma, o texto que só
veio aparecer finalmente na Espanha. E com sucesso. Da Europa para a América. E
uma vez chegando ao Chile de Pinochet logo foi censurada, sobreviveu neste país
às custas do contrabando. A obra torna-se um fenômeno e em toda parte do mundo
logo vieram as traduções. A casa dos
espíritos é tanto uma emblemática saga familiar quanto um relato acerca de
um período turbulento da história de um país latino-americano indefinido. Allende
constrói um mundo conduzido pelos espíritos e o enche de habitantes expressivos
muito humanos, incluindo Esteban, o patriarca, um homem volátil e orgulhoso, cujo
desejo por terra é lendário e vive assombrado pela paixão tirânica devotada à
esposa que nunca pôde ter por completo; Clara, a matriarca, evasiva e
misteriosa, que prevê a tragédia familiar e molda o destino da casa e dos
Trubea; Blanca, sua filha, de fala suave, mas rebelde, cujo amor chocante pelo
filho do capataz de seu pai alimenta o eterno desprezo de Esteban, mesmo quando
resulta na neta que ele tanto adora; e Alba, o fruto do amor proibido de Blanca,
uma mulher ardente, obstinada e ditada de luminosa beleza.
A
pele do céu, de Elena
Poniatowska. Escritora comprometida com as questões sociais, a escritora mexicana
desenvolve a atitude crítica que caracteriza sua obra com a prática jornalística.
Neste romance ela consegue mesclar, com rara habilidade, lirismo e poesia com
denúncias sobre a miséria rural mexicana e a falta de apoio à pesquisa científica
na América Latina. Qual a razão da vida? De onde viemos e para onde vamos? Quem
somos afinal? Lorenzo de Tena, protagonista da trama, é um militante político
de extrema-esquerda e astrônomo que enfrenta a perplexidade de muitas
perguntas, até conhecer Fausta, meio hippie,
moderna, bissexual. Esta figura é quem lhe revelará os caminhos que podem
existir para além dos limites da ciência. Numa narrativa de linguagem simples e
envolvente, o leitor acompanha a trajetória de uma personagem fascinante, sua
luta por um ideal, sua paixão pela ciência e, acima de tudo, sua busca do
verdadeiro amor.
Um
novo mundo para Julius, de
Alfredo Bryce Echenique. O romance é o retrato de uma parte feliz e despreocupada
da oligarquia limenha que, na verdade, reflete o mundo da oligarquia de outras
muitas cidades contemporâneas. A personagem
principal, Julius, um menino inteligente e bem tratado pela riqueza, é principalmente
um pretexto, o ponto de contínua confluência para expor um sistema de costumes
e de ideias que se configuram numa situação tida de com gosto, ameaçada,
entretanto, por uma fragilidade e por uma injustiça terrível. É por ele que se
filtra uma maneira de olhar, inteligente e com surpreendente bom senso sobre a
decadência moral das pessoas que o rodeiam a partir de situações sublinhadas pela
ternura, nostalgia e por um humor que nada tem de amargo ou sarcástico. Rejeitando
os métodos de educação sentimental a que se vê submetido, ele empreende a seu
modo uma verdadeira revolta contra os costumes, as ideias e a injustiças do cruel
e fascinante mundo dos adultos.
Três tristes tigres, de Guillermo Cabrera Infante. Uma celebração à noite cubana. O
autor oferece um instigante passeio pelas ruas do bairro boêmio Las Rampas, com
seus bares, cabarés e casas de shows. Considerado obra-prima do escritor cubano
malquisto pela Revolução de seu país, o escritor faz uma viagem à capital
cubana pré-revolucionária. O humor e a narrativa fragmentada são elementos
constantes no romance, que relata muito das memórias do autor como jovem
jornalista. Três interessantes e divertidos personagens servem como guias pela
movimentada noite de Havana. Dentre as várias peculiaridades que faz dessa obra
um clássico está o uso destemido da oralidade, já exaltada no título, um típico
trava-língua cubano. O linguajar usado no texto mostra a intenção do autor de preservar
a cultura de sua terra natal. Em certa medida, esta obra pode ser entendida
como uma reação de Cabrera Infante à opressão que o regime de Fidel impôs ao
alegre e festivo povo cubano.
Eu, o supremo, de Augusto Roa Bastos. O romance de 1960, Filho do homem foi o que marcou o começo do período mais importante da obra do escritor. Depois vieram quatro antologias de contos que se firmaram como expoentes da nova narrativa hispano-americana e marco do Boom. Mas, foi o título aqui listado, herdeiro direto do movimento, que fez o nome do escritor. Roa Bastos levou seis anos na gestação deste romance que recupera a figura de José Gaspar Rodríguez de França, ditador que governou o Paraguai entre 1814 e 1840 e artífice da independência do país, fechando-o a qualquer influência externa. Através da voz do Supremo (e de outras vozes que se infiltram na narrativa, discutem, contradizem), a obra faz tanto uma reconstrução do período histórico como uma profunda e complexa reflexão sobre o poder.
Santa
Evita, de Tomás Eloy
Martínez. Deusa, rainha, diva, mãe, benfeitora, árbitro da moda e modelo
nacional de comportamento. Santa Evita para uns e para outros uma analfabeta
ressentida, fornicadora, louca e vagabunda, presidenta de uma ditadura de
mendigos. O protagonista deste romance é o corpo de Eva Duarte Perón, uma
beleza em vida e uma formosura etérea de 1,25m depois do trabalho do
embalsamador espanhol Pedro Ara. Um corpo do qual foram feitas várias cópias e
que, em sua enlouquecedora viagem pelo mundo durante vinte e seis anos,
transtorna todos quanto dele se aproxima e se confunde um povo à deriva que não
perdeu a esperança de seu regresso.
Como água para chocolate, de Laura
Esquivel. Nem sempre temos em mãos os ingredientes da felicidade. Tita aprendeu
isso desde pequena, quando crescia na cozinha com Nacha e a ela se negava toda
possibilidade de vida própria. Mas o que também ela aprendeu é que os
ingredientes não são os mais importantes para cozinhar um bom prato, mas que
todo amor seja capaz de fazê-los. Depois, Tita se deu conta de que seus pratos
não tinham apenas o poder de deslumbrar por seus sabores e texturas. Sua
tristeza, sua alegria, seu desejo ou sua dor na hora de prepará-los contagiavam
imediatamente todos aqueles que deles provavam. Através desta alegoria que vincula
com maestria os sentimentos e os elementos culinários, Laura Esquivel conquistou
o panteão literário, construindo um relato que assenta na tradição do realismo
mágico, recria a cultura mexicana e ultrapassa todas as fronteiras para se converter
numa narrativa universal, uma parte do imaginário coletivo, um clássico.
Capitães da areia, de Jorge Amado. Nesta lista poderia caber uma variedade de títulos do escritor brasileiro porque não foi autor de uma obra só. Mas, o romance aqui listado preenche uma série diversa de características representativas do Boom, sobretudo, o grande interesse pela revelação histórica e social do seu país de origem. Os protagonistas deste romance são meninos de rua, o embrião de que mais tarde seria taxado como o perigoso marginal. A louvação de Amado ao modus vivendi desse grupo se deve a propor uma resposta contrária ao modelo de organização social então vigente, a ditadura militar. Os censores, ao que parece não compreenderam isso, apesar de submeterem a obra à censura e à queima em praça pública. Os elementos motivadores do motim em torno do livro se deveu muito mais à postura do próprio escritor, então ligado à esquerda. É um romance que tematiza abertamente os efeitos danosos de uma modernidade imposta e controlada pelo poder capital sobre a grande gente rude e simples no Brasil, efeitos dos quais até o momento o país ainda não os superou.
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