Lady Bird, de Greta Gerwig
Por Pedro Fernandes
Há dois
filmes encantadores que o expectador pode lembrar o nome da diretora de Lady Bird: Frances Ha, de Noah Baumbach e Para
Roma com amor, de Woody Allen. Sua escola, portanto, não é para malnascidos
e aí está a resposta para a pergunta por que este filme, o primeiro dela como
diretora, nos encanta tanto. Com uma matemática simples, que somam esses dois
títulos nos quais Greta Gerwig foi atriz, chega-se à síntese de Lady Bird.
O filme
também acrescenta e muito na filmografia sobre o tema da transição entre a
adolescência e a vida adulta num território, como é recorrente em outros, onde a
predominância dessa narrativa é com personagens masculinas. Quer dizer, durante
muito tempo foi comum tratar sobre os medos, os anseios, as relações familiares,
as incertezas da vida sexual, de garotos. Há uma extensa lista que inclui do
drama à comédia e reflete sobre, portanto, por ângulos diversos. Muitas gerações de
não-homens, logo, cresceram sem a alternativa de se verem representadas num dos períodos mais complexos da vida e quando o
exercício da alteridade propiciado pelos objetos simbólicos da representação humana,
como a literatura e o cinema, lhe é mais precioso. Possivelmente, Greta pertence a uma dessas
gerações e isso se vislumbra na própria concepção da sua protagonista no filme que dirige e contribui para a apagamento de uma lacuna; ao mesmo tempo oferece uma ressignificação a esse tipo de narrativa no cinema.
O nome do
filme é o nome atribuído a si própria por Christine McParson – a protagonista que,
insatisfeita com a vida simples e repetitiva numa cidadezinha do interior sonha
(sonhar é preciso) com a possibilidade de ir viver num grande centro e galgar
algo de significativo capaz de arrancá-la de vez da condição de uma garota de
família simples: nesse núcleo, vive às turras com a mãe, uma disputa que muito
tem de um Complexo de Electra, se repararmos que o pai, a figura adorada por
Lady, aparece soterrada num universo de dominação contínua da mãe, embora, nunca
passe pela cabeça da garota o fim da mãe, a quem lhe dirige sempre um reconhecimento
expresso clandestinamente que ofusca o que poderiam ser marcas de seu verdadeiro
ódio. Isto é, se for possível alcançar esse paradoxo, Lady odeia sem odiar. E, claro, o matar aqui aparece representado por outra condição que é o da negação da mãe; enquanto a personagem marca toda vez seu discurso pelo reconhecimento da figura paterna, a mãe é sempre questionada.
Fora do núcleo
familiar, é que a narrativa melhor oferece uma compreensão sobre essa garota e
é quando o espectador desfaz qualquer impressão negativa que possa construir
dessa relação aparentemente mal compreendida entre filha e mãe. Dada as dificuldades
financeiras da família – o pai de Lady Bird está desempregado e é a mãe que se
desdobra numa dupla jornada para dar conta dos gastos da casa – ela, para não ser
submetida ao ambiente degradante da escola pública, tem de cumprir os anos
finais da formação básica num colégio católico. O ambiente claustrofóbico, onde
em toda parte impera o poder da proibição favorece às feições de rebelde da garota,
desenvolvida em cenas que vão das ações paralelas ao tédio dos rituais da igreja,
como comer hóstias e obrigar a madre a passar pelo vexame de casada com Cristo arrastando
pelas ruas os penduricalhos num carro de legítimos casados, à posição inusitada
de defender o aborto numa sessão de educação sexual na escola que prega o seu contrário.
Lady Bird incorpora,
assim, não a condição da garota que deve apenas subserviência, o sempre
proposto nos filmes do gênero com protagonistas masculinos em que a elas são
designados sempre o papel de objeto sexual dos garotos ou de companhia, quando o
tema é quem fica com a mais bonita da escola para o baile de formatura.
A
postura da personagem do filme de Gerwig em todas as situações é a de
protagonista: na primeira relação sexual é a que toma a iniciativa e a que
domina, e, no baile de formatura é quem subverte a ideia de casal ao substituir
o rapaz, por uma série de desafetos que tramavam a direção contrária de suas convicções,
pela melhor amiga. Ou mesmo a que vai por suas mãos insistir contra a sentença
imposta de não conseguir alcançar uma vaga numa grande universidade. Todas
essas atitudes desenvolvem no espectador uma fiel empatia por essa garota.
E
eis a melhor, que Gerwig não se nega propor: enquanto nos filmes de transição da
adolescência para a vida adulta com homens a mirada é puramente masculina, neste
que poderia ser puramente feminina, é também universal. Isso porque Lady não é
uma personagem-tipo, mas uma figura representativa dos anseios comuns a todo
jovem: encontrar uma vida que não o afogue no anonimato, ainda que depois venha se arrepender das vias escolhidas.
Por fim,
Lady Bird atenta contra uma diversa parte de discursos que apostam no desencanto
fatal com as gerações mais recentes. A velha ideia do vigor revolucionário do jovem ainda resiste. Pode está escassa mais é uma chama acesa. Claro que não haveremos
de esquecer que esta personagem é fruto de um contexto deveras peculiar, mas
não tão incomum, por que quantas delas estão nos interiores do mundo?
Comentários