As relações de Parra com o mundo

Por Roberto Careaga C.

Nicanor Parra, Miguel Grinberg, Allen Ginsberg, Maria-Rosa, Havana, Fevereiro, 1965.


Foi na Inglaterra, em finais da década de 1940, onde Nicanor Parra encontrou a iluminação que buscava. A poesia tradicional que havia explorado em Cancionero sin nombre (1938) já não fazia sentido e, então, viu de relance na vitrine de uma livraria o livro Apoemas, de Henri Michaux. “Perguntei-me: ‘Por que não intitular logo como antipoemas ao invés de apoemas?’”, contou anos depois, quando já havia iniciado a revolução com a antipoesia.

Mas, além da ruptura com a tradição lírica chilena – que teve Pablo Neruda como importante antagonista –, o  projeto de Parra afetaria as bases de toda a poesia hispano-americana da segunda metade do século XX e para além de sua língua. Mas, o reconhecimento foi lento. Salvo os estadunidenses que já nos anos 1960 publicaram a obra do chileno em inglês, a Europa se manteve muito esquiva à antipoesia: tinha 97 anos quando na Espanha lhe entregaram o Prêmio Cervantes e só em 2011 uma editora francesa se interessou por publicar sua obra.

Com fãs anglo-saxões do peso do crítico Harold Bloom, Parra teve uma relação estreita com a Geração Beat: no marco do Primeiro Encontro de Escritores Americanos, em 1960, o antipoeta foi anfitrião, no Chile, de Allen Ginsberg e Lawrence Ferlinghetti. Depois de vários dias na terra natal do poeta, nos Estados Unidos saíram os primeiros poemas de Parra em inglês e logo, em 1967, Ginsberg interviu na tradução da edição estadunidense de Poems and antipoems, publicada então pela New Directions. Só cinco anos depois que uma casa espanhola, a Seix Barral, publicaria Poemas y antipoemas.

Mas os Estados Unidos trouxeram sérios problemas a Parra: em meio a um festival de poesia na Biblioteca do Congresso, em Washington, o escritor visitou a Casa Branca e uma foto dele junto à primeira dama, Pat Nixon, apareceu na imprensa. Daí abriu-se o caos. “Eu relativizo tudo, até a revolução”, dizia então. Mas a foto enfureceu Fidel Castro que, imediatamente, desfez o convite para ser jurado do Prêmio Casa das Américas em Havana. Fora considerado instantaneamente um inimigo de Cuba.

O caso teve efeitos políticos para o antipoeta no Chile e entre toda intelectualidade do continente, que por esses anos estavam bastante ligados à revolução castrista. Se sua posição política afetou sua leitura no continente – Parra não foi um defensor da unidade popular – é menos claro, pois suas influências logo aparecem na poesia peruana, argentina e mexicana.

Quando, em 1991, foi entregue pela primeira vez o Prêmio Juan Rulfo, no México, foi ele quem recebeu. Ao receber o galardão, abriu outra linha de sua obra e inaugurou “Discursos de sobremesa”.

Depois da ditadura, período quando Nicanor Parra se reconciliou com a esquerda e estreitou relações acadêmicas e literárias com os Estados Unidos, sua obra começou a bater as portas do mundo. Mas só em 2001 que a Espanha acrescentou em definitivo o nome do poeta ao cânone: enquanto a Fundação Telefônica em Madri expunha seus objetos, ele recebia o Prêmio Reina Sofía. “Asseguro que foi complicadíssimo”, contou anos depois um dos jurados, Luis Alberto de Cuenca. Dois anos depois, Jorge Edwards integrou o júri do Prêmio Cervantes e propôs o nome de Parra: “Todos conheciam muito pouco a obra do poeta e então optaram por Gonzalo Rojas”, contou. “Nunca o leram. Nunca o entenderam”, disse Raúl Zurita.

A relação de Parra e a Espanha é esquiva. Quando em 2011 ganhou o Prêmio Cervantes, diferentes críticos enfatizaram o que chamava o problema da antipoesia na tradição hispânica: “Desde Quevedo, a poesia espanhola perdeu a comicidade e viveu vários séculos sob o a seriedade”, assegurou Niall Binns, estudioso e um dos editores das Obras completas & algo más editadas entre 2007 e 2011 em dois volumes.

A construção dessa obra completa, que teve organização também de Ignacio Echevarría, foi um longo parto; começou com as dúvidas do próprio Parra: em 1999, em sua casa de Las Cruces, Roberto Bolaño já havia lhe proposto a ideia, mas o autor só se convenceu em 2011. Poucos meses depois de publicar o segundo volume, o jurado do Cervantes falou a favor do antipoeta.

As resistências continuam: só em junho de 2017 foi publicado um livro de Nicanor Parra em francês. A editora Seuil apresentou Poèmes et antipoèmes. Anthologie 1937-2014 – um grosso volume de sete centenas de páginas, bilíngue, que percorre toda a obra do escritor chileno. “É preciso reconhecer que a obra de Parra é pouco ou nada conhecida na França, dizia o poeta Waldo Rojas em 2006; cinco anos depois, Felipe Tupper iniciou o projeto com Bernard Pautrat como tradutor de organizar a edição então publicada. A não figuração na França se repete em quase toda a Europa. E certamente na Suécia, onde se entrega o Nobel. Mas, se planta uma advertência: a revolução antipoética ainda não terminou de eclodir.


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* Este texto é uma tradução de "Los estiras e aflojas de Parra con el mundo", texto editado no jornal El mundo.

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