Atalhos da verdade
Por Sergio Ramírez Não é por acaso que, no seu discurso de recepção do Prêmio Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez comece falando sobre Antonio de Pigafetta, astrônomo, geógrafo, cartógrafo e linguarudo – que então queria dizer poliglota –, um dos poucos sobreviventes da viagem de Magalhães ao redor do mundo. E se García Márquez abre com ele sua esplêndida fala sobre a solidão da América Latina é porque encontra em Pigafetta alguém próximo, capaz de separar por um instante a verdade da imaginação. Essa qualidade de poder romper as fronteiras entre ilusão e realidade, tão necessária à literatura, foi também dos conquistadores e cronistas da conquista, e de muitos outros geógrafos e cartógrafos, exploradores e naturalistas que penetraram o novo mundo. Suas histórias nasceram das fábulas e sagas da imaginação popular europeia, e se espalharam em terras da América para passar a ser parte de um imaginário comum que foi ganhando prestígio com o passar dos séculos