Paulo de Tarso Correia de Melo: poeta-maior
Por Márcio de Lima Dantas
A obra
reunida do poeta Paulo de Tarso Correia de Melo (Talhe rupestre: poesia reunida e inéditos. Natal: EDUFRN, 2008)
comprovou o que a crítica mais especializada, não impressionista, e exigente,
já sabia: é o nosso poeta-maior. Claro que temos bons poetas, oriundos das
melhores cepas, porém muitos carecem de um fôlego lírico mais denso, capazes de
manter a mesma alta voltagem estética em cada livro que publica, bem como a
capacidade de manusear formas poéticas advindas de múltiplas tradições da
literatura ocidental. Eis dois dos principais atributos do nosso poeta: tanto
manuseia com propriedade o verso de fatura tradicional quanto as formas livres
e brancas, desprovidas da sintaxe normativa.
Acrescenta-se
a isso uma notável capacidade de transfigurar por meio do discurso poético o
prosaico do cotidiano, elevando as coisas ditas banais a uma categoria no qual
se inscreve o primado do digno, da beleza e do lugar no qual se pode extrair um
conteúdo sentencioso com forte pendor a se refletir acerca das pequenas coisas
que nos entornam.
É consabido,
quando se trata do fenômeno estético, o quão difícil é alcançar êxito com o
simples, o parco, o enxuto, mormente no que diz respeito ao poético, numa época
tão tardia como a nossa, visto que tudo já parece repetitivo, já feito,
inclusive a categoria de originalidade já perdeu o seu valor como referência
para se avaliar algo no campo da arte.
Temos, em Talhe rupestre, a oportunidade de
acompanhar a trajetória daquele que não teve pressa em publicar, guardando-se
numa quietude de quem, parece, sabia a exata medida do seu valor, maturando os
livros, já encerrados, nas gavetas. Lembraria a noção dos antigos gregos de
Kairós = tempo do sentido, das maturações, do oportuno, da ausência de pressa.
Detentor de
uma poesia coloquial, elegante e de requintada estampa, todavia não consegue
enganar um leitor mais atento, pois há uma poética e uma poesia muito bem
organizada subliminar ao texto: eis o emprego das rimas toantes, da métrica, da
estrofação, enfim, de tudo o que um poeta consciente do seu ofício delibera
articular em palavras, numa engenharia capaz de constituir imagens e sentidos a
partir de algo volátil: o signo linguístico.
Filiado a
melhor tradição antilírica, que tem como maior expressão o poeta João Cabral de
Melo Neto, linha de continuidade que refrata a noção de inspiração e advoga o
poema elaborado a partir da consciência e do ato de escrever como construção,
não havendo lugar para apelos à emoção ou sentimentalismos, o poeta chanta seu
número, através de doze livros de poesia, inscrevendo-se na nossa memória
literária, retomando o fogo legado por Zila Mamede.
O mito
neo-platônico, retomado pelo Romantismo e ainda vigorando como regra nos dias
de hoje, com seus apelos ao sentimental e a um suposto “gênio” de um poeta não
faz sentido. Paulo de Tarso alinha-se muito mais no campo das concepções
aristotélicas do fenômeno artístico. Herdeiro das noções descritas na Poética, do Estagirita, compreende a
poesia como um fenômeno resultado da construção, da elaboração, do dispêndio de
tempo e débito para com o que incorporou dos seus pares lidos e revistos nos
livros das histórias da literatura, da nossa melhor tradição.
E maior
também porque herdeiro da “leçon”, de Roland Barthes, cujo alcance da poesia é
dado por uma bem formulada alquimia entre Mathesis (saberes), Mimesis
(representação) e Semiosis (jogar com os signos). Com efeito, em Paulo de Tarso
é possível encontrar tanto a tradição grega, a cultura popular reelaborada,
poetas implicitamente citados no corpo do poema, estilos históricos, tudo
soldado de maneira atenta, nunca esquecendo a velha lição de que poesia se faz
com palavras, criando um mundo à parte, com seu fulgor, contrapondo-se e
criticando o real.
Com esse
livro, o poeta Paulo de Tarso Correia de Melo não apenas se sagra como nosso
poeta-maior, mas também se inscreve de maneira definitiva, em vida e em pleno
vigor produtivo, seu nome na História da Literatura do Rio Grande do Norte,
pois seu cinzel retirou lascas numa rocha, esculpindo-a, legando-nos um talhe
capaz de modelar um âmbito na bruta pedra da linguagem, vindo a ser escritura,
poesia, registro que se quer lugar fora do poder, proclamando a perenidade de
uma obra que só engrandece nossa poesia.
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