O túmulo de Oscar Wilde
Por Márcio de Lima Dantas
Estudo de Epstein para o túmulo de Oscar Wilde, 1909 |
O escritor
irlandês Oscar Wilde (1854-1900) está sepultado no cemitério de Père Lachaise,
a maior necrópole de Paris. Seu túmulo é um dos mais visitados: sempre se
encontram pessoas prestando homenagens ao poeta que morreu exilado na cidade.
Seu monumento funerário foi realizado pelo escultor Jacob Epstein.
O túmulo é composto por três grandes blocos maciços de granito justapostos e
paralelos, formando um paralelepípedo retângulo, os quais, por sua vez,
repousam sobre uma grande base da mesma pedra. No bloco da frente, encontra-se
esculpido um personagem representando uma esfinge alada, de forma que esta,
concebida com o predomínio de linhas curvas, acomoda-se nos limites do grande
paralelepípedo. Junto com os outros dois, conformam um só bloco maciço. Essa
figura encontra-se de perfil para quem se encontra na frente. E parece dormir
profundamente. Quando a encaramos de frente, constatamos que se trata dos
próprios traços de Wilde, já envelhecido e alquebrado pelas vicissitudes a que
foi submetido durante seu amargo exílio parisiense.
Tenho para mim que esse monumento em homenagem ao escritor irlandês organiza o
espírito da sua existência. Sim, vejamos se não é.
Os ângulos retos são, por excelência, a representação da ordem, do poder:
evocam a razão, a objetividade, as instituições humanas, coisas normalmente
associadas ao universo do masculino. Sintomático que as pedras não sejam
figurativas: a ordem é abstrata, anônima, ninguém sabe quem inventou, é
outorgada integralmente a todos, desde o nascimento, fazendo questão de dizer, por
modulações várias, que existe e existirá para todo o sempre. Em contrapartida,
temos a linha curva relacionada ao mundo da subjetividade, do sentimento, da
emoção, do feminino, enfim, da arte.
A esfinge, com suas linhas curvas, representaria a arte, espaço de redenção do
homem, embora limitado (a esfinge está pregada à parede de pedra). A possibilidade
de se construir algo na vida, fora dos limites do que se chama ordem,
encontra-se submetida à possibilidade de insculpir na pedra. Quero com isso
significar o sofrimento necessário não só como energia, mas com o ônus de
padecimento. O preço é alto. A pedra é áspera e provoca fagulhas de lâminas
susceptíveis de ferir os olhos e a pele dos obstinados: represálias, cárceres,
discriminações são as armas desde sempre usadas pelo instituído. A esfinge
confere uma enorme leveza ao conjunto do monumento. E não é isso a arte, a
possibilidade de suspender espaço e tempo?
O corpo do poeta travestido como esfinge agora também é uma metáfora da
escritura; esta, por sua vez, representa a possibilidade humana de sair da
realidade empírica, de criar um mundo paralelo consoante a criatividade (e a
necessidade) de cada um. Não é de graça que as asas apresentam linhas
paralelas, como se fossem a pauta de um caderno. O corpo também é um macrotexto:
as pernas, os braços seguem na mesma direção.
Como a velha história, narrando que a felicidade pode não ser feita com os
lobos, contudo, vai ter que ser inexoravelmente entre eles. Assim é com a
esfinge (de) Oscar Wilde: asas repousadas dormindo, sem nada esperar, na
eternidade. Não conseguiram aparar as asas do poeta. Deixaram-nas em repouso. É
o que sempre acontece.
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