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Mostrando postagens de novembro, 2017

Não adianta morrer, de Francisco Maciel

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Por Pedro Fernandes Este título de Francisco de Maciel, Não adianta morrer , é parte do verso de um poema dentre os mais conhecidos de Carlos Drummond de Andrade, “Os ombros suportam o mundo”. A confirmação dessa realização não é adivinhada pelo leitor porque revelada pelo próprio autor numa das epígrafes que abre o romance: “Alguns, achando bárbaro o espetáculo, / prefeririam (os delicados) morrer. / Chegou o tempo em que não adianta morrer”. As duas obras mantêm relações muito além de um verso que se transforma em título. Ambas veem o mundo entre o tom desencantado da resignação – de que já não sobra mais o que ser feito pela comunidade humana uma vez que esta parece haver escolhido uma vereda estreita e escura cuja saída ficou perdida e existir é agora só um tateio nas trevas – e o tom irônico, mordaz, que olha com a ideia do rebaixamento proposital da espécie, como se buscasse ser o motivo de reinventar as percepções do homem sobre o homem. Entre uma via e outra se

Os diários de Sylvia Plath

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Por Rafael Narbona Sabemos realmente o que se passava no interior de Sylvia Plath? Neurose, insatisfação vital, uma profunda melancolia, um agudo sentimento de frustração? Pode-se separar sua obra literária de sua dor psíquica e seu trágico final? Suas mudanças de humor se refletem no literário e o que é vital, introduz os diversos contrastes do drama. Sylvia ansiava a paz interior e os prazeres da vida intelectual, mas se jogava reiteradas vezes no abismo da angústia e da insegurança. Sua breve existência se caracterizou por uma oscilação permanente entre a certeza e a dúvida, a plenitude e o medo, o fervor e o fatalismo. Seus Diários , inicialmente depreciados pelo seu marido, o poeta Ted Hughes, nos revelam um temperamento místico e intransigente, uma ambição sem limites e uma frágil autoestima. Hughes afirmava que se produzia em sua mente atormentada “um desejo ardente de separar tudo o que impede uma intensidade definitiva, uma comunhão com o espírito, ou com a realid

Carolina Maria de Jesus, a escritora que catava papel numa favela

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Por Sara Mesa Em 1960, o Brasil assistiu a um fenômeno editorial sem precedentes. Quarto de despejo , o diário de uma mulher que vivia na favela do Canindé em São Paulo e que mantinha os seus três filhos catando papel e restos de lixo, vendeu os dez mil exemplares da primeira edição em apenas uma semana. Logo vieram mais centenas de milhares de vendas, aparições na imprensa e na televisão e a tradução do livro para treze línguas, entre elas o inglês ( Child of the Dark , nos Estados Unidos vendeu trezentas mil cópias em uma década). Mulher, pobre, negra, mãe solteira e autodidata, a autora daquele diário, Carolina Maria de Jesus, se tornou símbolo da dureza da vida da periferia, alcançando uma fama inesperada, embora fugaz. Durante muito tempo Quarto de despejo foi livro de leitura obrigatória, convertendo-se no mais vendido no Brasil. Mas, quarenta anos depois de sua morte, Carolina Maria de Jesus parece caída no esquecimento – ao menos fora de seu país. Além-fronteiras s

Sor Juana Inés de la Cruz, expoente literário e educativo do Século de Ouro espanhol

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Por Alberto López No México do século XVII, então conhecido como Nova Espanha, o acesso a educação e a curiosidade pela aprendizagem eram dois aspectos zelosamente reservados e guardados pelo clero masculino que, uma vez mais, excluía a presença de mulheres. Muito antes da luta de classes e dos direitos universais, uma mulher, religiosa além disso, Sor Juana Inés de la Cruz, escolheu desafiar esta situação de desigualdade e o fez com as mesmas armas: a educação, a erudição e a escrita. Sor Juana Inés de la Cruz se destacou tanto no campo literário que, mais de três séculos depois de sua morte, seu trabalho e seu legado continuam reconhecidos a nível nacional e internacional apesar de não ter sido nada fácil, já que precisou enfrentar até os religiosos com quem conviveu porque não era bem-visto que uma mulher manifestasse curiosidade intelectual e independência de pensamento. Sobre Juana Inés Ramírez de Asbaje y Ramírez de Santillana, que era seu verdad

Boletim Letras 360º #246

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Um filme sobre Lygia Fagundes Telles estreia no cinema. Mais sobre, ao longo deste Boletim. O blog Letras in.verso e re.verso entrou na última semana dos 10 anos. E como gostaria de ter feito, pelo menos neste ano cabalístico, novas coisas! Ter encontrado novas vozes para engrossar o fraco coro dos despossuídos! Ter alimentado novas expectativas! Ter presenteado mais seus leitores! Mas não deu. Trabalho sobre pressão, sobretudo de tempo, e não é fácil. As mãos que ajudam são escassas e eu não tenho mais que palavras para dizer-lhes o quanto elas me fazem feliz porque tocam este projeto a respirar. As que apedrejam são tantas! Sobre essas não tenho nada a dizer. Quem muito apedreja pouco faz. E eu prefiro ficar ao lado dos que alguma coisa faz. Na próxima segunda-feira o Letras terá atravessado a fronteira para mais uma década. Mais uma – será? Não sei. O futuro não nos pertence. Mas, tomara! Neste tempo, o blog teve suas altas e muitas baixas. E se contar os desejos de ir mais

Esculpindo o tempo nas recorrências da existência

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Por Rafael Kafka Frame de O sacrifício , de Andrei Tarkovsky De 2014 para cá, comecei a me interessar mais por questões ligadas ao estilo das obras. A presença desta ou daquela figura de linguagem, o uso de frases mais secas ou adjetivadas, a construção de um enredo linear ou alinear, os parágrafos longos ou curtos e outros recursos me chamaram a atenção em especial nas obras autobiográficas por indicarem marcas dos autores responsáveis pela produção do texto. Sinto que desenvolvi desde então uma forma de perceber o autor a partir de seu estilo dentro da obra, algo que pode soar óbvio para muitos leitores mais experientes, mas que para mim revela a profunda dimensão existencial da leitura. Esse efeito se tornou ainda mais interessante para mim após ler obras de autores consagrados que decidiram em um lapso de emoção se transformarem em obra. Nesse sentido, os diários de Saramago lidos por mim recentemente muito revelam de uma dimensão poética que se expressa na forma d

A noite da espera, de Milton Hatoum

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Por Pedro Fernandes A primeira referência que saltará aos olhos do leitor diante o nome do protagonista do romance de Milton Hatoum é a personagem de Iracema , de José de Alencar. É possível que não haja quaisquer determinações propostas pelo romancista, mas na tessitura textual, ou mesmo no nosso imaginário literário, essa relação, tal como a dos irmãos Yakub e Halim que remetiam aos irmãos Esaú e Jacó de Machado de Assis, não deve ser desprezada. No romance do escritor cearense, que trata sobre a formação do ideal de nação no Brasil, Martim refere-se à figura histórica do primeiro colonizador da colônia do Ceará e significava a presença do colono português e suas tradições na constituição desse ideal – do que muito mais tarde chamaremos de identidade. É cedo para apontar relações mais concretas entre a personagem de Milton Hatoum e a de José Alencar. A noite da espera é o só o primeiro dos três volumes de O lugar mais sombrio . Este lugar mais sombrio, entret