Os ventos (e outros contos), de Eudora Welty

Por Pedro Belo Clara 



Nascida no estado do Mississípi, durante a primeira década do século passado, Eudora Welty desenvolveu um trabalho sólido e veramente diversificado, o que lhe valeu a digna integração no restrito lote das mais marcantes personalidades da literatura estadunidense do século XX.

Embora se tenha dedicado de forma mais constante à narrativa breve, de igual modo revelou os seus brilhantes dotes na área do romance e até do ensaio, conquistando em 1973 o Prémio Pulitzer com a obra The Optimist’s Daughter (numa tradução livre, “A Filha do Optimista” – obra que até à data ainda não mereceu uma versão portuguesa).

Os temas em regra propostos pela autora, assim como as suas pessoais abordagens ao processo narrativo, não sofreram grandes flutuações de obra para obra. Tendo por base o cenário que frequentemente imprimia em seus trabalhos, assim como o descrever dos costumes da época, Welty evoca traços que facilmente se encontrarão em autores como John Steinbeck, Carson McCullers, Erskine Caldwell ou Flannery O’Connor, muito por culpa do vincado regionalismo que igualmente os celebrizou. Mesmo assim, e de forma indubitável, Welty trilhou rumos próprios, afirmando não só o seu peculiar génio criativo como a sua preciosa singularidade.

Antes de prosseguirmos, revela-se importante realçar que Os ventos (e outros contos) é uma antologia organizada pela editora portuguesa Antígona, resgatando alguns dos mais emblemáticos contos que autora produziu entre 1941 e 1963 – e que, pela própria, foram coligidos sob outras epígrafes. Ainda assim, o trabalho de selecção e de organização dos mesmos é deveras louvável, uma vez que não só cumpre o objectivo de apresentar, de forma clara e fluida, sem barreiras de maior, o trabalho da autora ao leitor mais curioso, como igualmente consegue compilar a parte mais significativa da obra de Welty. Acredite, caro leitor, que devido à sua diversidade tal nem sempre é sobejamente alcançado.

Assim, ao longo do livro, tomar-se-á contacto com o universo de uma observadora nata, em especial com um realismo que facilmente extrapola as suas próprias fronteiras. De situações quotidianas banais retiram-se profundos sentidos, pois em todas elas se estampa a fina marca do Homem e sua condição, comum a todos nós – independentemente dos credos, géneros, cores, origens ou estatutos sociais. 

Adoptando ora um discurso levemente irónico e humorista, sem nunca se despojar da devida elegância, ora marcadamente poético, qual inspirada criadora de cativantes atmosferas, Welty pinta retratos fiéis das realidades de sua época, comportamentos e mentalidades, impregnados de preocupações sociais e raciais (não se olvidem as incidências da turbulenta época que testemunhou em seu país). 

Através de tudo isto, de forma clara e aberta, revela a sua grande paixão e curiosidade pelo género humano e suas intrincadas peculiaridades de carácter, assim como as nuances que mais sobressaem das relações interpessoais. A isto somente acresce as diferentes abordagens que os contos integrantes são alvo, denunciando não só a sua extensa criatividade como a evolução artística da própria autora.

Para muitos notáveis da literatura, e não esqueçamos que William Faulkner foi um dos mais fiéis apoiantes e admiradores desta engenhosa escritora, o Nobel seria um justo reconhecimento pelo valor do seu trabalho. Provavelmente, Welty pagou o preço de ser uma mulher de grande coragem e talento numa sociedade marcadamente masculina e (ainda) preconceituosa. 

Seja como for, a obra da autora que nos deixou em 2001, de cariz literário e fotográfico (mais um dos seus admiráveis talentos), é o legado que permaneceu com o lento contar dos anos e que por si mesmo se defende e justifica, rejeitando toda e qualquer salvação ou denúncia. Mas, a haver alguém com o estrito direito de julgar, que seja, então, o seu leitor mais dedicado.


* Este texto aparece pela primeira vez no extinto site Amanhã ou depois e foi revisado pelo autor para reapresentação aqui.


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