Onze livros sobre escravidão e racismo na literatura estadunidense
Em 2016 Colson Whitehead se tornou uma das
surpresas literárias nos Estados Unidos. Com o livro Os caminhos para a liberdade conseguiu o Prêmio Pulitzer e o
National Book Award, rara façanha, e todo mundo só falava sobre a obra e o seu autor. A narrativa
aborda um assunto muito recorrente na literatura estadunidense (e muito ao
gosto dos prêmios): a época da escravidão.
Mas, Whitehead incorpora algo mais ao
enredo: a narrativa se apoia na metáfora da rede de caminhos que possibilitaram
a fuga dos escravos das plantações do sul. Daí, os galardões e a consideração
da crítica de que sua obra é uma das importantes desta década. Os caminhos para a liberdade foi publicado
no Brasil pela Harper Collins.
Desde romances como os clássicos A cabana do Pai Tomás ou Negras raízes, a temática dos escravos
estadunidenses e o racismo está no coração literário daquele país. Mas, talvez
porque saídos do mandato de Barak Obama, talvez porque agora governa os Estados
Unidos um inimigo racista ou talvez porque novos escritores afro-estadunidenses
entram em cena, se abre uma nova possibilidade, não apenas com o romance de
Whitehead.
Aí está Entre
o mundo e eu, de Ta-Nehisi Coates ou os romances de Teju Cole e os ensaios
de Ibram X Kahdi (estes últimos ainda não estão traduzidos para o português).
Não é de estranhar que em 2013 o filme Doze
anos de escravidão, baseado na história real do escravo Solomon Northup,
tenha ganhado os Oscar mais importantes. Dois antes triunfava o filme Histórias cruzadas, outra narrativa
sobre escravas a partir do Best-Seller A
resposta (The Help, os títulos originais), de Kathryn Stockett.
Em meados de 2000, O mundo conhecido, de
Edward Jones, conseguiu o Prêmio Pulitzer com outra história tecida pelo mesmo
timbre, mas com retorcido desenlace: vários ex-escravos negros que depois de
obter a liberdade compraram outros seres humanos no sul dos Estados Unidos. Uma
mostra de que a maldade não tem cor.
Por fim, não é possível esquecer dois romances
que abriram muito o caminho para os atuais: A
cor púrpura, de Alice Walker (Prêmio Pulitzer em 1983); e Amada, de Toni Morrison (Prêmio Pulitzer
em 1988) e que impulsionou a escritora ao Prêmio Nobel em 1993.
A lista a seguir, apresenta propostas diversas com
este tema. As sinopses foram copiadas a partir dos releases oferecidos pelas
editoras. É indispensável repetir o de sempre sobre toda lista aqui publicada esta lista não é um ranking.
A cabana
do Pai Tomás, de Harriet Beecher Stowe
Tido por
muitos como um dos estopins da Guerra Civil Americana, que culminou com a
derrota do Sul escravocrata e a consequente abolição legal do cativeiro de
africanos e descendentes em todo o território dos Estados Unidos, este livro se
tornou um testemunho fundamental no convencimento de que a escravidão não era
natural. O próprio presidente Abraham Lincoln teria se dirigido à autora,
congratulando-a como a pequena mulher que escrevera um livro capaz de iniciar
uma grande guerra. A obra, que narra o drama do velho Tomás, escravo humilde e
religioso cuja vida sob cativeiro mudou drasticamente depois de súbitas trocas
de dono, discute assuntos e problemas ainda incômodos. Assuntos capazes de
explicar o interesse despertado pelo romance mais de um século e meio depois. No
Brasil, saiu recentemente uma tradução
inédita realizada por Ana Paula Doherty e com prefácio crítico do historiador Ricardo Alexandre Ferreira.
Doze anos de escravidão, de Solomon
Northup
Considerada
a melhor narrativa já escrita sobre um dos períodos mais nebulosos da história estadunidense,
este livro narra a história verdadeira de seu autor, um negro livre que,
atraído por uma proposta de emprego, abandona a segurança do Norte e acaba
sendo sequestrado e vendido como escravo. Outra vez liberto, Northup
publicou o relato contundente de sua história, que logo se tornou um dos livros
mais vendidos então. Passam-se quase dois séculos da primeira edição e o livro continua
reconhecido como uma narrativa de qualidades excepcionais. Para a crítica, o
caráter especial do livro deve-se ao fato de o autor ter sido um homem culto
que viveu duas vidas opostas, primeiro como cidadão livre e depois como
escravo. Adaptado para o cinema por Steve McQueen, quem se encantou pela
obra por sua “dimensão épica, o detalhamento, a aventura, o horror, a
humanidade”, Doze anos de escravidão ganhou
tradução no Brasil por Caroline Chang.
Negras raízes, de Alex Haley
O enredo do
livro em muito se aproxima do de Solomon Northup. Haley relata sua genealogia,
suas negras raízes, desde antes a história de seu trisavô numa tribo da África,
onde é capturado por traficantes de escravos. Antes desse acontecimento, o
relato se concentra em revelar os costumes, a educação das crianças e as
tradições nessa tribo. Daí avança sobre o sofrimento dos negros nos porões dos
navios negreiros; a narrativa detalha as condições subumanas e animalescas, as
doenças, a fome, a privação total da liberdade, os estupros coletivos de negras
por traficantes, a matança indiscriminada e as torturas de toda sorte, como o caso
de negros que eram jogados ao mar para saciar a fome de tubarões. Nos Estados
Unidos, a venda e as fugas até ser adquirido por homem que o trata de outra
maneira ao ponto de lhe garantir a posse da casa-grande; é quando se casa com
uma doméstica. Se a lista de purgações tem fim? Não. É talvez um dos livros
mais cruéis e mais dolorosos que revela, ainda assim, uma pequena parte do
sofrimento imposto aos negros.
A cor púrpura, de Alice Walker
A obra foi
inspiração para uma criação de alto quilate da cinematografia dirigida por
Steven Spielberg. O romance retrata a dura vida de Celie, uma mulher negra no
sul dos Estados Unidos da primeira metade do século XX. Pobre e praticamente
analfabeta, ela foi abusada, física e psicologicamente, desde a infância pelo
padrasto e depois pelo marido. Um universo delicado, no entanto, é construído a
partir das suas cartas que revelam as experiências de amizade e amor, sobretudo
com a inesquecível Shug Avery. Apesar da dramaticidade de seu enredo e das
estreitas relações com o cenário brutal de uma época, a obra de Walker se constitui
importante porque assinala uma universalidade da condição negra (e isto faz
dela muito atual) e leva-nos a refletir sobre as relações de amor, ódio e
poder, em sociedades ainda marcadas repentinamente pelas desigualdades de gêneros,
etnias e classes sociais.
A resposta, de Kathryn Stockett
Eugenia
Skeeter Phelan terminou a faculdade e está ansiosa para tornar-se escritora. Depois
de um emprego como colunista do jornal em sua cidade, ela tem uma ideia
brilhante, mas perigosa: escrever um livro em que empregadas domésticas negras
relatam o seu relacionamento com patroas brancas do Mississipi na década de 1960.
Mesmo com receio de prováveis retaliações ela consegue a ajuda de Aibeleen, a
empregada doméstica que criou 17 crianças brancas e Minny, que, por não levar
desaforo para casa, já esteve por diversas vezes desempregada após bater boca
com suas patroas. Aproveitando o surgimento das primeiras manifestações em
defesa dos direitos civis, Skeeter espera que seu livro choque as pessoas
brancas preconceituosas e traga orgulho e esperança à comunidade negra de
Jackson, condado onde se passa a história. Ao mesmo tempo, com a possível
publicação do livro, ela espera quebrar as suas próprias barreiras e realizar o
sonho de sua vida.
As aventuras de Huckleberry Finn, de
Mark Twain
Esta é uma
obra em que, um dos maiores autores da literatura estadunidense, explora questões
muito sérias sobre problemas sociais, políticos e morais com que precisou lidar
durante a Guerra Civil nos Estados Unidos – muitos dos quais, diga-se, ainda presentes
nos dias de hoje. Ao escapar do pai violento e se refugiar em uma ilha, Huck
Finn aproxima-se de Jim, um escravo fugido e desenvolve com ele uma solidária
relação de amizade. Em busca de liberdade, a dupla começa uma viagem pelo leito
do rio Mississippi e a cada parada envolve-se em inusitadas aventuras. Além da voz
infantil de um narrador que desce em fuga pelo Mississippi, Twain desenvolve
uma segunda história que destaca a inocência perdida de uma nação.
As confissões de Nat Turner, de William
Styron
A ninguém
surpreende que um homem nascido na escravidão e depois de experimentá-la
durante toda sua vida finde por armar-se e executar a vingança mais sangrenta contra
seus amos brancos. Contra isso, contra a incapacidade de surpreendermos ante a
realidade, existe o romance. Nenhuma outra das ferramentas de conhecimento
possui essa capacidade de mergulhar na realidade e iluminá-la a partir de lados
impossíveis. O livro Styron parece escrito para demonstrar a possibilidade
antes aventada. Baseando-se num acontecimento histórico – a única tentativa de
uma insurreição armada dos escravos negros do Sul do Estados Unidos anterior à
Guerra de Sucessão – e um caso real do qual existia alguma documentação, Styron
imagina as vitórias pontuais a partir da confissão do próprio escravo/assassino.
Constrói assim um dos melhores romances estadunidenses da sua década. O livro
ganho o Prêmio Pulitzer em 1968. A partir de um ponto de vista de uma
personagem complexa, o autor consegue nos fazer compreender a tremenda e dupla injustiça
de uma escravidão que implicava forçosamente a impossibilidade para a
sobrevivência em liberdade, mas provoca, ao mesmo tempo, um desejo automático
de liberdade para os homens.
O mundo conhecido, de Edward P. Jones
Segundo
Jeffrey Lent, este é um romance dos mais poderosos e profundos e profundos
sobre o tema da escravidão e do racismo; isso porque “não apenas conta uma
história inesquecível, mas o faz com tamanha elegância, graça e mistério que
mexe com nossa imaginação”. P. Jones compreende de maneira irônica, melancólica,
dolorosa e ao mesmo tempo bem-humorada a condição transitória da existência
humana no mundo. O livro narra a história de Henry Townsend, um negro,
sapateiro e ex-escravo que se torna dono da sua própria plantação e também dos
próprios escravos.
O sol é para todos, de Harper Lee
Apesar de
reiteradas vezes censurados em escolas nos Estados Unidos – tal como As aventuras de Huckleberry Finn –, e talvez
justamente por isso, este é um livro indispensável em qualquer lista de obras
que versem sobre racismo. Porque simplesmente este é um romance emblemático
sobre o tema. E sobre injustiça. É a história de um advogado que defende um
homem negro acusado de estuprar uma mulher branca nos Estados Unidos dos anos
1930. Obviamente que este advogado terá de enfrentar toda sorte de represálias
de uma comunidade estreitamente arcaica e racista. Narrado pela sensível Scout,
filha de Atticus Finch, o defensor em questão, esta é, pela maneira como se
mostra sempre atual, uma história atemporal sobre tolerância, perda da inocência
e o conceito de justiça. O livro foi escolhido o melhor romance do século XX
nos Estados Unidos pelo Library Journal
e a autora recebeu o Prêmio Pulitzer em 1961. A obra foi adaptada para o cinema
e o filme ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.
Amada, de Toni Morrison
Junto com a
obra de Alice Walker e Harper Lee, este é outro clássico da literatura estadunidense
sobre tema desta lista. É também o mais conhecido romance da ganhadora do
Prêmio Nobel de Literatura de 1993. Ambientado em 1873, época em que o país
começava a lidar com as feridas da escravidão recém-abolida, conta a história
da ex-escrava Sethe, que após fugir de uma fazenda no Kentucky refugia-se em
Cincinatti, onde ela e a filha caçula se veem às voltas com o fantasma de outra
filha de Sethe, morta cerca de dezoito anos antes. Suas aparições cedem com a
chegada de Paul D., velho conhecido dos tempos de escravidão. Mas a inesperada
visita de uma jovem misteriosa chamada Amada, única palavra gravada na lápide
da filha morta, obriga Sethe a confrontar uma verdade terrível. Numa
prosa melódica que alterna diferentes registros e pontos de vista, manipulando
com maestria os tempos da narrativa, a autora compõe um retrato lírico e cruel
da condição do negro no fim do século XIX nos Estados Unidos.
Entre o mundo e eu, de Ta-Nehisi Coates
O escritor é
um jornalista americano que trabalha com a questão racial em seu país desde que
escolheu sua profissão. Filho de militantes do movimento negro, sempre se
questionou sobre o lugar que é relegado ao negro na sociedade. Em 2014, quando
o racismo voltou a ser debatido com força nos Estados Unidos, escreveu uma
carta ao filho adolescente e compartilha, por meio de uma série de experiências
reveladoras, seu despertar para a verdade em relação a seu lugar no mundo e uma
série de questionamentos sobre o que é ser negro nos Estados Unidos. O que é
habitar um corpo negro e encontrar uma maneira de viver dentro dele? Como
podemos avaliar de forma honesta a história e, ao mesmo tempo, nos libertar do
fardo que ela representa? Em um trabalho profundo que articula grandes questões
da história com as preocupações mais íntimas de um pai por um filho, o livro
apresenta uma nova e poderosa forma de compreender o racismo.
Os caminhos para a liberdade, de Colson
Whitehead
A crítica o
tem comparado a partir deste livro a nomes como Faulkner, Proulx, Updike e Alice
Walker. A obra tem sido lida como uma renovada visão sobre a escravidão e mescla
lenda e realidade numa narrativa que oculta uma história universal: a luta por
escapar ao próprio destino. Cora é uma jovem escrava de uma plantação de
algodão na Georgia. Abandonada por sua mãe, vive submetida à crueldade de seus
senhores. Quando César, um jovem da Virginia, lhe fala de uma linha de ferro
subterrânea, os dois decidem iniciar uma arriscada fuga para o Norte a fim de conseguir
suas liberdades. A obra converte em realidade uma fábula histórica e imagina uma
verdadeira rede de estações clandestinas unidas por trilhos que cortam o país.
Em sua fuga, Cora percorrerá os diferentes estados e em cada parada encontrará
um mundo completamente diferente enquanto acumula decepções no percurso de uma descida
aos infernos da condição humana. Mesmo assim, também haverá faíscas de
humanidade que farão os fugitivos manter sua esperança – e eis então a
possibilidade da obra se tornar história universal. Onírica e ao mesmo tempo brutalmente realista, a obra
é um relato acerca da força sobre-humana que emerge através da determinação do
homem em mudar o próprio destino.
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