Ivan Búnin
Ivan
Alekséievitch Búnin nasceu em 10 de outubro de 1870 em Vorônej no seio de uma
família aristocrática constituída a partir da emancipação dos trabalhadores e
da crescente industrialização do seu país. Todos seus antepassados, tanto por
parte de mãe como por parte de pai, haviam sido grandes proprietários de terras
na Rússia Central. Seu pai era descendente da mais alta nobreza; sua origem
remonta muito além do século XV e entre seus ínclitos ascendentes se contavam
escritores tão importantes como Vasili Zhukovski ou Anna Búnina.
Ivan Búnin
passou sua infância na casa paterna de Vorônej, rodeado dos cuidados de uma criança
de alta classe. Mas pai não se destacava precisamente devido às suas inquietações
espirituais ou intelectuais e sim pelo alto consumo de bebidas e sua paixão por
jogos de azar; sua mãe, entretanto, muito superior a ele, moral, cultural e
religiosamente, amava a poesia e foi sempre carinhosa com seus filhos.
Três anos
depois do nascimento de Ivan, a família Búnin se mudou para Butirki, província
de Oriol. Ali, o pequeno Ivan conviveu com as outras crianças, em grande número
filhas de camponeses do povoado, no pastoreio do gado, ajudando nos trabalhos
no campo, o que lhe deu a oportunidade de entrar em contato com a autêntica
essência idiossincrásica do povo russo.
Em 1881 começou
os estudos secundários numa escola da província, mas devido aos atrasos com as
taxas escolares (a economia familiar ia de mal a pior), Búnin se viu obrigado a
deixar sua formação. O fato de não continuar com seus estudos não significou
que deixasse de estudar; nesses anos leu muitíssimo – passava maior parte do
tempo na biblioteca de seus parentes, os Pushennikov – e teve a oportunidade de
se dedicar a uma paixão secreta: a composição de poemas.
Apesar de
tudo, Búnin conseguiu dar continuidade à sua formação cultural graças ao seu
irmão Iuli, que então cumpria prisão domiciliar por propaganda revolucionária e
lhe fez as vezes de professor. Ivan começou a ler sistematicamente os clássicos
russos e estrangeiros, o que lhe mudou definitivamente a maneira de ver a vida e o despertou para a arte literária.
Entretanto,
o empobrecimento de sua família obrigou a vender suas possessões de Butirki e
se mudar para uma fazenda em Ozerki, o que o salvou de cair, anos depois, na
mais extrema pobreza e ter de se mudar para viver com seus familiares mais achegados.
Em 1887,
depois da morte do então famoso poeta S. Nadson, Búnin compôs alguns versos, “O
pobre da aldeia”, que conseguiu publicar na revista A pátria. Depois desta publicação vieram constantemente outros poemas em
periódicos como A semana. Esses
trabalhos afiançaram ao jovem escritor uma vocação literária e lhe deram
impulsão para outras criações posteriores.
Aos dezenove
anos se emancipou para empreender sua carreira literária que começou como
suplente do redator-chefe do jornal local O
mensageiro de Oriol, onde conseguiu publicar vários de seus contos, poemas,
ensaios e textos de opinião. Na redação do periódico conheceu Bárbara Paschenko
que trabalhava como revisora e com quem Búnin iniciou uma tempestuosa relação.
Ante a negativa dos Paschenko da mão de sua filha a um poeta desconhecido e
pobre como era então, o casal decidiu, apesar de não estarem casados, irem
viver juntos. Mudaram-se para Poltava em 1892 onde Búnin foi trabalhar na
redação de O noticiário da Província de
Poltava. Enquanto isso a poesia e a prosa do autor russo iam aparecendo;
agora, com cada vez mais assiduidade em grandes jornais e revistas da época, como
Revista da Europa, O mundo divino, A riqueza russa, o que atraía a atenção de importantes nomes da crítica
literária.
Entre 1893 e
1894 teve uma passageira adesão aos ideais morais e religiosos de Liev Tolstói,
o tolstoísmo, a quem conheceu depois de visitá-lo em sua propriedade de Iasnaia
Poliana e sobre isso publicará mais tarde um livro – A emancipação de Tolstói (1937). Também no fim desses dois anos, se deu um
acontecimento-chave na vida do escritor: a separação com Bárbara Paschenko. A
relação estava condenada ao fracasso porque suas personalidades diametralmente
opostas faziam da convivência entre os dois um inferno. Em pouco tempo. ela se casa
com Arsenio Bibikov, amigo do ex-companheiro. Este episódio de sua vida aparece
registrado em sua obra Lika.
Uma dos registros dos encontros do grupo conhecimento. Em pé (da esquerda para a direita), Petrov e Máksim Górki. Sentados (da esquerda para a direita), Andreev, Shaliapin, Búnin, Teleshov e Piatniski. |
Foi impossível
então permanecer em Poltava. Mudou-se primeiro para São Petersburgo e depois
para Moscou. Na primeira cidade visitou todas as redações, trabalhou com amigos
escritores de renome e participou de eventos importantes sobre literatura. Uma
vez em Moscou, logo se integrou aos círculos literários da cidade, onde conheceu
V. Briúsov, Anton Tchekhov e Vladimir Korolenko, figuras já reconhecidas e que
se interessaram vivamente pelo talento de Búnin.
Em 1895
aderiu ao grupo Conhecimento, embora
no fundo não tivesse muito em comum com os seus integrantes e nem simpatizasse com
seus ideais radicais. A partir de então, para melhorar sua triste situação financeira
começou a se dedicar à venda de livros. Criou uma livraria, mas a clientela foi
parca; então, passou a vender as mercadorias em feiras e mercados diversos, uma
atividade que não foi nenhum pouco melhor que a anterior.
No verão de
1898 foi a Odessa para conhecer e desfrutar do mar e do sol no clima mediterrâneo da Rússia. A viagem foi graças ao convite realizado pelo redator e editor
da Revista Meridional, um grego
naturalizado russo chamado Ivan Aleksiéivitch Tzakin. Na casa deste homem conheceu
sua filha de 20 anos, Anna, por quem se apaixonou perdidamente e com quem
terminaria se casando em setembro do mesmo ano. O casamento durou só seis
meses. Depois desse curto tempo Búnin largou Anna grávida. O filho, batizado de
Nikolai morreu aos cinco anos.
Na primavera
de 1900 foi para a Crimeia – quando conheceu Máksim Górki. Os dois mantinham
entre si uma admiração profícua, mas suas posições ideológicas, totalmente
incompatíveis e irreconciliáveis não ajudaram muito na manutenção dessa
relação. Em outubro desse mesmo ano, Búnin realizou sua primeira viagem ao
estrangeiro: visitaria, entre outros países, Suíça, França, Alemanha e Áustria.
No retorno, morou por algum tempo na casa de Tchekhov. Nesse período, o escritor
trabalhava na edição de sua primeira antologia de poemas, A queda da folha, que publicada em 1901, recebeu boa acolhida entre
o público e a crítica especializada. Este livro ao lado de O canto de Hiawatha, deram a Búnin, dois anos depois, o Prêmio
Púchkin concedido pela Academia Imperial de Ciências da Rússia.
Passados
esses ventos nobres, Búnin deixa Odessa e vai para a Turquia; permaneceu uma
longa temporada em Constantinopla, onde se dedicou a estudar o Alcorão. Depois
voltou à França, visitou a Itália e o Cáucaso. Em 1906 conhece Vera
Nikoláievna. Casam-se pouco depois e com ela compartilhará todo o resto de sua
vida. A família foi em certo sentido um bálsamo para seu inquieto espírito –
embora não tenha perdido a paixão pelas viagens. Depois do casamento iniciou
outro de seus grandes périplos, agora para visitar a Tunísia, Egito, Síria,
Palestina, Sri-Lanka, Índia e Singapura. O fruto disso foram os contos
de viagem, muito deles brevíssimos, que receberam o título de A sombra dos pássaros, escritos entre
1907 e 1910.
No intervalo
desse tempo recebe pela segunda vez o Prêmio Púchkin – novamente pela sua
poesia e agora por suas traduções. Esse prêmio ainda seria seu pela terceira
vez, por sua poesia; reiterações que o favoreceram à entrada como membro
honorário da Academia Imperial de Ciências. Era 1909. E no ano seguinte que
publica seus contos breves, publica ainda A
aldeia, onde pinta um amplo, complexo e melancólico quadro da vida dos camponeses
russos. Como era de esperar, Búnin, com seu livro, atraiu a cólera da esquerda.
A crítica liberal também o reprovou: como aristocrata havia apresentado um
retrato demasiado desfavorável do mujique e ao descrever a vida cotidiana do
povo havia carregado as tintas sombrias. Entretanto, todos o reconheciam um
grande mestre da palavra, irrepetível por suas descrições da natureza e da
paisagem russa. A aldeia abriu-lhe as
portas para o reconhecimento definitivo no mundo das letras e o elevou a um
lugar mais favorável entre os escritores do seu país.
Depois de A aldeia vieram outras novelas e contos
em que Búnin desenhava a alma russa com todas as tonalidades e sua força trágica.
Talvez o título mais destacado deles seja Sukhodol (1911), relato de temática também rural, em que narra a história de um
proprietário de terras repentino que procura unir sua sorte com a dos camponeses.
Nesta década, Búnin escreve uma série de extraordinários contos sobre o amor, a
vida, a morte, o trágico destino humano, a fugacidade da felicidade etc. Entre
eles se destacam “Os irmãos” (1914), “Um senhor de São Francisco” (1915), “Gramática
do amor” (1915), “Os sonhos de Chang” (1916) e “Respiração suave” (1916).
A revolução
de 1917 surpreendeu Búnin. Vivia em Moscou e o fato significou um duro golpe
para ele. Incapaz de continuar observando e sofrendo a decadência e decomposição
dos valores que davam sentido à sua vida, o escritor e sua companheira mudam-se
para Odessa; depois do avanço incontrolável do exército vermelho, vão para Constantinopla, Bulgária e findam o périplo em março de 1920 na França, onde viveu entre
Paris, Grasse e Cannes um autoexílio que o levará a ser um dos primeiros de seu
país a garantir uma posição privilegiada e ao mesmo tempo crítica de sua terra
natal. Nesse período escreverá suas melhores obras: O amor de Mítia (1924), Insolação
(1925), O processo do tenente Ieláguin
(1925), Dias malditos (1925) e A vida de Arsêniev (1930), romance de fortes tintas autobiográficas.
Durante sua
estadia na França, Búnin precisou lutar contra grandes dificuldades econômicas,
só superadas graças à dedicação extrema de sua companheira que garantia ao escritor
ócios para a escrita e ao Prêmio Nobel de Literatura, que receberá em 1933. Foi
o primeiro russo a ser galardoado com a honraria, o que lhe garantiu a
responsabilidade de justiça a uma tradição literária que incluía importantíssimos
nomes constantemente desprezados pela Academia Sueca, como Dostoiévski e
Tolstói. Tamanha projeção serviu-lhe para ampliar seu grupo de leitores na
Rússia – sua lírica amorosa torna-se, para muitos jovens russos, o primeiro contato
com o mundo do erotismo na literatura. Fora de seu país, abriu-se a percepção de
uma Rússia singular, marcada por um destino complexo e dramático. A justifica do
júri destacou sua obra “pela precisa habilidade com que levou as tradições clássicas
russas aos seus escritos em prosa”. O prêmio foi importante ainda para a
diáspora russa, pois os emigrantes não apenas viram no prêmio um reconhecimento
à literatura de seu país no exílio mas o interpretaram como uma recusa internacional
à literatura imposta naquele momento na União Soviética (o realismo socialista).
A família Búnin e amigos em Grasse, 1933. |
Depois de receber
o Nobel, Búnin iniciou uma viagem por todas as cidades da Europa onde residiam
exilados: Londres, Praga, Belgrado, Berlim... As viagens também serviram para
ampliação de sua obra com as multiplicações das traduções. Entre 1940 e 1945, com
Paris ocupada, os Búnin vão para Grasse, onde ficarão até o fim da Segunda
Guerra Mundial. Nessa localidade francesa escreve sua última grande obra, Aleias escuras, um conjunto de contos de
amor sobre intensa, mas fugaz, felicidade.
Passada a
guerra, a embaixada da União Soviética entra em contato com o escritor a fim de
tratar seu regresso ao país. A mudança radical de atitude em relação a Búnin
vinha condicionada por seu distanciamento da oposição antissoviética à
emigração, assim como sua hostilidade contra os nazistas e as declarações calorosas
sobre a resistência do povo russo ante a invasão dos alemães. Apesar de todos
os esforços da embaixada e da intervenção de vários escritores importantes de
seu país, Búnin recusou o retorno e ficou na França.
A vida de
bonança foi curta. Gide e Pearl S. Buck, em 1950, tratam de chamar atenção
sobre os méritos literários do escritor e tentam arrecadar fundos para acabar com
a miséria em que vive. No mesmo ano publica Memórias,
onde atacou vários de seus contemporâneos, entre eles, alguns que foram seus
amigos, como Górki e Blok Briúsov. Sozinho, pobre e esquecido, passou seus
últimos anos em Paris, onde morreu em 8 de novembro de 1953. Quando morreu escrevia
um livro sobre Tchekhov, que ficou por terminar.
A obra de
Búnin que inicia muito cedo pelo poema em memória do poeta S. Nadson, “O homem
da aldeia” (1887) é vastíssima. Das antologias de poemas que lhe projetaram
fama e reconhecimento, o escritor transitou por todos os gêneros literários.
Sua poética sempre tem sido qualificada como parnasiana e segue em grande parte
a tradição implantada por poetas como Maikov, Fet e Polonski. Alheia à
renovação modernista do verso, detestava-lhe o futurismo de Maiákovski, por exemplo, sua poesia condensa experiências trágicas e seu
sentimento amargo que dão aos textos um ar de existencialismo reinante tanto na
poesia de seu país como na poesia mundial durante o século XX. Blok e Briúsov,
os dois mais conhecidos poetas das vanguardas literárias, por exemplo,
valorizaram a lírica de Búnin.
Depois da
publicação de seu primeiro livro de contos, Nos
confins do mundo (1897), onde se incluíam textos como “Tanka”, “No campo”, “Notícias
da pátria” etc., podemos observar as características que serão recorrentes na
prosa do escritor: a descrição da miséria, a tristeza da vida no campo, tons
que encontram um vivo contraste nas extraordinariamente líricas e sutis descrições
da natureza. Outros contos destacados de sua precoce fase inicial são “O novo caminho”,
“Os montes sagrados”, “As maças de inverno”. Em todos eles podemos observar uma
forte influência de sua lírica, especialmente deslumbrante no último texto citado,
um conto repleto do mais sutil lirismo e delicada poeticidade. Construído no crucial
e difícil momento de virada do século na sua contística podemos ouvir os ecos de
um passado não muito distante, mas imemorial, que languidesce de maneira irrevogável.
A sensitiva percepção do autor está marcada por um autêntico virtuosismo de
matizes sensitivas, quer sejam os cheiros e as cores. É suficiente ler alguns
desses textos para mergulhar num encantador e mágico outono russo, perceber os
aromas das manhãs, a frescura dos dias. Tais impressões poéticas imprimem uma
musicalidade no conto que o converte numa espécie de poema em prosa.
É A aldeia que o afirma como um escritor
de fama mundial – relembramos. Este é um severo e desapiedado retrato de corte
realista do deteriorado universo rural. Destruindo de um só golpe as tradicionais
noções do estoico, abnegado, trabalhador e bondoso do camponês russo, Búnin faz
uma aguda e sincera fotografia do campo. Confecciona um panorama lúgubre onde a
alienada comunidade russa se via presa numa espiral infinita de decadência
espiritual, social e econômica. Os vários quadros de brutalidade, superstição,
depravação e ignorância que estão por toda parte na obra estão apresentados por
austeros detalhes naturalistas. Búnin considerava que o principal problema do camponês
russo residia em sua inveterada inércia e sua incapacidade de ação. Não via
nenhuma saída para a crise e acreditava que o povo russo estava à beira de uma
explosão que só acarretaria a anarquia, sangue e um futuro sem perspectivas.
A mesma
linha de raciocínio de A aldeia se encontra
em Sukhodol, memória nostálgica da
derrocada e desaparição de uma família de proprietários de terras consumida no
mais profundo marasmo. A imagem deprimente de crueldade, alcoolismo, preguiça e
bestialidade encontra continuidade nesta obra. Em sua prosa rural, Búnin pinta
o mundo fragmentado e decrépito dos proprietários de terra russos com uma
extraordinário riqueza de matizes e cores, mas ao mesmo tempo com um sombrio
sentimento de lamento por uma época passada que nunca mais retornará. Outros contos
de seu ciclo rural, dignos de menção são “Conversa noturna”, “A boa vida”, “Iván
o chorão”, “Zahar Voroviov Príncipe dos príncipes”, entre outros. Búnin viu na
Rússia rural a verdadeira Rússia e nos camponeses russos a autêntica alma do
povo russo.
Os numerosos
lugares por onde passou inspiraram a Búnin poemas e contos; destas viagens é preciso
destacar seu crescente interesse pelas religiões e o pensamento oriental que também deram outros tons à sua obra, como
se destaca em “A rosa de Jericó” e “Escaravelhos”.
Agora, durante
a segunda década do século XX, Búnin alcança, sem dúvidas, a maturidade total
em sua técnica estilística com uma série de contos dedicados a temas de sua
preferência, quais sejam o amor e a morte, o bem e o mal, a beleza da vida e
sua crueldade. Entre eles é possível destacar: “O cálice da vida” (1914), que conta
a luta amorosa de dois homens pelo amor de uma mulher e o trágico destino de
suas vidas; “Hálito leve” (1916), melodramático e assombroso conto em que se narra o assassinato de uma colegial de quinze anos; “Os sonhos de Chang” (1916), uma obra repleta de reflexões sobre a existência e a afirmação de que o amor é a verdade mais excelsa da vida; e os já citados “Um senhor de São Francisco”, onde se descreve como,
por uma cruel ironia da vida, um milionário morre num cruzeiro e é devolvido ao
seu país no mesmo barco, mas já em primeira classe, mas no porão de carga; e “Gramática do amor”,
história de amor e morte de um homem que viveu toda a vida preso às coisas que
recordava sua mulher, morta quando eles ainda eram jovens.
O desencanto
com a Revolução Russa, pela percepção de um levante de uma série de forças
monstruosas que amaçava destruir o futuro do seu país e sua forma de entender a
vida estão na atitude severa que assumiu contra os bolcheviques expressa claramente
em títulos de ordem autobiográfica como Dias
malditos, onde joga contra os revolucionários toda sua ira e ódio
acumulados, e em Memórias, onde estão
as acusações viperinas contra escritores que interpreta como traidores da
literatura russa – como é o caso de Máksim Górki.
Esta visão pessimista se
infiltra ainda na prosa ficcional. A antologia Aleias escuras, de 1946, por exemplo, traz um conjunto de 38 contos
dedicados aos temas que mais gosta: o amor e a natureza. Entretanto,
diferentemente do tom anterior, agora o amor aparece com ar trágico, catastrófico,
demente; um sentimento que tanto sublima como destrói as pessoas. Búnin pensa
que para que o amor não desapareça nem se desvirtue é necessário que seja
fugaz, momentâneo, inesperado. O amor agora não reside no casamento, nem na
vida cotidiana, mas à espera, na eclosão da paixão, no passado e sempre tem um
fim trágico: a morte, a loucura, a separação, o suicídio.
O pessimismo
de Búnin se dá em torno do drama da vida e sua trágica e misteriosa natureza. Imbui-se
da melancolia, da rebeldia contra a fugacidade da felicidade e da recusa ao sem-sentido
da vida. A maioria dos motivos de sua poesia e prosa são a infinita diversidade
da natureza marcada pelas estações do ano, pela Rússia rural, o destino do
homem e suas relações com o amor, a paixão e a morte. O sujeito lírico de sua
obra é geralmente um adulto ou uma pessoa de idade madura que recorda seu
passado jovem ou uma idade de ouro já apagada.
Para
traduzir tudo isso, Búnin adotou uma linguagem precisa, mas repleta de lirismo,
possuidora de um poder descritivo grandioso capaz de transportar seu leitor a
um ambiente, tempo ou situação específica. Tal como Tchekhov, ele deu uma contribuição
única ao gênero do conto e da novela em seu país, demonstrando, com sua forma
de escrever, que a brevidade é a mãe do talento. Obcecado pela brevidade,
revisava seus escritos frequentemente e enquanto podia cortava o texto. Algumas
de suas histórias ocupam menos de uma página e são basicamente monólogos líricos
sem enredo.
Enquanto
seus temas e estilo pertencem ao realismo mais clássico, com alguns
ingredientes modernistas e decadentistas, sua linguagem é todo um exercício de
originalidade. Búnin criou um idioma evocativo, riquíssimo em texturas sinestésicas e plásticas. Sua linguagem flerta entre poesia e a prosa revestindo-se de
emoção, nunca extravagante, raramente sentimental. Marina Tsvetáieva o descreveu
como o fim de uma era, o último dos clássicos.
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* Anotações a partir de Roberto Monforte Dupret
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