A América e os americanos, de John Steinbeck
Por Pedro Belo Clara
A América e os americanos foi lançado
em 1966; reúne mais de cinquenta ensaios e peças jornalísticas produzidas
ao longo de 30 anos (1936-1966), assume-se claramente como uma indispensável
referência na obra de John Steinbeck, o amado autor norte-americano, prémio Nobel da
literatura em 1962, funcionando com igual eficácia no papel de introdução à
mesma.
Ao longo
desta antologia, transmitida pela peculiar sensibilidade e acurada visão do
autor de A leste do paraíso, cada leitor tomará um contacto directo com a
essência de diversos períodos conturbados do século vinte, desde a Segunda
Guerra Mundial à fatídica Guerra do Vietname, isto sem esquecer os
indispensáveis discorreres sobre a sociedade da época e as suas maiorais vicissitudes.
Sendo um
escritor «do povo e pelo povo», como em tempos alguém o nomeou, Steinbeck cedo granjeou
a simpatia dos mais desfavorecidos através da defesa explícita dos seus
convictos ideais de igualdade de oportunidades e de tratamento, o que resultou
em acções marcadamente interventivas na vida social de então, prova da sua
pessoal demanda por aquilo que considerava ser mais justo e necessário ao
progresso humano.
Tal aspecto é deveras notório nos primeiros textos da
antologia, onde se debruça sobre os episódios da migração em massa para o oeste
americano durante a grave seca dos anos 1930, fenómeno esse que motivaria a
criação da sua maior obra, o épico As vinhas da ira.
A abertura com que partilhava
as suas crenças políticas, não se coibindo de publicamente as partilhar com
quem o desejasse ler, principalmente em tempos de maior turbulência social, fez
com que certas facções governamentais, e não só, o vissem como um simpatizante
do comunismo, essa ideologia demoníaca sob o americanizado ponto de vista de
então, embora o autor sempre se tenha declarado um democrata convicto.
Desigualdades
e lutas de classe à parte, convém referir que os textos antologiados reservam
espaço ao enfoque na vida do próprio escritor, revelando episódios da sua juventude
e princípios da vida adulta, as suas impressões e experiências sobre o ofício
da escrita bem como algumas visões sobre o “ser americano”, os seus defeitos,
as suas louváveis virtudes e a implicação prática de ambos – um pouco à imagem
daquela que seria uma das derradeiras obras editadas em vida, Viagens com
Charley.
Assim se compreende a riqueza do presente livro, característica essa
que emerge, maioritariamente, da diversidade de temas que ao longo dos anos
foram abordados e explorados por Steinbeck, tornando-a, como oportunamente se
frisou, numa utilíssima ferramenta para todos aqueles que desejem aprofundar o
contacto com este universo singular.
Muito mais
do que o famoso romancista, o leitor receberá a imagem nítida do cidadão
preocupado com os destinos da sua nação e de um indivíduo recheado de histórias
pessoais resultantes de contactos com estimados companheiros, dos quais os
célebres Henry Fonda e Robert Capa são os mais notórios exemplos. Em suma, é
uma visão do autor nunca antes vista, tão comum e inestimável como qualquer
outra, dado o seu traço intimista e até confessional. Trata-se, com toda a
propriedade, do mundo de John, o homem, mais do que o de Steinbeck, o laureado
autor que tem o nome gravado a ouro nos anais da literatura mundial.
«Talvez
tenhamos de inspecionar a humanidade como espécie, não com a nossa habitual
admiração pelo quão somos maravilhosos, mas com a atitude fria e neutra que
reservamos para todos as coisas excepto nós próprios. O homem é de facto
maravilhoso, e talvez o mais notável dos seus feitos tenha sido sobreviver aos
seus paradoxos.»
(in “Os
Americanos e o Futuro”)
* Este texto aparece pela primeira vez no extinto site Amanhã ou depois e foi revisado pelo autor para reapresentação aqui.
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