O filho uruguaio, de Olivier Peyon
Por Pedro Fernandes
Este é um
drama sobre uma mãe que, muitos anos depois, decide buscar o filho que lhe foi
tirado quando de um doloroso divórcio. Mas é ainda uma viagem existencial de
todos os envolvidos nesse drama: a mãe Sylvie, o assistente social Mehdi,
María, tia e quem faz as vezes de mãe para o pequeno Felipe e a avó, Norma. É
também uma exposição sobre o quanto uma mentira é capaz de ruir com as
esperanças e os sonhos das pessoas. E Olivier alinhava tão bem as revelações
que pouco a pouco dão forma e tessitura à narrativa que finda capaz de mexer com
uma dose diversa de sentimentos do expectador. É impossível ver este filme sem
um nó na garganta e ficar preso ao impasse que ora advoga em favor das dores da
mãe, ora em favor da avó e da tia, ora mesmo no turbilhão de sentimentos
diversos que deve cruzar pela cabeça da criança quando tem revelado o duplo
interesse dos que estão ao seu redor: avó e tia a esconder a verdade sobre a
mãe e o pai do garoto e a atitude impensada do pai; Mehdi, quem decide por
apoio a Sylvie atravessar o Atlântico em busca de resolver a situação da guarda
de Felipe e quem logo se torna um amigo do menino e da sua família.
Já nessa
ocasião, ponto a partir do qual todo o drama é construído, forma-se a compreensão
logo desfeita a seguir, de que os dois formam um casal de contrabandistas de crianças,
afinal, por mais que Sylvie repita que a busca é pelo seu filho, a maneira encontrada
por ela e Mehdi nos reforçam essa certeza porque sempre estaremos presos à
dúvida de, se é mesmo uma mãe que busca o filho, por que ela não se desenvolve
pelos meios jurídicos requeridos em situações como essas. É preciso tomar ciência
sobre os motivos e a maneira como Felipe foi separado de Sylvie para ganharmos uma
vista da história que se oculta.
A revelação parcelar dessa história oculta se
dá pela transição de pontos de vista e situações referentes aos núcleos principais
da narrativa: assim, primeiro temos contato com a ideia da busca de Felipe a
ser conduzida por Sylvie e Mehdi; depois com o cotidiano de Felipe com a tia e
a avó no Uruguai; depois, quando os planos traçados por Syvlie e Mehdi se
desfazem por obra do acaso, pelo encontro dramático entre os dois núcleos; e,
por fim, na resolução do drama e a concentração do olho cinematográfico sobre os
impasses que as revelações causam na vida do menino.
É por essa
razão que O filho uruguaio não é
apenas a história de uma mãe em busca do seu filho. Ao variar o olhar e os
interesses pelas personagens dos dois núcleos principais da narrativa, o que se
explora são as transformações sofridas por cada um dos envolvidos com a
história e como foram afetados por uma mentira: a inventada pelo pai de Felipe
de que Sylvie estava morta e por isso o lugar do filho era no Uruguai com sua
família. Assim, assistimos uma mãe cuja força, mesmo abalada com a sorte de
possibilidades que se abrem para si, não se move da sua obsessão. Essa
transformação apresenta uma personagem sempre à beira de um colapso e afeita incapaz
de agir com a calma e a racionalidade exigidas para o caso – domínios que aqui estão
representados na figura de Mehdi. Esta personagem, apesar de envolvida emocionalmente
com o caso de Sylvie desenvolve outra compreensão quando se vê envolvido com o cotidiano
simples mas não desinteressante de Felipe. Isto é, a situação tal como se
apresenta leva-o a rever a ética de sua profissão e a tentativa de seguir os
desígnios do tempo ideal, e não os do tempo imposto, no intuito de evitar danos
mais irreversíveis sobre uma criança aparentemente conformada com o fim trágico
da mãe.
E porque este
filme não deixa de ancorar os embates existenciais aos das relações familiares
e estas, por sua vez estão ancoradas num ideal de confiança, verdade e sinceridade,
o conflito que faz par com o drama da mãe em busca do filho é o dos laços que
entre filho e mãe capazes de serem desfeitos pela mentira. Assim, Olivier não
deixa de manter os jogos de opostos mesmo quando o principal deles já se encontra
em vias de resolução. Isto é, a chegada de Sylvie à cidade onde vive o filho,
por desconfiança de que Mehdi havia desistido do plano de conseguir levar
Felipe de volta à França, introduz outro impasse: o entre a María e Norma. Uma
delas sabia da mentira do pai de Felipe, uma delas contribuiu para alimentar o
espírito materno que desenvolvido por María em relação a Felipe. E as duas
passarão pela descoberta de que a vida destoa das certezas mais ou menos estabelecidas
– a grande descoberta, por assim dizer, existencial das duas.
Nesse
ínterim, Peyon nos oferece um olhar aguçado sobre um tema universal: a maternidade.
Percorre suas mais diversas facetas: desde a comum reflexão sobre quem, de
direito, deve ser reconhecida enquanto tal ao questionamento sobre quais os
laços naturais e desenvolvidos pela convivência constituem forma das relações
entre mãe e filhos. À pergunta o que uma mãe é capaz de fazer por seu filho,
agrega-se outra, de força tão caudalosa quanto esta que é, o que é uma mãe. As
respostas não são dadas por subterfúgios. O cineasta cria uma situação e
explora os diversos vieses aí implicados e, o melhor, não nos oferece uma conclusão
ou conceito pronto, mas nos instiga a partir das situações investigar nossas
próprias posições sobre essas duas indagações que dão forma à narrativa de O filho uruguaio. Um filme, logo se vê,
de profunda sensibilidade e sem adestramento dos sentidos, capaz de produzir
sentidos diversos que dependem como o expectador olha as situações aí criadas.
Comentários