Thomas Hardy: poeta e romancista
Por Christopher Domínguez Michael
São diversos
os poetas que abandonam, total e parcialmente, a poesia pelo romance, seja
porque a primeira forma literária é a da juventude por antonomásia ou porque as
cordas da lira, arte maior, se rompem facilmente. Faulkner publicou seu
primeiro livro de poesia – Vision in
Spring [Visão na Primavera] – em 1921,
isto é, muito antes de ser romancista, o mesmo fizeram Marcel Proust, Oscar Wilde,
José Lezama Lima, Álvaro Mutis, Blaise Cendrars e muitos outros de nossos contemporâneos
para quem a poesia não lhes dão, muitas vezes, o reconhecimento ou o dinheiro,
real ou imaginado, dado pelo romance, o que está longe de ser um escândalo pois
a literatura é, também, uma profissão.
Outros, além
da poesia, exerceram formas diversas da prosa, como Rainer Maria Rilke, sem
abandonar o sacerdócio de poeta, e alguns, como D. H. Lawrence, prosadores,
intercalaram sua carreira de escrita de romances com a escrita de poemas.
Há casos
diferentes, os de poetas que começaram publicando narrativas como Amado Nervo com
El bachiller [O bacharel] (1895) ou
Martín Adán, o peruano, que publicou La casa
de cartón [A casa de papelão] (1928), embora este último se distancie
propriamente de ser um romance. Trata-se de um artefato em prosa muito singular
dos anos vinte e trinta do século XX, quando apareceram, por exemplo, os chamados
“romances líricos” dos contemporâneos. Um e. e. cummings trouxe à luz A cela enorme (1922), romance sobre sua
prisão num campo de prisioneiros na região francesa de Picardía depois da
Grande Guerra, mas isso não o qualifica nessa lista pois aparece, em 1917,
junto com outros sete poetas de Harvard numa antologia de poesia.
A verdadeira
exceção parece se dever a Thomas Hardy (1840-1928), quem foi um dos grandes
romancistas das últimas décadas da era vitoriana, famoso desde o sucesso de Longe da multidão estulta (1874) e
depois com O retorno do nativo
(1874), O prefeito de Casterbridge
(1886), Tess d’Urberville (1891) e Judas, o obscuro (1895), inúmeros contos
ou A bem amada (1892), assim como uma
das novelas mais extraordinárias, sobre um escultor – Pigmaleão sortudo – quisto
sucessivamente pela avó, a mãe e a filha.
Depois da recepção
tão negativa a Judas, o obscuro,
qualificada de imoral pela crítica de Londres, sempre hostil para com Hardy,
por uma série diversa de razões, mas sobretudo por ser tido como um grande
provinciano, o romancista decidiu publicar em 1898 seus Poemas de Wessex. A sua Dorset natal, no sul da Inglaterra, o havia
rebatizado assim, depois de elaborar uma toponímia pseudônima de todos seus
lares nativos.
Agora
“voltar-se” poeta quase aos sessenta anos não foi a melhor das escolhas e desde
então impôs para si a ideia de que não era totalmente sério mudar de escrita.
Hardy, arquiteto de formação que estava longe de ser um intelectual, previu que
estaria esquecido, como aconteceu com o caminho do romance do século XX. Que
não estaria em condições de competir com um Lawrence ou um Huxley.
Seu bom
amigo Leslie Stephen (o crítico já então pai de quem seria Virginia Woolf), seu
Virgílio no inferno das mil e uma noites londrinas, o advertiu que a poesia não
lhe serviria posto que os ideais compartilhados haviam se “tornado obsoletos e
nada de novo havia sido construído de novo. Não podemos escrever poesia viva
seguindo os antigos modelos, pois estão mortos os deuses e heróis”. Assim disse
em The Life and Work of Thomas Hardy,
assinado por sua segunda companheira, Florence Emily Hardy, embora agora
saibamos que foi o próprio Hardy, numa autobiografia simulada, quem escreveu o
livro, pelo menos parcialmente.
Mas o fato é
que Hardy foi poeta desde sua juventude e nunca deixou de escrever poesia porque
assim ordenava sua pan-filosofia pagã, fundada na compreensão de que todos
somos partes de um cosmos divinamente imantado, especulação que não o privava
de ser um darwinista bastante combativo. Isso se expõe num de seus poemas onde
um homem olha o céu estrelado e obtém uma resposta dos astros: “Não podemos
responder severamente / a este olhar duro e impotente / com que às vezes nos
olha, / não podemos fustigar nem olhar com ira, / pois é com algum de nós, princípio
e fim”.
Para ele, a
poesia era a seiva que alimentava a vegetação de sua obra romanesca e assim foi
lido por Ezra Pound, seu primeiro admirador entre os modernos, encantado pela
paixão de Hardy ao escrever seus romances dominados pela presença da tragédia
grega, autor também de um extravagante “drama mental” napoleônico, The Dynasts, irrepresentável e ilegível,
aparecido dos manuais escolares, segundo sentenciou George Orwell. Mas de
Virginia Woolf a John Bayley, Tim Parks e Max Ford, autor de uma biografia de
Hardy (Thomas Hardy. Half a Londoner),
baseada na contraposição em sua vida e obra do campo e da cidade, não há escritor
inglês que se prive de escrever uma página sobre Hardy.
Depois de
sua necessária temporada no purgatório, Hardy foi recompensado pela cega Deusa
do póstumo. Respeitado com romancista, criador de um dos últimos paraísos
pré-industriais da literatura, apesar das limitações de suas criações, a partir
de W. H. Aunden e Philip Larki, ele tem sido eleito como o poeta que antecipa a
beleza do ordinário, não só muito diferente da prisão vitoriana e sua retórica
vazia mas como um contemporâneo fundamental. Michael Irwin, organizador de The collected poems of Thomas Hardy,
admite que junto aos vários poemas muito ruins escritos por Hardy, foi ele o
autor de neologismos pré-joycianos e invenções métricas inusitadas, alheias ao
seu tempo e vistas como elevado interesse no nosso tempo.
Em português
pouco se conhece a poesia de Hardy; mas, além do poema sobre o Titanic e sua
vaidade afundados no mar – a partir de seus romances, Polanski adaptou para o cinema
em filmes como Tess d’Urberville, com
Nastasia Kinski no auge de sua atuação. O tema do poeta Thomas Hardy foi o que
fazer com a memória dos amores perdidos: “Recorda que a perda, e não a culpa, é
minha, / que é cavaleiro o tempo, mas seu tratamento vão, / e sabendo que minha
alma a mesma é todavia / - a que antes de causar-te dor pareceria - / não lhe
dar nome de nosso antigo afeto / a mão no declive sombrio do Trajeto?”
* Este texto é uma tradução de "Poeta y novelista: Thomas Hardy", publicado no jornal El universal. É livre as traduções dos títulos de obras entre parêntesis e dos versos neste texto.
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