Notas para uma História das Artes Plásticas em Mossoró
Por
Márcio de Lima Dantas
(Agradeço a Vicente Vitoriano e a Cid Augusto o material gentilmente me fornecido)
O universo
da produção pictórica mossoroense é mais rico e complexo do que fomos
acostumados a representar e a repetir, sobretudo nas mídias, que acabam por nos
influenciar a imprimir os contornos da imagem que fazemos de nós e da cidade na
qual vivemos. Enquistada nas terras quentes do oeste, equidistante de dois
grandes centros, Natal e Fortaleza, permanece no imaginário como uma polis isolada
e sem maior acesso a determinadas tradições da história da arte.
Porém, a
comarca da arte não se rege pela gramática da política ou da economia. A arte
ocupa no humano um lugar mental, que se manifestará de maneira relativamente
autônoma com relação ao entorno do grande teatro do mundo. Ou seja, a arte é
uma espécie de imanência, uma necessidade humana, para servir de contraponto ao
que convencionamos chamar de realidade. Não dizem que a poesia existe por que o
real não basta, não é suficiente para atingirmos algum tipo de equilíbrio, ou
do que chamam de felicidade?
Destarte,
toda e qualquer cultura manifestará através da arte o modo como sente e
representa as coisas ao redor, - de acordo com o espírito da época -, organizando
as mesmas invariantes, tendo em vista a sintaxe de determinada sociedade, como
um caleidoscópio que, a partir dos mesmos diminutos objetos contidos no seu
interior, dado uma sacudida, transforma-se em novo belo conjunto de imagens.
Vamos aos
artistas. Vou logo avisando que não pretendo dar conta de tudo e de tantos que
produziram arte em Mossoró, farei referência tão-somente a alguns poucos nomes
que iconificam e fazem saber, através de sua qualidade estética, que a cidade
foi capaz de engendrar alguns nomes de importância para a arte no estado do Rio
Grande do Norte. Não há pesquisas que nos ajudem a precisar nomes e datas
acerca de como evoluíram as artes plásticas em Mossoró.
Entretanto,
a cidade teve fôlego estético suficiente para conceber uma tradição no sistema
semiótico pintura, que está organizada na artista Marieta Lima e sua obra
multifacetária. Mas, antes de Marieta Lima, já houvera o artista João Nogueira
da Escóssia (1873-1919), no final do século XIX. Não se restringiu apenas às
xilogravuras que ilustravam o jornal O Mossoroense, adentrou por outros
domínios do desenho, tais como a charge, a caricatura e ilustrações para
publicidades. O seu ateliê foi responsável inclusive de produzir rótulos para
medicamentos. Curioso notar que só após as vanguardas do início do século XX,
como o Dadaísmo, por exemplo, algumas espécies de designs tipográficos
incorporaram o que era tido como meramente funcional ou arte técnica/decorativa,
elevando-os como possibilidades de serem considerados como objeto estético.
Marieta Lima
(1912-2012), na pintura em Mossoró, se inscreve como o nome mais importante,
tanto no que diz respeito a presença de um insofismável talento quanto no que
concerne ao domínio de diversas técnicas da arte de desenhar e pintar.
Discípula da franciscana Irmã Inês, professora de artes do Ginásio Sagrado
Coração de Maria (Colégio das Freiras), estudou com sua mestra várias técnicas de
pintura e do desenho, talvez por isso seja difícil uma dicção e uma sintaxe
próprias, na medida em que adaptava a técnica ao tema do trabalho, indo desde
um suave impressionismo lírico, com pinceladas um tanto pastosas, indo até o
desenho de fatura classicista.
Notabilizou-se
pela pintura de cunho religioso e pelas belas composições cromáticas de suas
muitas naturezas-mortas, aqui percebe-se uma franca e lírica hegemonia da cor
sobre o desenho. Dotada de enorme sensibilidade artística, tinha a exata noção
do equilíbrio compositivo que deve reger o cromatismo quando da harmonia de
justapor cores, causando um efeito de agradável suavidade para quem contempla
alguns dos seus exuberantes arranjos florais.
Em síntese,
Marieta Lima é o mito fundante da pintura em terras de Mossoró, sua caligrafia
é matriz e nutriz de uma grande plêiade de pintores que a sucederam ao longo do
tempo, estendendo-se até nossos dias. Mesmo sendo capaz de lecionar desenho geométrico,
que não é coisa simples, em colégios e a particulares, na sua casa, provando o
quanto dominava a arte da representação através do desenho e das cores, ou
seja, o quanto tinha valor como pintora, possuía um temperamento não detentor
da vaidade tão peculiar no meio artístico. De um ethos simples, chegada a uma
conversa, cuidava da casa e colecionava cactus.
Com Marieta
Lima, estudaram José Boulier Cavalcanti Sidou (1951-2004), - mesmo tendo
estudado pintura em São Paulo, sempre voltava à casa da pintora – e Luiz Varela
Laurentino (1942-2007), ambos expoentes do que melhor a cidade produziu em
pintura, visto que possuídos de talentos inatos e detentores de vasta produção
de telas que se encontram em casas e coleções particulares.
O II Salão Dorian
Gray de Arte potiguar, com sua proposta monotemática para as obras, ritualiza por meio da arte um dos mitos que
integram a aura do imaginário da cidade, a saber, a invasão do cangaceiro
Lampião e seu bando à cidade em 13 de junho de 1927. Para o poeta Fernando
Pessoa, “O mito é o nada que é tudo”. A arte, desde sempre, buscou inspiração
nos mitos que se encontram chantados no coletivo, fazendo-os perpetuar-se e
lançando-os à posteridade, fortalecendo outros elementos que fazem parte do
Imaginário da cidade, “assim a lenda se escorre a entrar na realidade”. Este
Salão demonstra de maneira bela e contemplada
por múltiplos ângulos a
necessidade que Mossoró tem desse mito.
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Márcio de Lima Dantas é Professor Adjunto II da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É autor de xerófilo e Rol da feira, encartado nas edições 3 e 5 do caderno-revista 7faces, respectivamente; no 5º número publicou também uma edição de artes plásticas caderno de desenhos. Além disso, escreveu os seguintes livros de poesia Metáfrase (1999), O sétimo livro de elegias (2006), Para sair do dia (2006) e os de ensaio Mestiçagem e ensaísmo em João Cabral de Melo Neto (2005) e Imaginário e poesia em Orides Fontela (2011). Também traduziu para o francês, com o prof. Emmanuel Jaffelin, quatro livros da poeta Orides Fontela, organizados em dois tomos: Rosace. Paris: L’Harmattan, 1999 (Transposição e Helianto) e Trèfle: L’Harmattan, 1998 (Alba e Rosácea). Ganhou o prêmio Othoniel Menezes (2006), com o livro Para sair do dia, outorgado pela Capitania das Artes; foi contemplado com o I Prêmio Literário Canon de Poesia 2008.
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