Marguerite Yourcenar e Grace Frick
Por Telma Amaral Gonçalves
Marguerite e Grace conheceram-se
em 1937 ocasião em que Grace, que era americana, estava em viagem pela França.
Encantada por Marguerite, Grace se apaixona e passa com ela todo o restante de
sua vida o que soma quarenta anos de relacionamento.
Marguerite era oriunda de
uma família aristocrática e tendo perdido sua mãe onze dias após o parto, foi
criada pelo pai de quem recebeu uma educação clássica, complementada por
inúmeras viagens pelo mundo. Desde jovem passou a se dedicar à literatura,
tornando-se uma escritora consagrada, a ponto de em 1981, ter sido a primeira
mulher a ingressar na Academia Francesa.
Grace Frick também pertencia a uma
família abastada do sul dos Estados Unidos e tendo ficado órfã cedo foi criada
por um tio. Obteve seu diploma de Bacharel em Arte, em 1925 e seu Mestrado em
literatura inglesa, em 1927, após o que tornou-se professora universitária.
Depois do contato inicial, Marguerite e Grace iniciam uma relação de amizade
que resultou em algumas viagens que realizaram juntas. Primeiramente, Grace
viaja com Marguerite pela Itália e pela Grécia. Depois será a vez de Marguerite
visitar os Estados Unidos. O registro das diversas etapas das viagens feitas
por elas era feito por Grace que até o final de sua vida cultivou o hábito de
anotar em agendas fatos do cotidiano, eventos, viagens e tudo aquilo que ela
considerava significativo. O fato é que Grace estava apaixonada, o que ela
registra num bilhete que envia a Marguerite no ano de 1938 onde afirma: “So I
love you, believe it or not” (Savigneau:1991:168). Esta, por sua vez, tinha
estado recentemente apaixonada por seu editor que era homossexual e que não
correspondeu ao seu amor, o que constituía para ela uma situação não de todo
resolvida; apesar disso e mesmo ciente do amor de Grace ela mantém uma relação
amorosa na Europa, desta feita com outra mulher.
No entanto, em 1939, devido à
guerra que se alastra na Europa e da qual ela queria fugir, Marguerite toma a
decisão de embarcar para os Estados Unidos para uma estadia de seis meses a um
ano. Chegando lá, ela se instala no apartamento de Grace e elas de fato
iniciam uma vida em comum primeiramente em Manhattan, depois em Connecticut e
finalmente, de forma definitiva no Maine, numa ilha chamada Montes Desertos,
onde adquiriram uma casa denominada por elas de “petite plaisance”.
Marguerite
passou os dez primeiros anos de sua vida conjugal com Grace sem sair dos
Estados Unidos, país do qual ela ganhou nacionalidade, mas que nunca foi
verdadeiramente seu, pois ela possuía um vínculo muito forte com a Europa, além
de ter um “espírito nômade” que a impulsionava a mudar sempre. Apesar disso,
ela ficou com Grace e disse “eu não decidi nada, deixei-me levar”. Deixou-se
levar, pelo amor, pela vida tranquila, pela solicitude sempre presente de
Grace, pela possibilidade de se dedicar inteiramente ao seu trabalho de
escritora, enfim por tudo aquilo de bom que a possibilidade de ficar oferecia.
Na fase inicial ela trabalhou como tradutora, fez alguns trabalhos
jornalísticos, turnês de conferências até se estabelecer como professora
universitária de literatura e retomar sua vida de escritora. Grace, por sua
vez, que tinha todo interesse em reter Marguerite perto de si, cuidava de todos
os detalhes da vida diária, assumindo os papéis não só de amante, mas de
ajudante, secretária e tradutora de seus livros para o inglês, papéis que ela
desempenha até o final de sua vida.
Após dez anos de exílio nos Estados Unidos,
Marguerite retoma seus contatos na Europa e passa a viajar regularmente para
lá, sempre acompanhada de Grace da qual ela raramente se separa. Foram quarenta
anos de vida em comum, marcados pela “paixão inicial” como disse certa vez
Marguerite e também por momentos de turbulência.
Os anos mais difíceis foram
especialmente os dez últimos em que Grace lutou bravamente contra um câncer o
que obrigou Marguerite a permanecer isolada da Europa, no que ela definia como
uma “vida imóvel”, anos que coincidiram com o seu apogeu como escritora e que geraram
uma insatisfação contida como ela mesma diz: “não sei quando acabará essa má
sorte. Pois é sempre má sorte estar imobilizada contra a sua vontade”. Nesse
período ela se recusou a deixar Grace ainda que isso lhe fosse extremamente
penoso e ficou com ela até os seus últimos momentos que foram marcados por uma
certa animosidade entre ambas.
Em parte
devido ao estado crítico de saúde de Grace que sofria de dores atrozes e até
mesmo pelo envelhecimento e temperamento das duas que se encontravam, nessa altura,
na casa dos setenta anos. Sua “má sorte” só acabou quando Grace foi vencida
finalmente, pela doença, deixando para trás quarenta anos de um amor que como
todos (ou quase todos) os amores enfrentou alegrias e percalços, tranquilidade
e tormenta, realizações e perdas.
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